Nossa infância, juventude e início da vida adulta foram pautados por treinamentos e competições, e toda pressão e dedicação que faz parte da vida de um atleta de alto nível. Treinos de segunda a sábado, finais de semana ocupados com amistosos, campeonatos regionais, estaduais e brasileiros… e ai vem a pergunta: sobrava tempo pra diversão? E como.
Mas, a “diversão” era inserida dentro de um único contexto. Nossas primeiras experiências, desde a infância, como viajar sozinho sem os pais, dar o primeiro beijo, o primeiro namoro, a primeira transa, o primeiro porre, a primeira briga, a primeira paixão, o contato com as drogas, enfim, experiências de vida, sempre ou quase sempre, foram na “beira da piscina”. Nossa vida tem cheiro de cloro.
Éramos jovens, adolescentes, vivendo sob intensa pressão, alguns até dos pais! E como descarregar isso? Lado B amigo, lado B… Lembrando que isso não é uma generalização, pois muitos faziam questão de ficar só no lado A, mas esses eram chaaaaaaatos… e alguns continuam.
Quando éramos crianças, nosso lado B era a total destruição dos hotéis por onde passávamos! Extintores de incêndio, lençóis amarrados, colchões no chuveiro, lustres quebrados, toalhas do hotel que sumiam e apareciam em competições seguintes… sim, o roubo era permitido, as toalhas eram exibidas como troféus, quase como uma forma de expressar seu currículo.
No Infantil, lembro um episódio engraçado, nossas mães foram chamadas ao clube pra serem informadas que ao invés de fazermos o treino de corrida, que era no entorno do clube, longe das vistas do técnico (bom, pelo menos era o que pensávamos), íamos comer algodão doce e pipoca!!!! … como era bom esse lado B.
Ao iniciar a adolescência o foco mudou, agora eram as meninas, as matinês, as festinhas de 15 anos… Naquela época serviam Cuba-libre e Hi-Fi, pois eram consideradas “bebidas de criança”. É, muita coisa mudou de lá pra cá… a sociedade te convidava ao “lado B”.
Enfim, nosso lado B era criança… por enquanto era aquela coisa de vassoura, dançar cheek to cheek, mãozinha no ombro (pras meninas) e mãozinha na cintura (pros meninos)…uma cuba –libre, os primeiros beijos, cueca melada, bilhetinhos, cartinhas…enfim, nada muuuito “lado B”.
Foi na infância que experimentamos também as primeiras brigas, as exclusões, as semelhanças e diferenças. Campeão, peba, bonito, feio, rico, pobre. Ali todo mundo aprendeu a procurar seu espaço, a sociabilizar, a criar laços, e também a ser cruel. O lado B não permite que você tenha em seu grupo alguém que não se “encaixe”, e em todos os momentos experimentamos de alguma forma a exclusão. O lado B pode te deixar mais forte…ou não. Ser calouro te aproximava realmente dos veteranos ou… o trote não acabava.
Uma passagem da minha vida de intensa pressão de “veteranos”, e era conhecida como tal, foi em um Troféu Chico Piscina em Mococa-SP, quando ainda se chamava assim e era entre clubes, uma medalha linda por sinal. Meu clube convocado e eu com 12 anos tive a missão de ir comprar cerveja pros veteranas à meia-noite. Fomos eu e mais 2 atletas, também com 12 anos, pular o muro da escola e ir comprar as cervejas, com o objetivo simples de agradá-los e escapar de um famigerado “pascu”.
Apesar das ameaças e do bullying ocasional, foi umas das experiências mais bacanas da minha vida, pois nós nos aventuramos na cidade sozinhos, andamos em círculo pela cidade procurando um bar aberto, e por não ter nada pra fazer, acabamos batendo na porta da Igreja, idéia (péssima) de um dos meus amigos. Para nossa surpresa, o padre abriu a porta! A desculpa imediata foi de que iríamos competir e precisávamos “rezar”… Não preciso dizer que a cena dos 3 ajoelhados nos bancos da Igreja com um silêncio enorme, mãozinhas juntas, e o padre com cara de sono nos observando acabou em uma gargalhada sem fim, sendo expulsos da Igreja imediatamente. Lembro que nossa aventura foi contada pros nossos amigos como se fôssemos verdadeiros heróis… do lado B, mas heróis. Pela aventura, e por se livrar do “pascu”…ufa!
Mas, a coisa começa a ficar clara no Lado B quando tínhamos 16, 17 anos, destruir o hotel já não bastava, precisávamos ir pra balada!!! A fase da cueca melada não interessava mais, agora eu quero SEXO!!!! E porque não drogas e rock´n roll??!!!
O objetivo também era agora não só “pegar” as meninas do nosso clube, mas as de outros, as cronometristas, as entregadoras de medalha, as juízas de borda, as da plateia, todas!!!
Mas tudo isso com responsabilidade… calma, primeiro nadávamos nossas provas, fazíamos o que era nossa vontade maior, melhorar nossos tempos, atingir nossos objetivos dentro da água. Depois… a água não bastava, sou LP, não sou CD, cadê o lado B?!
Nas festas que ocorriam após os campeonatos, todos ou quase todos, bebiam muito. Seja pra comemorar ou esquecer um resultado, seja pra criar coragem e chegar na gatinha… e se fosse do seu clube, ainda tinha a possibilidade de voltar da viagem de ônibus ao lado dela, embaixo do cobertor… Muito melhor que algodão doce e pipoca!!!
Mas óbvio que namoro, primeiro beijo, e todo esse “nhé nhé nhé” é o lado A+++, vamos falar do Lado B mesmo…. o lado negro da força.
Uma das histórias inesquecíveis foi no Hotel Atlântico em Santos, a brincadeira começa quando um dos atletas trás pra competição um “lançador de bexigas d´água”, uma das coisas mais sensacionais que já vi. Lançava uma bexiga em um ponto de ônibus a um quarteirão de distância da janela do Hotel. Houve uma tentativa frustrada de lançar bexigas na cerimônia de abertura da competição, mas a precisão dos tiros estava ruim ainda, por isso passamos a tarde inteira nos divertindo e treinando a pontaria. Até que um teve a idéia de “congelar” uma bexiga e mirar no hotel em frente onde estava a equipe rival. O lado B está cheio de péssimas idéias. Resultado: janela de vidro quebrada, vidro fincado na cama de um dos atletas, confusão, apreensão do lançador e busca de culpados.
Outra história que posso compartilhar foi o “Trofeú Brasil Hollywood Rock” – Esse troféu Brasil foi um dos mais inesquecíveis, pois combinamos nós e os atletas do nosso arquirrival Minas (o lado B nos unia), e fomos de metrô para o sambódromo assistir ao show do Robert Plant e Jimmy Page, com sepultura abrindo… Sensacional, chegamos bêbados às 6 da manhã, alguns feridos, mas todos vivos!!! Alguns tinham revezamento no dia seguinte, mas raça é o que não faltava, principalmente pra fazer valer o lado B.
Entre brincadeiras infantis e de gente grande, entre ocupar de alguma forma o tempo livre e gastar as energias, o álcool e as drogas também passam a participar do cotidiano de atletas. Sejam drogas alucinógenas, sejam drogas de aumento de performance, os anabolizantes. Mas nunca vi, exceto raras exceções, as alucinógenas terem um pano de fundo que não fosse lúdico, algo para aliviar o estresse de toda a pressão, mas elas estavam ali, pra quem quiser. Já os “anabolizantes”, palavra proibida, eram tratados de forma pior até que um “baseado”, totalmente contra o espírito esportivo enraizado em nossos valores. Na nossa época, isso estava fora de questão até pro Lado B. Isso sim, era proibido e feito às escondidas. Nossos heróis eram humanos, bêbados, mas campeões legítimos, não fabricados. Acho que as coisas mudaram de lá pra cá também… mas isso eu já não tenho certeza.
Sempre após nosso último campeonato no final do ano, o principal para muitos, o Troféu Brasil de Natação, sempre havia uma festa para todos os atletas, e para muitos, que não tinham chances de medalha como eu, virava um dos focos principais. A do Troféu Brasil era uma coisa louca, pois depois dessa competição eram as férias de verão, ou seja, 30 dias longe das piscinas… e não eram poucos os atletas que por comemoração ou por raiva de não atingir os resultados, enfiavam o pé na jaca literalmente! Nos ônibus de qualquer clube, algo em comum… medalhas, troféus e vômito!
Na prática a natação teve sempre seu “lado B”, afinal, além de atletas, somos humanos. Tivemos nossos “Romários”, nossos “Edmundos”, nossos “Imperadores” e nossos “Ronaldos”.
A natação, como qualquer outro esporte, apesar de individual, é quase um clã, tendo como símbolo de sua unidade, a bandeira de seu clube. Aprendemos valores de vida, cada qual em seu clã. A + B = C, e nesta conta inexata está nossa capacidade de avaliar nossas conquistas e nossas “cagadas”. Ninguém chega no “C” ileso. E ninguém é só “A”, apesar de algunss infelizmente tentarem.
A natação me ensinou boa parte dos valores que eu conheço hoje, e me deu amigos pra toda a vida. Talvez eu não tenha muitas histórias de medalhas pra contar, mas história é o que não falta…
Muito bacana o texto Miha! Acho que esse lado “B” inocente que todos nos tínhamos de um jeito ou de outro, até como maneira de lidar com uma vida muito regrada, é o que da mais saudades. Mais do que os títulos e medalhas! Alias, me lembro bem do Lançador de Bexigas e mais pra frente, quem sabe, escrevo sobre a inesquecível Guerra de Farinha em Rosário! Exemplo perfeito de Lado B!
Hehe, eu lembro é do Lelo se escondendo debaixo da cama com medo do William…
Jo? Jo no!
A essência do Lado B era importante para desopilar e testar os limites de cada um… O lançador de Bexigas em Santos deixou mais lembranças que a competição em si… Outra ocasião similar e memorável foram as bexigas d’agua lançadas no caminho para o saudoso parque aquático Julio Delamare no Rio… Aliás, lembro de um episódio em que alguém (já citado) ficou bem tenso quando um farol ficou vermelho e nosso ônibus parou num cruzamento logo após uma bexigada clássica… A vítima do banho inesperado deve ter batido o recorde mundial dos 100m e quase chegou na porta do ônibus… para desespero dos vândalos meliantes do Lado A e do B, na verdade.. boas lembranças de maus comportamentos…
Tinha uns vândalos que jogavam copos de água de plástico nos taxistas que faziam ponto na frente do Hotel Guanabara, na Candelária!
Essa história da bexiga congelada no Hotel Atlântico vi com meus próprios olhos: estávamos no terraço do Balneário quando vimos a bexiga estourar no vidro.
Jovens inocentes e inconsequentes… Mas aquela competição ainda teve um outro atrativo, um rústico “MMA” entre Renato Ramanho e Luiz Fernando – o popular Aríate! Ali provou-se que Ramalho era realmente o mestre-dos-mestres em luta!
Poderia dar mais detalhes dessa batalha épica? Eu me lembro de uma vez que o Ramalho achou que o LAM estava meio borocoxô antes de um 4x100M e deu tanta porrada no LAM que este nadou muito bem o reveza, inclusive se formando em função da medalha obtida, já que ele faltou em uma prova para nadar o TB e o professor disse que aprovaria ele caso apresentasse a medalha!
sensacional!!!! essa luta foi um “evento”
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