Como dizíamos, a decepção de não ter ido aos Jogos Olímpicos de Los Angeles poderia ter acabado com a carreira da melhor nadadora brasileira desde Piedade Coutinho.
Felizmente isso não ocorreu!
Mas restou a mágoa. Em março de 1985, Patricia deu uma entrevista à revista “Swimmer”: “eu estava no auge, super motivada, me deram muita esperança… achei uma sujeira. Eles (os dirigentes) não dão oportunidades e não deram satisfação alguma. Recebi muitas cartas para me consolar… você treina, treina, e afinal para que você nada?”.
Leia abaixo a reportagem completa (clique na imagem para aumentar):
Entrevista em 1985. Reparem que até essa época ela nunca esquecia de mencionar os 5 anos de derrotas para Cristiane.
[N do A: Patrícia evidentemente não conhecia na época o aforismo epichureano segundo o qual Treino e dedicação jamais garantirão o topo do podium, mas a ausência dos mesmos é garantia de fracasso. Ou seja, o “você treina, treina, e afinal para que você nada?” é a pergunta que nós PEBAS sempre tentamos responder, sem sucesso.]
Mas voltemos ao post, quer dizer, voltemos à Patrícia. Não obstante a decepção olímpica, Patricia continuou dominando todas as provas de 200, 400 e 800 Livre e seguiu seus treinamentos rumo a Seul – 1988. Cristiane Pereira estava definitivamente ultrapassada e…
…espera só um minuto.
Após vencer tudo e mais um pouco desde sempre até o fatídico (para ela) dia 16 de janeiro de 1983, Cristiane Pereira TAMBÉM não estava confortável no novo papel de coadjuvante. Emergindo das cinzas, no Sulamericano Juvenil de 1985 realizado em Rosario, Argentina, Cristiane Pereira mostrou muita raça e surpreendeu a todos ganhando os 200, os 400 e os 800, este último com Recorde Sulamericano absoluto, com o tempo de 09:00.70!
Pintou a dúvida: como seria daí para frente? Cristiane reassumiria para sempre o posto ou Patrícia teria forças para virar o jogo mais uma vez? Ah, a rivalidade que move montanhas! O tempo mostrou que, mais uma vez, a rivalidade fez bem à Patricia, que ao invés de desanimar ou desistir, respondeu mais uma vez com muito treinamento, transformou essa derrota argentina em exceção e seguiu dominando todas as provas de 200, 400 e 800, melhorando seus tempos e obtendo todos os ouros brasileiros disponíveis no restante de 1985 e 1986, ano em que nadou os 800L para 8:58.45 e reassumiu o RS dessa prova. Já Cristiane resolveu encerrar precocemente sua brilhante carreira e casou com Régis, goleiro do Vasco.
E chegamos a 1987. De ouro em ouro Patrícia foi se aprimorando, mas com 18 anos recém feitos ela sabia que precisava dar mais um salto de qualidade se quisesse se aproximar das Olimpíadas de Seul no ano seguinte. E o salto veio justamente na Argentina, mesmo país onde ela quase deixou escapar a coroa para Cristiane em 1985. Em abril de 1987 na Copa Latina de Buenos Aires Patrícia pulverizou os recordes Sulamericanos de 200 (2:06.56), 400 (4:20.64) e 800 (8:57.73).
Nessa época já não havia um periódico de natação que poupasse capas com Patrícia Amorim. Era Patrícia batendo recorde, entrevista com Patrícia, Patrícia tirando lactato, Patrícia lançando vídeo de técnica, Patrícia vendendo sorvete Kibon na TV…
(clique nas fotos para ampliar)
O ano olímpico se avizinhava, e a expectativa agora era sobre quais seriam os índices de participação brasileira. Quando estes saíram, mais apreensão para Patrícia: os tempos não eram impossíveis, mas ainda era preciso melhorar mais um pouco.
Índices para participação olímpica em Seul:
2:04.95 nos 200 Livre
4:19.13 nos 400 Livre
8:56.28 nos 800 Livre
Na época não se fazia mais do que um pico por semestre, portanto o treinamento específico da Patrícia foi efetuado para atingir o auge nas seletivas finais que ocorreriam no Fluminense. Novamente Fernando Magalhães (que tentava ele próprio o índice olímpico) nos brinda com os detalhes de sua memória prodigiosa:
“A 1a prova da seletiva do Flu foi os 200m livre. Estranhei a partida dada no apito de silvo longo usado em todo 1º dia, normalmente utilizado como sinal para subir no bloco, e a perinha ativando o placar eletrônico. Patrícia caiu na água e saiu para uma passagem bem mais agressiva do que estávamos habituados a assistir, uma conferida no parcial dos 100m e a atmosfera do Parque Aquático de transformou… “vai dar!!!”, arquibancada de pé, o atletas que estavam na sombra da arquibancada correram pra borda da piscina e todos torciam pela conquista. O final pesou mas a performance era incontestável: 2:04:27 – índice olímpico e recorde sulamericano para Patrícia Filler Amorim. A galera gritava e ela comemorava muuuuuuuuuuito… uma festa merecida que contagiou toda comunidade aquática!“
Com 2:04.27 nos 200L, Patrícia carimbou o passaporte para Seul, garantindo finalmente a participação feminina depois de 12 anos. Não era apenas o sonho de uma nadadora, mas também o sonho de toda uma geração realizado!
No entanto, para Patrícia a realização do sonho não era a conquista da VAGA olímpica, e sim a própria PROVA olímpica. Portanto, mesmo com a viagem à Seul garantida, ainda faltava muito trabalho por realizar. Não obstante seu primeiro ouro brasileiro em 1977 (e o tempo que levou treinando para ele), os cinco anos de vacas magras (até 16/01/1983) e mais cinco anos de soberania, ainda faltava mais uma última temporada de treinos intensos antes do filé. E Patrícia então colocou a cabeça na água para mais um período de treinos muito fortes.
Por acaso eu vi alguns desses lendários treinos realizados em João Pessoa. Enquanto nós, os semi-pebas, nadávamos o JUBS, os olímpicos treinavam forte para Seul. E sou testemunha ocular de como Patrícia treinava!
E finalmente chegamos a Seul, o ponto alto dessa sequência de posts. O fuso horário de 12 horas com quase nenhuma aclimatação fez com que a performance da maioria dos nadadores brasileiros tenha sido apenas razoável. O único finalista brasileiro foi Rogério Romero, e fora ele quase ninguém melhorou os próprios tempos, o que torna a excelente performance de Patrícia em Seul ainda mais notável.
Patrícia ficou em 25° nos 200 (2:04.74), 24° nos 400 (4:19.64) e 21° nos 800 (8:51.95). Nos 400 e 800 ela melhorou seu tempo, e portanto bateu recorde Sulamericano, inclusive nos 800m esse recorde brasileiro durou mais de onze anos! Um fato curioso é que uma das principais vantagens de nadar com as melhores do mundo era justamente aproveitar para puxar com elas, sobretudo nos 800 livre. No entanto, veja o balizamento e resultado das eliminatórias dos 800… Patrícia nadou sozinha, a exemplo do que fazia no Brasil, uma pena!
No revezamento 4×100 Livre Patrícia, Adriana Pereira, Isabelle Vieira e Monica Rezende obtiveram a honrosa 11° posição e mais um recorde Sulamericano com 3:56.29.
O resultado individual de Patrícia igualou o de Maria Elisa Guimarães em 1976 empatando com o melhor resultado para uma nadadora brasileira desde Helsinque 1952 quando Piedade Coutinho foi 13° nos 400 Livre e Edith de Oliveira também foi 13° nos 100 Peito. Já o revezamento foi a melhor participação feminina brasileira desde Londres 1948, ocasião em que o revezamento brasileiro feminino ficou em sexto.
Patrícia ainda continuaria dominando as piscinas brasileiras por mais um ano nos 200, 400, 800 e 1500L até (inclusive) o Finkel que não terminou (1989). A eliminatória dos 400L no dia em que não houve finais foi ironicamente a última participação de gala de Patrícia Amorim, que figura na raia 4 do balizamento da final que não aconteceu. Ela ainda nadaria o Troféu Brasil seguinte, o mesmo da Tragédia do Ibirapuera, estampado na foto abaixo de mais uma capa da Nadar.
Sim, o leitor atento do Epichurus mais uma vez está certo: Patrícia Amorim está na raia 8, e Patrícia Amorim na raia 8 só pode significar que ela estava parando! (Alguns anos depois ela ainda recuperaria o prazer de treinar e ajudaria o Flamengo nadando borboleta e os revezamentos, chegando até a pegar medalha no Sulamericano de 1994, mas aí já era uma nadadora como outras tantas, e ja não era “a” nadadora brasileira.)
Objetivamente, os resultados são incontestáveis. Foram vinte e nove (29) recordes sulamericanos absolutos, e colocações olímpicas inéditas desde 1952 e 1948. Mas arrisco dizer que mesmo se os resultados não falassem por si só (e repito, falam!), quem teve a oportunidade de ver de perto a raça, a técnica e a determinação desta atleta em anos magérrimos da natação feminina brasileira só pode ter certeza de que a sua contribuição foi de fundamental importância para sustentar em sua época essa linha evolutiva que culminou nas finais olímpicas de Joanna, Flávia e Gabriela.
E todos nós (e sobretudo os leitores atentos do Epichurus) que tivemos a oportunidade de presenciar de perto tudo isso podemos dizer sem sombra de dúvidas que, para nós, Patrícia não é a presidente do Flamengo ou a vereadora. Isso tudo ela também foi, mas mais do que tudo isso, aqui para nós, Patrícia Amorim foi uma nadadora espetacular, amigo.
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Excelente o epilogo R. Parabéns pelo texto!
Sabe que muita gente deve pensar que a Patrícia parou de nadar em 90 e deve ter parado mesmo pois não lembro dela em 91 e 92. Só que em 93 ela voltou e no Troféu Brasil daquele ano conseguiu a convocação para a Seleção Brasileira para nadar o Campeonato Sulamericano Absoluto em Maldonado, em Abril de 1994. Mas o que pouca gente deve saber é que a Patrícia não foi convocada para nadar os 400m ou os 800m livre. Naquela época essas provas eram dominadas pela Fabiana Carreço de Oliveira, que assim como a Viviane Motti, também foi chamada de “a próxima Patricia Amorim”. A 2ª nadadora de fundo era a Lu Abe. A Patrícia Amorim, imagino que para surpresa de muitos, conseguiu sua vaga nos 100m e 200m Borboleta!
Tive o privilegio de fazer parte da mesma seleção.
No 1º dia do Sulamericano, os olhos de todos estavam grudados no duelo do veteraníssimo campeão olimpico Antony Nesty contra o nosso grande talento André Teixeira, na prova de 50m Borboleta. Nesty levou o ouro com 25’79. Meu amigo e colega de universidade Francisco Sanchez (que no ano seguinte sagraria-se campeão Mundial de curta em Copacabana) ficou com a prata com 25’83 e o André foi bronze com 25’86. A prova foi sensacional e talvez por isso pouca gente tenha notado que a Patricia nadou para bronze a prova dos 200m Borboleta com 2’22’03, perdendo a prata no final da prova para a argentina Edith Anaspride que fechou para 2’21’43, ambas longe da sensacional nadadora argentina Maria del Pilar que quase quebrou seu próprio recorde sulamericano com 2’15’78! Um fato curioso e que infelizmente não cheguei a perceber se abalou a Patricia, foi que nesse mesmo dia, e tenho quase certeza disso contrariando o histórico da Best Swimming (link no texto) foi que Alicia Barrancos da Argentina quebraria por centésimos o recorde sulamericano da Patrícia nos 800m livre com 8’51’34. O recorde da PA era 8’51’95, desde 1988! Lu Abe terminou com o bronze!
No 2º dia Alicia bem que tentou, mas dessa vez bateu na trave nos 400m livre e o recorde sulamericano da Patrícia perduraria. Alicia levou o ouro com 4’19’83. O recorde da PA era 4’19’64. Fabiana foi prata com 4’25’76!
No ultimo dia Patricia nadaria para um excelente 1’05’49 e levaria a prata nos 100m Borboleta, perdendo apenas para a Maria del Pilar que fez 1’04’09 e quase bateu o recorde sulamericano da Daniela Lavagnino.
Enfim, com 25 anos a Patrícia sairia de um Campeonato Sulamericano Absoluto com uma prata e um bronze em provas individuais que não eram sua grande especialidade! Algo sensacional que mostra o talento que ela era!
A Patricia teve uma carreira sensacional e escolheu quando e como queria parar aparentemente. O conjunto de conquistas que ela teve é invejável e graças ao texto do Renato, podemos ver porque ela é tão lembrada como A nadadora da nossa geração … Os comentários gerais só reforçam isso. Grande abraco.
Munhoz, e a “cereja do bolo” para o meu juízo é ter seus melhores tempos obtidos nas Olimpíadas! Tirou o melhor na hora certa!
Opa! Só me atentei agora que os 11 anos e o estudo da Best Swimming são referentes ao recorde brasileiro. Em 1994 a Alicia Barrancos bateu o recorde sulamericano!
Com relação ao comentário do Lelo é preciso um esclarecimento. O Lelo leu o rascunho antes da publicação e fez essas duas correções fundamentais:
1) que a Alicia Barrancos bateu o RS dela em 1994. Aí eu corrigi o texto para “o Recorde Brasileiro dela durou 11 anos”.
2) que Patrícia voltou para as piscinas no início da década de 90, só que de borboleta! Aí eu acrescentei o adendo no texto final também.
Então o texto final já saiu com essas correções!
Em 94 ja tinha parado de nadar para continuar a minha faculdade.Cansada de esperar a cidade da natação.
Haha, Viviane, e estaria esperando até agora!
Rsrsrsrs! Essa cidade da natação chegou a me tirar o sono! Recém-chegado nos EUA, questionei se fiz a coisa certa! Santa ingenuidade!
Linda homenagem! Alguém tem que mostrar para ela, acho que ela vai gostar de ler!
Sem dúvida, uma grande homenagem para uma atleta diferenciada e “histórica”.
Valeu Lolô. Quem viu não esquece!
Marina: como eu disse no FB, não sei se ela leu, e se leu não se manifestou! Mas muita gente leu, a primeira parte deu ótima audiência, e gente próxima dela leu, portanto creio devem ter mostrado.
Agora, eu não tenho certeza que ela vai gostar. Tenho alguns amigos nadadores que curtem muito falar daquela época, mas tenho outros que preferem esquecer essa época. Sério!
EXELENTE REPORTAGEM ,SOBRE ESTA GRANDE NADADORA BRASILEIRA PATRICIA AMORIM, COMO OUTRAS GRANDES NADADORAS QUE TAMBEM FORAM LEMBRADAS EM SUA REPORTAGEM, REPORTANDO A HISTÓRIA DE NOSSA NATAÇÃO, LHE PARABENIZO RENATO CORDANI ,POR TODA ESTA COLETA DE INFORMAÇÕES DE NOSSA HISTÓRIA E PELO SEU TRABALHO REALIZADO. COM EX NADADOR DA SELEÇÃO, NADADOR MASTER, TÉCNICO DE NATAÇÃO ,E ADMINISTRADOR ,TANTO DA PÁGINA ,COMO DO GRUPO NO FACEBOOK DO MESMO NOME “ALBUM DAS GERAÇÕES DA NATAÇÃO BRASILEIRA ” .VENHO Á PUBLICO AGRADECER AS SUAS PUBLICAÇÕES, NO NOSSO GRUPO ,QUE AGRADECE . PARABÉNS E ABRAÇOS.
Exato Alonso, a história pré-internet vai se perdendo aos poucos se a gente não contá-las, né? Seu (nosso) grupo no Facebook tem essa função também! Nos comentários de outras partes do Facebook teve muita gente que comentou que nem sabia direito que ela era nadadora, quanto mais o fenômeno que foi!
Grande abraço e obrigado pelo comentário.
A partir de 84, com todas essas conquistas, Patricia, conquistou o reconhecimento e a admiração de todos. Essa projeção foi além do ambiente aquático com o propaganda da Kibon em horário nobre e a constante presença em noticiários com seus recordes.
Meus familiares e amigos leigos sabiam quem era Patrícia Amorim.
Lembro que quando conquistei a vaga para o Campeonato Sulamericano Juvenil de 87 em Maldonado, uma das grandes expectativas era a de fazer parte do mesmo time que ela, conhecer, poder conversar, tirar uma foto. E contar aos citados familiares e amigos leigos que faria parte da mesma seleção que ela, aumentava o impacto da notícia.
Minhas expectativas foram realizadas com grande naturalidade, além de uma grande atleta, Patrícia era simples, humilde e muito querida.
Merecidíssima a homenagem do Epichurus.
Valeu Esmaga. Eu não tive tanta convivência, só em competições, mas de fato a impressão que ficou para mim era precisamente essa.
AMEi!!!!
Como posso agradecer? Preciso encontrar vocês e contar muuuuitas historias, além de agradecer pessoalmente . E tem que ser pessoalmente. Saudades … Era tão feliz e não sabia…
Beijos aquáticos e mais uma vez obrigada por relembrarem desses momentos tão especiais.
Patricia Amorim.
Patricia, muito bacana que o texto chegou até você. Não precisa agradecer não, e esse encontro pode sair um dia desses mesmo, hein? Quem sabe no próximo Maria Lenk no Ibirapuera? Bjs e parabéns pela carreira.
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