Em 2019 fez 25 anos da minha última final de TB, ou seja, tempo à beça. E como 99% dos nadadores, eu não vivo da natação e nem da minha imagem de nadador (claro). Mas como 100% deles, ainda hoje me beneficio das ferramentas que aprendemos com esse esporte único. E quais são elas?
Vamos ao TOP 5.
1: AGUENTAR A PRESSÃO
Você treinou que nem um cão, pensou nisso 24h por dia, se alimentou corretamente, fez parte física no seu tempo livre, gastou uma nota preta em equipamentos, trajes e suplementos, deu baixa ou nenhuma prioridade aos estudos, namoro e festas por um ano. UM ANO. Mais do que isso, tipicamente, você está nesse ritmo há anos. E tudo o que você tem que fazer é ficar frente a frente com uma baliza e uma raia e decidir a sua vida em menos de um minuto. Aqueles minutos antes da sua prova principal na competição principal são tão tensos, tão nervosos, que… você provavelmente nunca sentirá tanta pressão no resto da sua vida.
Eu mesmo jamais cheguei perto da pressão que senti nos minutos antes da minha Tragédia do Ibirapuera, ou dos 400 medey de 1990 (com algum recheio), e muito menos da pressão que senti no TB de 1992. Depois disso, já tive muitos outros momentos supostamente tensos na minha vida e posso afirmar com segurança que NADA se compara à pressão que sentimos antes de uma prova em que quase tudo está em jogo, e para ser decidido em minutos.
Aproveite, querido amigo nadador, quem já esteve ali atrás do bloco sozinho não tem mais nada a temer.
2: APRENDER A PERDER
Nem que você seja o Phelps ou o Popov. Se você é nadador, você já perdeu. E se você não for o Popov ou o Phelps, você perdeu muito mais do que ganhou. E em cada derrota, você teve que levantar e no dia seguinte seguir treinando, para voltar e tentar da próxima vez.
Você perdeu desde o primeiro dia que você começou a nadar, e continuou perdendo até o último dia, na sua última competição. No caminho você ganhou algumas vezes também, e quanto mais derrotas você teve, mais feliz ficou com as poucas vitórias.
Amigo nadador, na vida você também vai perder muitas vezes, mais do que ganhar, como é natural. Mas você já tem calos, está preparado. Vai por mim.
3: CORAGEM
Essa é uma característica que nunca percebi em mim mesmo enquanto eu nadava, nunca me achei “corajoso” apenas por competir, e só fui perceber isso quando virei pai. Eu vi meu filho na baliza, desprotegido, em uma competição que ele não estava bem, ali, se expondo para todo mundo sem perdão. Não tem jeito: você não está legal mas a próxima prova chega e você não tem opção a não ser ir lá e fazer seu máximo, tentar dar a volta por cima, tentar superar as dificuldades. Para os pais e mães, dá até vontade de chorar, alguns choram de fato. Mas quando a criança vai lá, tira um coelho da cartola e consegue uma boa atuação, a sensação de poder é enorme. E quando não consegue, ao menos tem isso: ela foi corajosa pra caceta.
Amigo nadador, talvez você só compreenda isso quando vir o seu filho lá. Mas competir em um esporte individual com tanta repercussão e plateia quanto a natação é um ato de coragem, muita coragem, e que você vai levar para a vida toda!
4: DETERMINAÇÃO
Essa é clichê. Você não vai competir os 200m Livre polido e raspado na sua principal competição se você não tiver se dedicado durante muito tempo, tendo feito milhares de tiros de 50 – 100 – 200 e 400 por anos da sua vida, e sobretudo nos últimos 12 meses. Cada um dos treinos que você fez foi um tijolo no enorme muro que você ergueu para estar ali naquele momento e fazer o seu melhor. Um nadador sabe melhor do que ninguém que é preciso colocar um tijolinho na parede todo dia.
A isso damos o nome de determinação. E para o resto da sua vida, amigo nadador, você poderá usar isso que aprendeu na pele, e ninguém tira.
5: AMIZADE RAIZ
Natação não é o mais coletivo dos esportes, até os revezamentos são na base do “um de cada vez”, mas (acreditem) o que fica para a vida é o sentimento de grupo. Seguindo os primeiros quatro tópicos acima: você sofreu pressões insuportáveis, perdeu mais do que ganhou, teve medo mas teve que superá-lo, se dedicou olimpicamente… mas tudo isso foi compartilhado pelos seus amigos de treino, que sentiram exatamente a mesma coisa. Quando você perdeu, eles entenderam, pois já estiveram “ali”.
E quando tudo isso passa, praticamente só eles vão entender tudo o que você viveu. E é isso, amigo nadador: segundo Epicuro, cultivar amigos é tudo que precisamos para ser felizes nessa vida!
E você, querido leitor, concorda com o meu TOP5?
O quanto a natação mudou nossa vida. Parabéns!!
Verdade Andreghetto, já faz tanto tempo e a gente não esquece.
Olhando praquelas épocas de nadador, acho que encarar os 400 Medley requeria coragem pra caramba da minha pessoa… hoje nem entendo como eu terminava aquela tortura e voltava pra mais.
Adicionaria algo que ouvi em entrevistas de emprego: a natação nos torna mais “coachable” (i.e. literalmente “treinável” no sentido de receber melhor feedback pra melhora). Me ajudou muito e ainda ajuda. Adicionalmente, gosto e busco esta competência nas pessoas com quem trabalho.
Mas é a amizade e os laços criados que mais me fazem notar o valor que teve a natação na minha vida.
Boa! Abraço!
Concordo com a coragem dos 400 medley.
Concordo com o treinável (desde que se tenha confiança dos dois lados).
Concordo com as amizades, sem dúvida com mais valor que medalhas e recordes.
Abraço!
Estou passando cada um desses top 5, e estou amando, pois a natação está me ensinando boas e ruins para minha pessoa enfrentar dentro e fora da piscina!
TOP 6: nadadores são mais “treináveis” hehehe, vai dizer isso para o Sidão!
Excelente texto, Renato. Difícil escolher apenas 5 top… Acho que poria responsabilidade, planejamento (que a gente muitas vezes nem ligava tanto, mas estava lá), superação (que se mistura com determinação e coragem), e paixão! Fazíamos tudo aquilo – e eu fiz no nível peba total, como vocês dizem – por paixão! Sofremos tanto, mas 100% das vezes que me perguntam, respondo que faria tudo outra vez sem dúvida alguma!
A natação competitiva com certeza moldou quem sou e deixou ferramentas – boas – pra vida toda!
TOP 7: Paixão… é, faz sentido, passou tanto tempo e estamos falando nisso ainda, não é?
Chorei! Maravilhoso este depoimento! Não fui nadadora mas sou mãe orgulhosa de um nadador! Não existe atleta sem a família do atleta. Só seguimos nesta vida por compartilhar do pensamento que você descreve aí. Perfeito. Beijos
Obrigado Bianca, família vem junto sim, sem ela não tem como viver tudo isso aí.
Sensacional o seu texto, Renato (como sempre). E veio num momento muito especial para nossa família, quando o Henrique está passando pelo dilema de continuar nadando competitivamente na faculdade (que começa em agosto), ou deixar de competir e mudar a rotina dos últimos 10 anos, que você conhece muito bem. Ele vai estudar na University of Utah, mas ainda não tem os tempos para nadar pela escola, D1 na NCAA (malditos 43s nos 100yd free). Entre aceitar um convite e ser recrutado por uma escola D2/D3 ou estudar engenharia e não competir em uma D1, ele optou por estudar engenharia.
Independentemente do futuro dele na natação, você colocou muito bem, o caráter, a determinação, o foco e outras qualidades ja foram desenvolvidas ao longo de tantos anos de trabalho duro e superações de tantos desafios e recuperações de tantas derrotas.
Sou pai de um nadador e sempre serei muito grato por tudo o que a natação proporcionou ao meu filho, e ainda proporcionará, dentro e fora da água !
Claudio, tentando ajudar aqui! O seu filho, se optar, pode nadar pela universidade D1. Ele pode não receber bolsa, mas a universidade não pode proibi-lo de treinar e competir com a equipe. Outra coisa é que as universidades americanas são bastante flexíveis para conciliar o esporte e o estudo. Eu mesmo fiz universidade D1 (Arizona State University) e fiz engenharia, sempre treinando e competindo.
abs
Muito obrigado, Lelo,
Acho que é isso exatmente o que ele vai tentar fazer. Continuará treinando como “walk-on” com o time da faculdade. A outra opção é entrar para a equipe de polo aquático, que ele também gosta muito.
Forte abraço,
Claudio
Boa Claudio, boa sorte para o Henrique, a base já está dada.
Boa Renato! Concordo com quase tudo, mas talvez escrevesse diferente o item 1. A nossa vida pós-natação competitiva tem caminhos bem diferentes. E não estou dizendo eu e você, estou falando de todo mundo. Tem gente que virou empresário, tem gente que ficou rico, tem gente que passa dificuldades financeiras. Falo apenas por mim, mas acredito que muita gente está no mesmo barco. Eu praticamente vivi no mercado corporativo após a natação. Não fiquei rico, mas também não posso reclamar da condição financeira, mas o stress do mundo corporativo não é menor do que aquele que senti antes de nadar uma final de Mundial, com a responsabilidade de nadar peito no revezamento, estilo mais fraco entre os outros três. Não é menor do que senti quando nadei a final dos 200m Peito no Julio Delamare de 1989, com o peso do mundo nas minhas costas, precisando ganhar pra pegar seleção brasileira. Não é menor que as inúmeras finais de TB e Finkel. Não é menor, mas é diferente! O sentimento físico antes das finais eu nunca mais tive no mesmo nível. Eu, por exemplo, tinha um formigamento no maxilar antes de nadar finais. Bizarro, mas era o que eu sentia! Já o stress psicológico no mundo corporativo é 100 vezes pior. Nada na natação se compara a angústia da noite anterior a você ter que demitir pela manhã 50% da sua equipe, por questões de orçamento x resultados, sabendo que muitos ali sustentavam famílias que não tinham reservas financeiras. É um tipo diferente de pressão, de stress, mas a pressão da natação é mais “gostosa”, mais controlável, porque no fundo você sabe que só depende de você. O stress do mundo corporativo é menos físico, mais psicológico e talvez bem mais cruel muitas vezes.
Do resto assino embaixo. O que mais ficou pra mim daquela época é a sensação de que pouca coisa me abala, mesmo nesse mundo corporativo meio cut-throat. Situações que outros executivos se desesperam, eu aparentemente levo com mais tranquilidade. É um pouco da coragem que o nadador tem que ter, de enfrentar desafios. Eu só consigo trabalhar com desafio. Sem eles, o trabalho fica monótono e não me interessa!
Isso e obviamente as histórias “fora das piscinas” com os amigos que ficarão pra vida toda. A maioria ficou rico, talvez ajudado por tudo isso que a natação deixa na gente. Eu não! Continuo na labuta, ralando, como na época dos treinos!
Pois é Lelo, na minha história profissional eu nunca mais senti nada parecido. Em alguns momentos antes de palestras para desconhecidos em outras línguas, na defesa de tese de doutorado ou em reuniões tensas com ministros de estado eu até senti sensações que lembravam aquelas na baliza, mas sinceramente, em intensidades muito menores.
E posso atestar que em praticamente todas as provas em que me senti com o peso do mundo nos ombros, o sr estava ali, do lado, muito mais nervoso do que eu!
Detalhes aqui: https://epichurus.com/2013/06/27/o-renato-tirou-segundo-pelo-menos/
“E posso atestar que em praticamente todas as provas em que me senti com o peso do mundo nos ombros, o sr estava ali, do lado, muito mais nervoso do que eu!”
É verdade, eu sempre estava mais nervoso que o senhor, afinal eu disputava ouro e vossa excelência brigava pra ficar em 7o, o que diminui a responsabilidade nas finais! kkkkkkk
O Luiz Lima no “aprendendo a perder” é muito bom ! Até hoje ele fala no sujeito que
Ganhou dele nesse dia aí ! Foi a primeira derrota da vida
Sim, essa foto é antológica!
Muto bem escolhido o tema. Há um hiato mal trabalhado na transição entre a vida esportiva e a vida profissional. Há estudos científicos, palestras motivacionais, etc, mas não há, ao que me parece, um rede de apoio efetiva que envolva clubes, pais, atletas, psicólogos, nutricionistas, profissionais do mercado, etc, ou seja, o que era um esforço conjunto para o sucesso atlético se dissolve de um dia para o outro revelando o isolamento do atleta e de sua família na condução da transição. O que admiro em seu texto, e comentários dos colegas, Renato, é que o abismo que se abre na frente dos atletas iniciantes na vida profissional pós esporte merece ser preenchido com os VALORES, esses sim eternos e sólidos, que irão conduzir qualquer escolha acadêmica ou profissional dai em diante.
ÉTICA, COMPROMISSO, DEDICAÇÃO, HUMILDADE E TRABALHO, muito trabalho, são os valores que apreendemos e que sustentam as qualidades indicadas nos seu texto, sem falar que a amizade sólida se transforma, no jargão dos escritórios, em networking da melhor qualidade.
Quem carrega tais valores, como os nadadores, atravessa o abismo e mantem em curva ascendente seu crescimento pessoal.
Grande abraço
Boa Cristiano, vamos acrescentar TOP 8: agregado de VALORES que ficam para a vida toda.
Concordo! Enquanto atleta, só se pensa na vida de atleta, como se ela fosse durar para sempre. Acho que no Brasil, especialmente, se esquece que a preparação para a vida é mais importante!
Meu amigo, muito show, parabéns Renato, texto excepcional e mais uma vez me deixa com os olhos fixados na leitura em busca de identificações com as situações descritas.
Confesso que desde aquele texto que vc me enviou no WhatsApp outro dia comecei a pensar o quanto a Gestão de carreiras de atletas deveria dar foco a esses ensinamentos após o término da carreira.
Da mesma forma que existe preocupações com a parte física, como o caso do destreinamento, deveriam dar ênfase tb aos legados do conhecimento que trazemos ao longo desses anos maravilhosos que é a nossa vida na natação.
Importa citar a forma com que vc se preocupou com todos os detalhes desse artigo e a foto da Joanna Maranhão no item coragem foi sensacional.
Sobre o último item, eu fiz questão de manter vivo o carinho com cada pessoa que convivi, como se fosse hoje e infelizmente muitas das vezes observei que não era recíproco o sentimento, mas aí não é problema meu, pois essa chama não pode apagar momentos maravilhosos que vivi.
Eu espero que as novas gerações possam entender esse sentimento e viver com muita intensidade cada minuto
Abração man
Boa, pegou bem a foto da Joanna.
Gestão de carreiras de atletas são bem mais fáceis para os PEBAS que já sabem que não vão viver disso para sempre ou para os ultra craques que poderão viver disso efetivamente. O difícil é a zona cinzenta daqueles que são bons o suficiente para viverem disso nos anos áureos, mas que não poderão viver disso depois de aposentar. É esses que inspiram maiores cuidados com o futuro.
Abraço Nery
Parabéns pelo levantamento de atributos conscienciais ou mentais, que por muitas vezes param batido pelos pais, professores e mesmo os atletas….
E hoje tão em voga a dimensão do Lifeskills e não a normose do lifekills de muitas outras áreas do convívio humano.
Obrigado André, grande abraço
Parabéns por mais este texto que servirá de referência para muita gente, pode apostar.
Outros atributos já foram comentados pelos demais. Gostei particularmente da do Cristiano, falando de Valores, algo em queda hoje em dia, no meu ponto de vista.
Outro dia comentaram comigo algo que não havia observado e pode até sair estranho para nosso esporte individual: autonomia. Alguém que tinha apenas a experiência do esporte coletivo, valorizou a independência dos pequenos nadadores em ir para o balizamento sozinhos, algo impensável sem o treinador nos coletivos. Certamente não colocaria como top 5, mas achei interessante este ponto e quis compartilhar.
Abraço e todos.
TOP 9: autonomia! Ótima essa, embora muitos técnicos tentem estragar isso aí. Particularmente o meu técnico (Pancho) trabalhava isso muito, desde pequeno.
Se vai virar referência eu não sei, mas a repercussão na nossa turma foi bem grande… abraço
Só li verdades!
Um abraço ao pessoal do site, conheço muitos aqui.
Obrigado pelo comentário, abraço Flávio.
Belo texto Cordani, e tem alguns que não acreditam que o esporte prepara o jovem/adolescente pra vida.
Texto compartilhado em todos nossos grupos de Natação.
👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏
Acho que está narrativa se encaixa bem a todos os esportes, ele nos prepara para a vida, o dia a dia, para assumir derrotas e perseverar para a vitória, todos são fortes e corajosos, por que os que nao alcançam e desistem no meio do caminho, e porque não houve comprometimento.
Com certeza Ana Maria, essa é bem específica para a natação, mas com pequenas adaptações serve para todos os esportes. No nado, por exemplo, podemos acrescentar um tópico só para a dança, a música e o ritmo!
Sou mãe de nadadores….sempre achei, desde a base, que se não se destacasse na natação, seriam bons profissionais. Hj tenho um filho que compete e uma filha jornalista. O que no meu ver os distingue é a responsabilidade e o comprometimento , qualidades no mundo corporativo muito valiosas….abçs
Obrigado Margarete, responsabilidade e comprometimento a natação ensina demais!
Ótimo tópico, muito bem abordado como sempre! Concordo 100% com o enorme valor dessas (e de outras) lições aprendidas na natação. Temo que com o profissionalismo, os atletas (e pais de atletas) de hoje estejam se descuidando muito mais da parte pós-natação e tomando decisões erradas. Olhando isso tudo do meu ponto de vista (ex-nadador de elite no Brasil), me parece que todo o eco-sistema profissional e econômico que cerca o nadador de elite de hoje acaba passando informações erradas para atletas e pais.
Especificamente, se fala pouco da vida pós atleta e as opções são mal avaliadas. Eu NUNCA recomendaria um atleta (e/ou filho) a tomar uma decisão que que atrapalhasse significativamente os estudos, o que parece comum no Brasil (e não nos EUA, onde vivo).
Parabéns pelo excelente artigo!
Obrigado Chicão, realmente muito poucos podem viver do que ganharam nadando ou da imagem. Creio que já há muitos técnicos hoje em dia mesmo no Brasil que preparam sim o atleta para o futuro pós piscina. São os bons exemplos, que devem ser seguidos por todos.
Adoro ler seu blog, me ajuda muito com meus filhos 😘😘
Muito obrigado Vivian, e bons treinos aos seus filhos!