Estamos a menos de um ano dos Jogos Olímpicos de Tókio, e é hora de avaliar o programa que a natação brasileira tem praticado. O objetivo aqui não é comparar o Brasil com os outros países e analisar quantas medalhas ganhamos, mas sim determinar se estamos atingindo os nossos melhores tempos nas principais competições.
Durante o Finkel de 2017 no UNISANTA, o Conselho Técnico de Alto rendimento da CBDA estipulou que em 2018, 2019 e 2020 o Brasil faria uma seletiva única para as principais competições de cada ano (respectivamente PANPACS, Mundial de Longa e Jogos Olímpicos). A seletiva ocorreria entre 14 e 15 semanas antes da principal competição, para dar tempo de os técnicos programarem mais um ciclo completo de treinamento para os nadadores convocados executarem após a seletiva. Nesse ciclo final, os selecionados ainda fariam algumas competições na Europa (Sette Coli, Aberto da França, Mare Nostrum, etc).
Para o presente post, tabelei todos os resultados dos brasileiros no Mundial de Gwangju que terminou ontem, comparando com o tempo feito na seletiva (Troféu Brasil) e também com o melhor tempo da vida de cada um. A comparação foi “camarada”, ou seja, comparei sempre com o melhor tempo obtido em Gwangju. Por exemplo, do Guido peguei o tempo que ele fez nas eliminatórias, do Chierighini peguei o da semifinal, e do Fratus peguei o da final.
A tabela se encontra a seguir:
Analisando os tempos de Gwangju x tempos seletiva, notamos que 15 tempos foram piores do que os obtidos na seletiva, e 8 foram melhores. Ou seja, a maioria PIOROU o tempo feito na seletiva nacional do TB, mesmo se escolhermos o melhor tempo do mundial.
E se analisarmos o melhor da vida de cada um, o desempenho nas provas olímpicas nesse mundial é pior ainda: 21 pioras, e apenas 2 melhoras de tempo. É isso mesmo, leitor: em apenas 2 das 23 provas o nadador melhorou o tempo em uma das etapas.
Ou seja, nossos nadadores certamente não atingiram nesse mundial o máximo que cada um pode dar.
“Mas Cordani, nos outros países todo mundo melhora no Mundial?”
É claro que não, mas os melhores países, EUA à frente, melhoram bem mais do que isso. Não fiz a comparação da performance americana para esse mundial, mas para os Jogos Olímpicos de 2016, um levantamento da Bestswim mostrou que 66% dos atletas melhorou o tempo da seletiva, e mais que isso, eles melhoram NAS FINAIS. 72% deles melhoraram o tempo na final.
Já nossos nadadores não só não melhoraram seus tempos, como também não conseguiram melhorar dentro da competição nas finais. Das cinco finais do mundial em provas olímpicas que o Brasil obteve, apenas em uma delas (Bruno Fratus) o melhor tempo foi o da final. Os outros quatro (Chierighini, Breno, Leo de Deus e Guido) pioraram na final.
Não tenho respostas, mas gostaria de deixar para reflexão três perguntas:
Esse problema não é novo: desde o fim dos trajes tecnológicos (2009) que os nadadores brasileiros não têm acertado a mão nas principais competições. Temos aqui análises similares da Bestswim feitas para Londres 2012 e Rio 2016.
Se conseguirmos resolver esse problema e aumentarmos a porcentagem de melhoras nas principais competições, sobretudo nas finais, nosso desempenho poderia ser bem melhor, com esse mesmo material humano que temos, que é muito bom.
Está faltando acertar o dia…
Penso que o maior problema é o número reduzido de competições em território nacional, resultando em nadadores não acostumados com a pressão de fazer o resultado na hora certa. Além disso, o formato das competições mais importantes do país – Troféu Brasil e Open – com praticamente uma semana, acaba sendo muito custoso para os clubes, cansativo para os atletas, pouca divulgação, não atrair muitos patrocinadores e sem apelo midiático. Prova disso é a SporTV não transmitir mais essas competições, logo, se nem um canal fechado de esporte tem interesse,ou melhor, resposta à baixa audiência, imagina a TV aberta. Assim, acaba sobrando para a TV CBDA transmitir as competições para um público restrito: pais/familiares de atletas, e a comunidade aquática em geral. Diante disso, precisamos reinventar as competições baseado na experiência americana de eventos atrativos para patrocinadores, mídia massiva e o grande público.
Seus pontos estão corretíssimos, Rafael, mas nenhum deles explica a razão de os nadadores piorarem o seu próprio tempo no mundial.
Ótimo post, Cordani. Talvez a resposta não esteja em um único fator mas em vários. Um deles, que tenho muita convicção, é que o nadador brasileiro que participa dessas competições historicamente não precisa se esforçar muito para ir à final em competições locais. Ele ou ela acaba se acostumando a nadar forte só uma vez por prova. Esse não é o caso nos EUA onde as provas são mais competitivas. Em termos técnicos, há mais dispersão de resultados no Brasil do que nos EUA, o que facilita acesso à final dos melhores. O atleta brasileiro é menos acostumado a competir em eliminatórias, semis e finais nadando forte.
Perfeito Chicão. Seu ponto é uma boa explicação para as pioras na final. Mas veja você que aqueles que tem chances reais de medalha (Fratus e as provas de 50m estilos) a turma consegue sim melhorar na final. Ou seja, a meu ver é um caso de que os que tem chance de medalha acabam podendo segurar antes, e melhoram depois. No nível que estamos nas provas olímpicas, é preciso dar 100% na semifinal, e aí é difícil melhorar na final.
Bom ponto!
Excelente o ponto do Chico aí em cima. Eu nunca tinha pensado nisso, mas faz bastante sentido. Outra coisa que me incomoda é o fato de que nossos nadadores bem veteranos são os que nadaram bem. A “nova” geração foi muito mal! Não acho que é a pressão, e também não tenho respostas, mas atacaria 3 pontos:
A) Seletiva igual a americana. Não sei porque não copiamos os caras que dominam o esporte a décadas.
B) Precisamos de um treinamento que propicie nossos atletas a nadarem bem eliminatórias, semi-finais e finais, e de preferência que melhorem em cada uma dessas etapas. Esse ponto não tem a ver com a data da seletiva. Pode ter bastante a ver com o ponto do Chico. Beira o ridículo um nadador falar que cansou numa prova de 50L porque ficou cansado do revezamento 4×100 dois dias antes.
C) Continuamos focando nas provas não-olímpicas. Até nas águas abertas isso tem acontecido. Se eu fosse a CBDA tiraria provas não olímpicas de qualquer programa nacional!
Realmente a descupa de estar cansado para os 50L porque nadou o 4x100L dois dias antes foi absurda.Cômica.
Cocordo tambem com problema com o foco em provas nao olimpicas.
Vamos lá:
A) boa, mas veja que isso só pode ser feito agora, que temos seletiva única. Antigamente eram várias e não dava nem para pensar nisso.
B) sim, seria legal treinar isso. Mas será que os outros treinam? Esse é um treinamento difícil de operacionalizar. Veja que não tem sentido fazer semifinal em um TB. E se tivesse, o Leo de Deus poderia soltar na eliminatória, não adiantando nada para o propósito requerido.
C) a CBDA avançou nesse aspecto, mas essa geração já está de certa forma acostumada com essas provas e não vai mudar. A retirada das provas de 50 dos brasileiros infantis / juvenis / Jrs, e a troca dos revezamentos de 50 pelo 4×200 nessas categorias foi um passo importante, mas que demorará um pouco a dar frutos.
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Olá Pessoal. Vou dar uma opinião mais fisiológica e metodológica. Os técnicos americanos usam uma sistematização de periodização de treino baseada em ciclos menores e readequação de estímulo e carga ( periodização polarizada), sendo esta a razão das seletivas Americanas serem próximas das competições. E como destacado na matéria trás grandes resultados e facilita a readequação do ciclo em menores espaços de tempo. Abraço a todos.
Obrigado pela info, Masca.
Acho que nossos nadadores já sabem até onde podem chegar em uma competição dessas com 3 tiros para cada prova.
Muitos tem que “dar tudo” prá passar pela eliminatória, e sabe que não vai ser capaz chegar além disso. Então já entra desmotivado para o ato seguinte, pois sabe que já atingiu seu limite.
A maioria dos Americanos, Australianos, Chineses, Russos, por terem uma seletiva muito mais disputada que a nossa, chegam na competição encarando as eliminatórias com mais facilidade, e não precisam “gastar tudo” nessa fase. E na fase seguinte, na semi, aí sim vão ter que fazer força, e acabam melhorando em relação às eliminatórias.
Alguns outros, como Dressel e Katinka, podem se dar ao luxo de “economizar” até na semifinal.
E aí vai o jogo da estratégia. Por exemplo, o RM dos 100 borbo que foi batido na semi, porque a final seria depois da prova de 50 livre, e ficaria mais difícil.
Ou o RM dos 100 peito, que era para ter caído novamente na final, mas o Peaty teve uma performance “shit happens”.
Agora imaginem se o Dressel sofresse do mesmo cansaço que o Fratus sofre…. seria só um nadador comum.
Obrigado Aecio, seu comentário toca apenas no ponto de não melhorar das eliminatórias para a semi e depois para a final, e está corretíssimo nesse ponto. Mas não explica porque a maioria estava bem pior do que na seletiva…