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Natação e cia.

O Olimpo e a Psiquê – Versão 2012

Nestes XXX Jogos Olímpicos da Era Moderna, como era de se esperar, vimos lindas imagens de vitória e superação. Mas che catzo foram esses vários casos de aparente descontrole emocional e descompostura?! Não estou falando apenas de certos comentaristas esportivos brigando “ao vivo”, mas também de atletas que após algum desapontamento atlético, “desabafaram” sem jeito, ora mostrando simplesmente falta de postura desportiva, ora simples má educação ou até mesmo declarando a própria amarelada. Assim como o povo, acho isso chato, especialmente quando vindo da nata atlética deste planeta, o que me fez refletir sobre o assunto… Será que a culpa é nossa?

Estamos dando uma de Zeus?

Fizemos algo errado colocando tanta responsabilidade nos atletas atuais? Será que esportistas e audiência podem aprender algo com a história olímpica? Será que técnicos e parentes podem fazer algo para ajudar os atletas olímpicos na derrota e na vitória? Psicologia aplicada ajudaria? Algumas discussões entre os PEBAs e algum viés filosófico influenciaram o que vem a seguir.

Um pouco de história, começando na Grécia antiga: Estima-se que de 776 a.C. até 394 d.C. as Cidades Estado gregas competiam entre si em provas atléticas homenageando Zeus. Os eventos aconteciam de quatro em quatro anos, sempre na localidade de Olímpia, no Peloponeso. Só homens livres que falassem grego eram autorizados a treinar e competir nos jogos. Para que os atletas das diversas localidades de influência grega pudessem chegar aos jogos, uma trégua era declarada e o evento se tornava um acontecimento importante para a sociedade: Guerras eram paradas, disputas legais adiadas e até a pena de morte era suspensa. Os políticos aproveitavam que Olímpia se tornava território neutro e impenetrável para fazer acordos e alianças, inaugurar templos, estádios e desvelar obras de arte. Atletas eram negociados como parte das disputas geopolíticas da época e só podemos imaginar que muitas apostas, torcidas e rivalidades apimentavam toda disputa. Ah, todo mundo competia pelado (gymnos) em tributo aos deuses e para motivar a apreciação do corpo humano. No fim, tudo isso ajudava na divulgação da cultura helenística e na expansão do domínio grego, especialmente até a anexação romana em 146 a.C.

Apesar da importância política dos Jogos como instrumento de divulgação ser semelhante aos dias de hoje, qualquer um vê que os Jogos Olímpicos da era moderna são bem diferentes na maioria dos outros aspectos. Ou não? Bem… Uma coisa não mudou muito: A motivação dos seres humanos competindo pela vitória. Acho que quanto maior a motivação, maior a pressão psicológica que acaba sendo gerada. Os atletas da antiguidade competiam pela glória esportiva e esperavam que seus nomes se tornassem lendários e repercutissem na eternidade. Assim como hoje, os gregos antigos investiam em atletas e neles depositavam suas expectativas e frequentemente suas cobranças e frustrações. O atleta vencedor (interessantemente, só o primeiro colocado) levava não apenas uma coroa de ramos de oliveira do templo de Zeus em Olímpia, mas frequentemente encontrava no seu retorno ao lar, uma fortuna em Dracmas, azeite ou ouro.

Não sei se havia doping na época, mas um competidor também podia cair em desgraça e se desonrar. Há o caso de um campeão de corrida de longa distância chamado Sotades, que acabou banido de Creta, pois aceitou um suborno dos Efésios para “mudar de cidade” nos jogos seguintes. Isso devia ser bem ruim, já que “banido” geralmente significava perder tudo na vida e nunca mais poder ver sua família. Nas modalidades de lutas, com o decorrer do tempo os enfrentamentos foram se tornando mais violentos e a bordoada corria solta, sem muitas regras ou intervalos. A luta só parava no caso de desistência ou morte de um dos oponentes. Note que matar um adversário numa final não era algo desejável (o morto era declarado vencedor da prova), mas obviamente essas lutas pareciam um negócio muito sério.

Com isso, só posso especular o tipo de pressão psicológica que esses atletas da antiguidade enfrentavam… Não devia ser fácil… Em oposição à eternização de seu nome, estava pobreza, banimento, ostracismo, desmembramento, invalidez, morte, etc. Nada desprezível. Mas esse era o preço a ser pago para se aproximar dos deuses do Olimpo. Só posso imaginar que forte sofrimento psicológico nos praticantes de esporte na antiguidade não era bolinho… Se bem que as críticas da imprensa, perda de patrocínios, ser ridicularizado em redes sociais e blogs hoje em dia não devem ser muito fáceis para nenhum atleta olímpico de hoje.  Quando as recompensas são altas, em geral o risco é maior.

E como os atletas da antiguidade lidavam com isso? Não sei ao certo, mas creio que o pensamento e a filosofia – que floresceu naquela época e região podem oferecer algumas pistas. Primeiramente, devemos notar que as Olimpíadas antigas tiveram uma origem religiosa, não apenas esportiva. Com isso, acho que é seguro assumir que superstições, tradições sem base científica e crenças na “sorte” eram algo comum na antiguidade. O atleta da Grécia antiga, depois de se classificar, ia para o templo de Olímpia e primeiro rezava para Zeus (jurando ter treinado por pelo menos 10 meses). Depois, competia pela honra dos Deuses e de sua cidade e, no fim, agradecia estes pelos “louros” (ou ouro) da vitória. Mas pensando bem, apesar das origens diferentes, quando vemos as mandingas, pedidos de proteção, superstições e agradecimentos divinos (no pré e pós prova) de atletas de hoje em dia, podemos concluir que muito da superstição antiga dividida pelos participantes ainda persista… mas sigamos.

Os atletas da Grécia antiga eram parte da elite, não apenas porque os cidadãos gregos competindo provinham da minoria de “homens livres”, mas também porque recebiam uma educação formal e treinamento intenso. Aparentemente, o atleta de ponta sempre teve de se privar dos prazeres “mundanos” – aumentando ainda mais a sensação de sacrifício auto imposto – tão comum também nos atletas de hoje. Acho que os efeitos das expectativas, junto com as privações, tinham efeito nos atletas de antigamente similar ao que vemos hoje. É difícil saber detalhes de como encaravam a derrota, já que a história é sempre centrada no vencedor, mas podemos imaginar que não gostavam muito de perder. Sabemos até de um atleta que preferiu a morte honrosa à derrota e de outro que ficou doido e derrubou uma escola depois de uma desclassificação Olímpica. Acho que esse último exemplo meio que define desequilíbrio mental… Imagina a declaração dos perdedores das lutas? Meu ponto é: Antigamente, assim como hoje em dia, ser atleta não imuniza ninguém de ansiedades e angústias humanas – na verdade imagino que a repetição exaustiva de certos movimentos e pancadas na cabeça podem até acentuar certas neuroses.  Para não dar vexame sob pressão, os atletas da Grécia antiga seguiam exemplos de virtude, sendo que o herói mitológico Hércules era o principal deles. Disciplina e auto controle eram não só estimulados, mas também faziam competições em torno disso, objetivando treinar os atletas para não apenas a vitória, mas para a vida pública, que sem dúvida se tornaria mais pública depois de uma vitória Olímpica.  Praticamente toda a elite grega se exercitava e muitos atletas famosos se tornaram líderes e políticos influentes. Também, pudera… Alguns dos mestres no Gimnasium podiam ser filósofos, como por exemplo, Sócrates, que costumava ajudar no treinamento de alguns lutadores em seu tempo.  Hoje em dia, nosso sistema de ensino público, aliado a origem humilde de muitos atletas e a pobreza do ambiente intelectual ao redor dos atletas, acaba deixando muitos atletas sem exemplos claros de comportamento.  No fim, acho que os atletas modernos, principalmente no Brasil, podem não ser tão afortunados no que diz respeito a sua educação extra esportiva, mesmo que recebam uma bela “Bolsa Atleta”. Minha conclusão final é que as reações desengonçadas e adversas à derrota não deviam espantar ou surpreender ninguém, até porque são reações naturais de quem não é treinado para perder. E “treinar para perder” também pode gerar situações esquisitas, como vimos no caso da Fabiana Murer, que ficou tranquilíssima com o “não salto” desta vez, talvez indicando que seu foco devia estar no sucesso na Liga Diamante e não na Olimpíada de Londres.

Apaixonados pela infiel amante, a vitória?

Finalmente, em minha opinião, não vai adiantar colocar um psicólogo pendurado em cada atleta. No mito do Cupido (Eros), ele tem uma paixão complexa com a bela Psiquê, mortal que despertou inveja até entre as Deusas…  Em grego, o termo Psiquê está ligado semanticamente com o sopro que insufla a vida ou “alma”, algo que anima a humanidade. No caso dos atletas olímpicos (que são MUITO bons no que fazem) o que deve animá-los é a perspectiva de chegar no topo. Todas ou quase todas chances de alcançar a felicidade estão investidas as vezes em alguns poucos segundos numa arena esportiva. E como atletas de alto nível são muito exigentes consigo mesmos, imagino que isso possa levar a uma auto cobrança violenta e uma chance aumentada de crises e descontrole – em especial se os resultados esperados não chegarem. Paradoxalmente, se a mente do atleta não estiver bem preparada, o peso dessa perspectiva de imortalidade com o sucesso, que estimula alguns atletas, pode ser insuportável para outros em momentos críticos. Ou seja, aquilo que motiva o atleta pode ser a razão da sua “ruína” atlética. E por mais que trabalhem no psicológico, uma coisa não tem jeito… O atleta tem que estar bem e competir bem na hora certa e ainda “torcer” para seus concorrentes não estarem melhores. A mente é um instrumento maleável que pode ser melhorado infinitamente, mas não há garantias de vitória, pois o caminho para chegar perto dos deuses do Olimpo é complicado demais. E talvez seja pedir demais que nós, meros mortais, entendamos isso e reajamos adequadamente. Provavelmente vamos continuar criticando os deuses.

Sobre Rodrigo M. Munhoz

Abrace o Caos... http://abraceocaosdesp.wordpress.com

15 comentários em “O Olimpo e a Psiquê – Versão 2012

  1. rcordani
    18 de agosto de 2012

    Legal Munhoz. O fato de que (como você diz no post) que a história é escrita pelos vencedores aumenta a percepção de fracasso, pois ninguém vê os buzilhões de atletas que tentaram chegar lá mas não conseguiram sequer competir nos Jogos!

  2. rmmunhoz
    18 de agosto de 2012

    Pois é, Renato… não é que a história é cruel com os “perdedores” … é que a história simplesmente ignora a maioria. O ambiente no cume do Olimpo esportivo é muito rarefeito enquanto a verdadeira amostra da humanidade está mais “abaixo”. Abraços!

  3. Anônimo
    18 de agosto de 2012

    Bom post. A escalada ao MT. Olimpo deveria ser regada à sabedoria. E talvez seja, mas não acaba nas olimpíadas da forma que percebemos…
    Unhééé

    • rmmunhoz
      19 de agosto de 2012

      Unhéé pra você também, Anônimo. Concordo que alguns “cumes” olímpicos parecem realmente melancólicos comparados com outras conquistas humanas – não apenas no campo esportivo. Quem sabe não melhoramos isso com a ajuda dos nossos filhos? Abraços!

  4. Lelo Menezes
    18 de agosto de 2012

    Muito bom o texto Munhoz! Você sabe que ao visitar Pompei ao Sul de Roma tive uma míni revelação. Além de achar um dos lugares mais sensacionais da Itália, voltei dirigindo pra Roma “filosofando” comigo mesmo – “Caramba, o ser humano não mudou nada nos últimos 2.000 anos!”. Tirando a tecnologia que nunca para de evoluir, o que sao 2.000 anos no desenvolvimento de uma espécie? Pra mim pelo menos parece bem sensata a idéia que os antigos atletas gregos foram muito parecidos com os atletas atuais.
    Quanto as pessimas desculpas, chiliques e lamentações que ouvimos em Londres acredito que tenham muito a ver com a personalidade de cada um, embora em muitos casos fica claro que o atleta precisa de um acompanhamento psicológico maior. A derrota não esperada de um atleta é sempre difícil. Alguns como o Federer conseguem ver naquilo um aprendizado, enaltecem o vencedor e entendem que aquela prata foi o máximo que conseguiram conquistar naquele momento. Outros tem mais dificuldade de agir com tal nobreza. Acho importante frisar que esse comportamento negativo não é exclusividade brasileira como muitos as vezes sugerem. Li reportagem outro dia sobre um chilique publico de uma atleta americana da ginastica olímpica que se desesperou com a prata. A expectativa é tudo pra um atleta. Um bronze pode ser comemorado como o maior feito da história ou causar depressão aguda, dependendo da expectativa de cada um. Inclusive pode explicar o desempenho e desculpa pífia da Murer. Fiquei sabendo que os últimos dois anos foram difíceis pra ela devido a quantidade de lesões que teve. De repente chegou a Londres sem nenhuma expectativa de ir bem. Só “esqueceu” de contar pra gente!

    • rmmunhoz
      19 de agosto de 2012

      Boa, Lelo, valeu. As viagens de qualquer tipo podem enriquecer a gente. Reforço que acho que as reações à derrota são “normais” – no sentido de serem humanas. Já elegância, nobreza, consciência completa tem que ser desenvida com sabedoria, como falaram acima. Bom ponto sobre expectativas também…Me lembro da equação “Percepção Relativa = Realidade -Expectativa” ou algo assim… funciona bem.
      Abraço!

  5. Rafael D Alessandro Pires
    18 de agosto de 2012

    Grande Munhoz, parabéns pelo excelente blog.
    Não pude deixar de notar a relação com a “jornada do herói”, utilizada hoje nas mais diversas áreas como cinema, games, psicologia, administração, coaching e etc… que me levantou o questionamento de o quanto precisamos de Heróis para nos inspirarmos e o quanto os Heróis dependem de nós para os inspirarmos? Será que os Heróis perdem a pureza de seu sonho pela divulgação em massa, da profissionalização de sua imagem e etc…? Será que os Heróis realmente precisam trilhar uma jornada tortuosa de dores e abdicações?

    Abraços.

    • rmmunhoz
      19 de agosto de 2012

      Oi Rafael! Acho que a humanidade quer heróis, Não sei se “precisa” deles, mas acho que eles vão continuar sendo itens em demanda por um bom tempo. E de acordo com o roteiro básico, não tem herói sem sofrimento. … ou não? Quanto a pureza… eu questino um pouco se ela chegou a existir além de um ideal utópico no que tange os esportes. Acho que isso daria outro post… Quem sabe em 2016? 🙂 Abraços!

  6. Edmundo Arthur Foschini
    19 de agosto de 2012

    Parabéns Munhoz e Renato pelo conteúdo deste Blog. Ele conseguiu focar, no momento oportuno;
    “a realidade do esporte nacional ” . Esperamos que atletas, dirigentes, profissionais da área, etc, o
    tenham acompanhado ao longo desses meses ,para que possam refletir e acharem soluções para os
    vários problemas existentes na estrutura do esporte no Brasil.

    • rmmunhoz
      19 de agosto de 2012

      Obrigado, Edmundo! Estamos felizes com a repercussão do blog e as discussões geradas. Agora que este ciclo olímpico passou continuaremos a escrever sobre assuntos diversos, mas retornaremos a um ritmo mais “leve”. Espero te ver por aqui. Abraços!

  7. Pingback: O país do futebol e suas implicações | Epichurus

  8. Julian Romero
    21 de agosto de 2012

    Pessoal, é um comentário genérico que não faz parte do assunto, porque queria deixar registrado aqui a minha extrema satisfação de encontrar textos realmente interessantes, analíticos e com diversas ramificações político-sociais! Munhoz, Lelo e Cordani, apenas para citar os mais ativos do blog, meus parabéns de coração por ceder um tempo razoável construindo uma discussão de alto nível na natação!

    • Rodrigo Munhoz
      21 de agosto de 2012

      Valeu, Julian! Tem sido um prazer! Os comentários e críticas ajudam a estimular a discussão, então “keep them coming”. E por favor, mantenha a gente informado sobre sua vida aí no Canadá – diferenças, aprendizados e comparações sempre são bem vindas! Abração!

    • Lelo Menezes
      21 de agosto de 2012

      Valeu Julian! Com certeza ta sendo uma experiência nova e interessante!
      Abraços

  9. Pingback: Retrospectiva de um ano de Epichurus | Epichurus

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Publicado em 18 de agosto de 2012 por em Epicuro, Olimpíadas.
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