HISTÓRIAS DO TROFÉU JOSÉ FINKEL DE JULHO DE 1986
Já publiquei um texto sob o mesmo título quando escrevia para o site ativo.com. A história principal desse post é a mesma – excelente – e preciso registrá-la no Epichurus, mas como o objetivo é falar da competição como um todo, o texto vem enriquecido de várias outras passagens.
HOSPEDADOS NO ECP
Nessa época os campeonatos brasileiros eram todos disputados em 4 dias, de 5ª feira ao domingo, com eliminatórias de manhã e finais a tarde. Chegamos a São Paulo na véspera e ficamos no ótimo alojamento que havia dois níveis acima da piscina olímpica coberta. Meninos para um lado, meninas para o outro, e vigilância 24h no meio do corredor.
Levamos mantimentos para preparar o café da manhã no quarto coletivo, mas ficava tudo sob responsabilidade das meninas e eu tinha a missão matinal de ir até a posição do segurança aguardar o leite e demais alimentos. O cara era muito bacana e ali pelo terceiro dia, quando eu apontava no corredor vazio, já anunciava: “lá vem o bezerro desmamado!” – em função tão tediosa, ele não podia perder as oportunidades de bater papo e conversamos muitas outras oportunidades em que me hospedei por lá.
Em 1991 quando fui conversar com o Alberto Klar sobre o convite para ir nadar pelo Pinheiros, ao chegar na área da piscina, encontrei o segurança em outra função na entrada do Parque Aquático, ele bateu o olho em mim e sem titubear anunciou: “É ele! O bezerrinho…”, foi muito legal.
Volta para 86. Para almoço e jantar caminhávamos até o vizinho Shopping Iguatemi e entre poucas variações, preferíamos as massas, ou melhor, a lasanha do Restaurante Viena.
No quarto não tinha televisão. No pequeno som, alternávamos as fitas cassete com predominância para o Pop Rock nacional que despontava na nossa geração. A equipe era muito unida, todos amigos e nós gostávamos mesmo, era de conversar sobre natação.
Tite Clausi lançou a ideia, tomou o programa de provas na véspera do início da competição e rapidamente organizou uma planilha. Discutimos as regras e assim montamos o bolão dos medalhistas das provas do José Finkel. Cada um dava o palpite para ouro, prata e bronze. Aplicávamos o critério de pontuação e em 5 dias restritos a duas quadras da capital paulistana, vivíamos a natação de manhã, de tarde e de noite.
Não foi o único bolão que fizemos, mas em todos eles, o Renato Ramalho ficou em último na pontuação final. Torcia tanto pelos amigos que os colocava no pódio diante da mais remota possibilidade de medalha.
Na competição, a novidade do ingresso nas provas por índices, deixando de lado o limite de dois atletas por clube em cada prova, aumentando a competitividade e as possibilidades de participação de cada um de nós.
ÀS SUAS MARCAS
O resultado mais surpreendente para o Clube Curitibano: aos 14 anos, Isabele Vieira participou do seu primeiro Campeonato Brasileiro absoluto e logo na estreia venceu a prova de 100m livre com 59s39, quebrando o recorde de campeonato. Conquistou ainda duas pratas nos 50m e 200m livre e despontou junto com Cristiane Santos do Clube do Golfinho e Daniela Lavagnino da Gama Filho, todas da mesma idade e também recordistas nas provas de costas e borboleta, mas que já brilhavam desde o infantil, enquanto a chegada da Bele foi meteórica.
No masculino, Cristiano Michelena, com 15 anos conquistou seus primeiros títulos absolutos nos 800m e 400m livre, e protagonizou uma das suas muitas disputas nos 1500m com David Castro, sendo que nessa ficou com a prata.
MELHORANDO MAIS UM POUQUINHO
Nos 100m livre marquei 54s57, melhorei minha marca pessoal em 18 centésimos. Nos 200m livre, venci Final B como no Troféu Brasil anterior – fiz 1m58s31, melhorei meu tempo em 24 centésimos, fiz o 4º melhor tempo da Final A e me fortaleci frente ao objetivo de chegar o pódio no Julio de Lamare de dezembro.
200m ou 315m MEDLEY?
Terceiro dia de competição, nadei a prova, melhorei meu tempo e perdi por 20 centésimos do Fabrizio Perricone. Ele ficou em 8º e eu em 9º na eliminatória. Também venci essa Final B, e para mim, foi 200m medley.
O Clube Curitibano colocou 4 atletas na final A – euforia na equipe.
Newton Kaminski, meu ídolo, classificou-se na raia 1. Sentia mas não externava que teria dificuldades para defender o bicampeonato da prova, conquistado em 84 e 85.
Felipe Malburg, estava na raia 6 e era naquele momento o melhor rankeado entre os 8 finalistas. Havia conquistado o bronze no Troféu Brasil no mês de janeiro anterior e nesta prova, não estavam seus algozes Julio Rebollal e Marcus Mattioli.
Renato Ramalho estava na raia 5, em grande forma. Havia vencido os 400 medley na véspera.
E, Roberto Clausi Júnior, o Tite, que surpreendendo a todos classificou-se na raia 4, recebeu nesse dia de Reinaldo Souza Dias – então técnico do Golfinho, o apelido de “Rei da Eliminatória” pelas ótimas performances matinais que vinha alcançando e não repetindo a tarde desde o Troféu Brasil.
Ainda ofegante, posicionei-me para assistir a prova perto da corda dos 15 metros, atrás de um cercado de madeira que isolava a área da piscina.
Dada a saída, prevaleceu o equilíbrio no nado borboleta, o que era ótimo para nós, já que Kaminski e Malburg eram peitistas, Ramalho fundista e Tite estava com um ótimo final de prova.
Ocorre que durante o nado costas, percebi à minha frente, o juiz de partida tentando convencer o árbitro geral de algo e fazendo menção a soltar a corda dos 15 metros para interromper a prova na altura dos 85m. Fiquei tenso, mas ele não soltou a corda. Aliviado, voltei a me concentrar na disputa. Ramalho virou os 100 metros um pouco na frente, a torcida gritou um sonoro “UOU!” na primeira braçada de peito. No momento seguinte o árbitro soltou a corda de queimada e parou a prova aos 115m. Inacreditável!
A cordinha parou quase todos os atletas, que dentro d’água, tentavam entender o que estava acontecendo. Só que na altura da raia 1, devido a inclinação da corda, Kaminski não foi fisgado e continuou nadando. Cerca de duas braçadas depois deu a tradicional olhadinha pro lado, não viu ninguém e pensou: “É MINHA!” – e colocou ainda mais vigor nas braçadas. De repente, viu o atleta Giovani Cordeiro, que nadava no Fluminense, sair da torcida e pular na piscina em sua raia. Desesperado pensou: “sai filha da p…”, tentou se livrar da barreira e continuar nadando rumo ao ouro, mas não deu. Tentativa frustrada, levou alguns segundos para sintonizar e perceber o que estava acontecendo.
Inconformismo generalizado no Parque Aquático!
No alto falante, foi anunciado que o atleta do Vasco – Rubem Trilles Filho – movera-se antes da partida: 1ª saída falsa. Ninguém foi desclassificado, a 2ª saída foi marcada para dentro de 30 minutos.
Ramalho, sempre brincalhão e fundista, estava tranquilo, numa boa mesmo.
Malburg indignado. Kaminski, contando bravo, sua história engraçadíssima.
E o Tite – pobre Tite. Sintam o drama: faltavam para acabar a competição os 50 livre e os 4×100 livre, feminino e masculino. E para ele: 200 medley, 50 livre e 4×100 livre. Só que ele não conseguia parar de lamentar, comentando o quanto vinha bem na prova. E vinha mesmo.
Na 2ª largada, sem novos incidentes, Ramalho tirou de letra e ficou com o ouro. Prata para o pinheirense – Luis Osório Anchieta Neto e bronze para o flamenguista – Roberto Fiuza Neto.
Kaminski e Malburguinho não conseguiram boas marcas e ficaram em posições intermediárias.
E Tite? Fechou raia num crawl esgotado e o tempo 6s acima daquele marcado nas eliminatórias.
50 LIVRE
Enquanto Tite agarrava na raia, exausto depois do 200m medley, seus adversários entravam atrás dos blocos de partida para a final dos 50 livre. Saiu pela escadinha, passou a toalha no rosto e foi para o outro lado da piscina. Ainda ganhou de um e chegou em 7º .
Uma figura interessante nessa época era Luiz Fernando Queiroz, velocista de Londrina, que era sempre o único representante do Canadá Country Club e vinha exclusivamente para nadar os 50m livre. Ele venceu a prova e teve a honra de ter Cyro Delgado e Marcos Goldenstein ao seu lado nos degraus mais baixos do pódio.
FÊNIX
Sonhávamos com uma medalha nos 4x100m livre. Olhei e vi Tite deitado embaixo da arquibancada, com o braço sobre os olhos e ofegante. Leonardo Del Vescovo – nosso técnico, me consultou: “Será que coloco o Gustavão (Pinto, nosso 5o homem) no lugar do Tite?” – suspirei e soltei um irresponsável: “Acho que ele aguenta. Deixa o Tite”.
Abri ao lado do Luis Osório, nadei muito e marquei 53s8 no cronômetro manual do Léo. Entreguei em primeiro. Fiquei torcendo ofegante e quando virei para olhar, Tite já havia virado os 50m, seguia na frente com uma natação muito consistente, braçadas e pernadas vigorosas e segurou até o final – também fez 53s8, também entregou em primeiro respondendo heroicamente à confiança da equipe. Ramalho foi pressionado e Kaminski caiu um pouquinho na frente. Não foi possível resistir ao recordista brasileiro da época – Jorge Fernandes, do Flamengo, e ao velocista do Pinheiros, André Fiore. Quebramos o recorde paranaense e conquistamos o bronze inédito.
ÚLTIMO DIA E BALANÇO FINAL
Tite ainda conquistou a prata nos 100m borboleta, atrás de Raul Viana. E o bronze nos 4x100m medley com o mesmo quarteto do dia anterior.
As medalhas do Clube Curitibano:
ATLETA | OURO | PRATA | BRONZE |
Isabele Vieira | 100m livre | 50m livre e 200m livre | |
Marcia Resende | 200m peito | ||
Renato Ramalho | 200m medley e 400m medley | 200m costas | |
Felipe Malburg | 200m peito | ||
Tite Clausi | 100m borboleta | ||
4x100m livre feminino, 4x100m livre masculino e 4x100m medley masculino |
RESULTADOS DA COMPETIÇÃO
Confira os resultados da competição publicados na Revista Nadar, do acervo de Renato Cordani.
Espero que tenham gostado das histórias e conto com seus comentários.
Forte abraço,
Fernando Magalhães
Maga, chorei de rir com a parte do Kaká na raia um, vc se superou nesta. Os detalhes super bem relatados nos fazem visualizar o ocorrido. Parabéns
Ah, Newton era meu ídolo tb
Grande abraço, saudações aquáticas
É Luiz Carlos,
por pouco o carioca não levou um direto do Newtinho… rsrs
O risco foi bem alto.
Abraços e saudações aquáticas pra você também.
Eu não estava nesta competição Maga, havia me aposentado em Janeiro e confesso não conseguir imaginar o Newton, o cara é a paz em pessoa, kkkkk
Eu lembro bem desse Finkel (que não nadei por estar contundido), embora muitas passagens fiquem misturadas entre os anos de 1984, 1986, 1987 e 1988, os quatro finkeis do ECP.
E essa dos 200 medley eu lembro bem, é engraçado, a movimentação na arbitragem estava tão alta que acho que todo mundo estava olhando para o juiz (Fernando Soraggi) para ver qual seria a sua decisão, e não para a piscina. Eu lembro do momento que ele decidiu, passou a agitar os braços tipo “anula, anula”, e baixou ele mesmo a cordinha.
Uma coisa que diverge a minha memória da sua (mas provavelmente a sua está correta) é que na minha lembrança o Tite nadou os 50L antes do medley. Então ele saiu dos 50L (no qual nadou forte e pegou sétimo) saiu pela escadinha e foi para a raia 4 nadar o medley, no qual afundou. Eu lembro desta forma pois lembro de comentar com o Pancho que o Tite deveria ter soltado nos 50L (*) para se poupar para o medley, já que nos 50L pegaria sétimo ou oitavo e no medley estava na raia 4.
(*) a prática de soltar na final A para fazer os pontos de oitavo era típica na época e não causava desclassificação, o que passou a ocorrer em 1989.
Destaco os ouros paineirenses de Luciana Fleury (200M) e Adriana Ruggeri (100 e 200P). Pedi para a Luciana uma foto do pódium dela, ela ficou de arrumar para nós com o Don Gilberto.
Foi a última competição de gala da equipe feminina do Paineiras antes de desmontar, pois no final do ano (antes do TB) a Lu foi para o CAP e a Adriana foi para os EUA.
Quanto ao Castor, lembremos que o cidadão tinha 15 anos.
Caro Cordani,
vamos aguardar o Tite, mas pode ser que você esteja certo, ainda mais com a lembrança do comentário do Pancho. Enquanto escrevia minhas memórias ainda pensei… “como é que o Tite ainda conseguiu pegar 7o nesse 50m livre, depois de afundar nos 200m medley? E justifiquei para mim, com a rápida recuperação que teve para o reveza. Mas essa sequência, faz mais sentido. Inclusive, a decisão da organização de “jogar” os 200m medley para depois da última prova individual e antes dos revezamentos.
Eu não lembrava que o Soragi era o árbitro geral, boa lembrança.
E se a Lu encontrar a foto vai ser muito legal. Colocarei com prazer no post.
Sim, sim, impressionante Castor com 15 anos.
Abraços.
tbém tenho esta imagem: Tite largou na cabeceira oposta e chegou no momento em que os demais aguardavam atrás dos blocos. Aí sim, soltou nos 200 IM.
Valeu render a homenagem ao Giovanni Cordeiro, que deu um bonito salto para segurar o Tinho.
Excelente e engraçadíssimo o episódio. Claro exemplo do porque um árbitro precisa tomar decisões não apenas justas, mas também rápidas… o que não foi o caso nessa ocasião. Não nadei esse Finkel ainda, – tinha 14 anos – mas vários amigos nadaram, inclusive abiscoitando algumas medalhas importantes, além das já citadas: Granjeiro, Lu, Miriam, Piu… De Bauru, porém, acho que ninguém se deu bem nesta competição…
Boa Esmaga!
É Munhoz… o Trilles não iria chegar ao pódio, então, se estava em vantagem teórica, que a providência tivesse sido tomada logo após a partida e não com mais da metade da prova já nadada.
Nem todos os clubes iam ao Finkel na época, é provável que a turma de Bauru não tenha competido nessa.
Pode ser que náo tenham ido mesmo.. vou perguntar ao Sidao, o qual encontrarei pessoalmente no fds (depois de varios anos sem ve-lo) num churrasco da turma da Luso em Bauru!
Excelente texto como de costume. Esse Finkel foi meu 2o, mas foi o primeiro que peguei Índice, já que o do ano anterior, em Curitiba, fui para nadar o revezamento “B” do Paulistano no 4x100m Medley. Infelizmente não lembro da minha performance, se nadei alguma final B ou não. Lembro no entanto dessa prova de Medley, que foi emblemática na história da natação brasileira.
Valeu Lelo!
Dos 100m livre, também não lembro se fui final A ou B, só do tempo.
Agora, os 200m medley são inesquecíveis.
hoje a Tutu fez um capeleti a parisiense, que me lembrou do popularíssimo talharim a parisiense do Viena…
Duro olhar para aquelas ervilhas e imaginar 6 horas de digestão. Mas era sim, uma delícia.