EPICHURUS

Natação e cia.

E Quando a Natação Não Traz Saudades?

drowning

Conheci João quando eu tinha apenas 11 anos de idade. Me lembro como se fosse hoje.   Eu tinha mudado de clube e cheguei ansioso para o primeiro treino da temporada de 1983 e ao adentrar o recinto da piscina vi um faixa enorme agradecendo, em nome do clube, seus feitos no Campeonato Estadual. Ele estava sentado na arquibancada, cercado por uns 15-20 atletas que lhe bombardeavam de perguntas como se ele fosse uma celebridade em noite de autografo. Com o passar daquela temporada passei a conhecê-lo melhor e a admirar sua resolução. Seu talento parecia sem limites. Enquanto eu ainda torcia pro treino começar com uma partidinha de futebol, a vulga recreação, ele já tinha como objetivo o ouro do Julio Delamare e já falava em um dia nadar as Olimpíadas.

Pedro conheci dois anos depois, no congelado Finkel de 1985, em Curitiba. Também me lembro bem do nosso primeiro encontro. Eu tinha recém feito 14 anos e não havia conseguido o índice, mas fui nadar o revezamento “B” do 4x100m Medley. Ele foi apenas assistir a competição, junto com o pai, que era fanático por natação. Eu estava sentado na arquibancada enrolado num cobertor quadriculado, azul e vermelho, quando fomos apresentados. Enquanto João já começava a fazer seu nome no cenário nacional, Pedro, que eu conhecia de vista desde os Estaduais Infantis, me avisava que em 1986 mudaria pra São Paulo pra treinar comigo.

A historia de João e Pedro e’ muito parecida. Ambos começaram a carreira de nadador em cidades pequenas e se destacaram ainda jovens no cenário estadual, o que acabou impulsionando suas transferências para São Paulo. Fomos companheiros de clube durante anos. Muitos anos. João talvez tenha sido o atleta mais dedicado que conheci e certamente um dos mais talentosos. Era um leão nos treinos. Não admitia faltar e ligava pro treinador, por volta das 4h15 da matina todo dia, para garantir que tinha acordado para dar o treino da madrugada. Pedro também era extremamente dedicado. No seu caso não queria desapontar o pai que se sacrificava para sustentá-lo em São Paulo.

A carreira de João e Pedro prosperou ainda mais no Juvenil e Adulto (Hoje Júnior e Sênior). Foram campeões brasileiros e integrantes da seleção brasileira em mais de uma ocasião. Ambos tiveram carreiras muito acima da media.

João parou de nadar cedo! Foi um choque pra todo mundo. O discurso oficial foi que a faculdade lhe roubava o tempo de treinar. Na minha ingenuidade da época, botei a culpa na namorada do cara, que eu imaginava tinha o persuadido a largar a natação.  Hoje, mais sábio, acredito que João parou porque cansou!  Cansou do peso de tanta expectativa que muita gente colocava em suas costas.

Pedro parou mais tarde e de maneira bem menos traumática. Como quase todo nadador talentoso da minha época, parou pra trabalhar, já que na época natação não colocava comida na mesa.

Coincidentemente por motivos profissionais, João e Pedro se mudaram pra longe. Vi João pela ultima vez em 2000 quando soube que estava em São Paulo para uma reunião de trabalho. Fomos tomar um chopp num boteco nos Jardins, perto de onde estava hospedado. Fui com meu irmão e João parecia nitidamente emocionado de nos ver. Já fazia muito tempo desde o ultimo encontro. Anos pra falar a verdade! Tentei puxar uns assuntos de natação e notei que ele não estava muito a vontade pra relembrar os velhos tempo.   Acabamos focando em assuntos de trabalho. Depois disso tentei várias vezes contato, sem sucesso. Consegui seu celular em 2003 e liguei. Conversamos um pouco, mas fiquei com a sensação que ele estava apressado e queria desligar. Nunca mais falei com ele.

Pedro eu via frequentemente ate 2002, um pouco antes dele se mudar.   Depois disso trocamos dois e-mails ainda no mesmo ano. Meu 3o e 4o e-mails não tiveram respostas. Tentei achar seus contatos, ate com a família, mas nunca obtive resposta. Nem no Facebook. Desisti depois de um tempo. Voltei a encontrá-lo, por coincidência, mais de dez anos depois numa festa de criança. Batemos um papo muito mais formal do que eu gostaria, daqueles do tipo quando dois vizinhos que mal se conhecem se encontram no elevador. Foi um encontro frustrante, mas principalmente esquisito.

O fato e’ que João e Pedro, mesmo tendo sido atletas de sucesso, e sem nenhum trauma aparente, decidiram deixar o mundo da natação pra trás. Ate ai tudo bem, de repente a natação não foi tão importante pra eles, assim como foi pra grande parte de quem escreve aqui no Epichurus. No entanto o mais intrigante no caso desses dois excelentes nadadores e’ que cortaram relação com todos os grandes amigos esportistas de outrora e não só não fazem questão de reatar essas amizades, como aparentemente fazem o possível para evitar contato com a galera que dividiu a raia com eles durante décadas.

Bom, deve ter leitor achando que possa ser eu o chato, que os dois não querem me ver pintado de ouro, mas o fato e’ que os amigos em comum desses dois são unidos ate hoje e tem a mesma sensação que eu tenho, que alguma coisa causou um trauma neles tão grande que hoje preferem se desassociar de tudo e todos que tem relação com a natação. Alias, o assunto e’ tema constante nos nossos encontros em festas e mesas de bar, embora nunca cheguemos a uma conclusão.

João e Pedro são obviamente nomes fictícios por trás de historias verídicas. O nome dos nadadores não tem relevância e achei injusto expô-los aqui, sem ter ideia de suas razões para cortar o contato com tantos amigos.

Fica ai o mistério e quem sabe um bom tema pra discussão, que tem sido o ponto forte do Epichurus, principalmente se houver casos semelhantes, e aposto que tem, por outros clubes desse Brasil a fora. Será que a natação as vezes pode causar cicatrizes tão imperceptíveis durante a carreira, mas que futuramente viram uma trauma capaz de obrigar o sujeito a apagá-la por completo da sua vida?

10 comentários em “E Quando a Natação Não Traz Saudades?

  1. Rodrigo M. Munhoz
    4 de agosto de 2014

    Todas equipes de natação que conheci tem suas histórias de bons colegas que renegaram seus tempos aquáticos…Ao mesmo tempo que esses casos me entristecem um pouco, tenho que admitir que essas pessoas me causam certa admiração por seu desprendimento. Pra mim não seria fácil deixar pra trás essas histórias e relacionamentos que considero tão importantes ainda hoje. Por outro lado, entendo que a natação sempre foi uma pequena parte do que fomos e não nos define completamente. Talvez essas pessoas tenham se decepcionado com alguma parte da herança que ficou das épocas de treino. Talvez simplesmente entendam que coisas maiores ou mais importantes ainda os aguardem (trabalho, família, carreira, arte, viagens, sei lá…). Talvez sejamos nós que damos demasiada importância pra essa época. Acho que uma certeza do que levou a esses afastamentos, nuca teremos. Fica a saudade dos amigos com quem partilhamos a história um dia. Melancólico, mas bom post. Valeu!

    • Lelo Menezes
      4 de agosto de 2014

      É mais ou menos por aí Munhoz que eu penso também. Alias, eu e você convivemos com muitos ex-nadadores hoje que, convenhamos, não fazem muita questão de falar de natação… nem de hoje, nem da nossa época. Acho isso normal! Vai de cada um. O mistério pra mim é a necessidade de cortar por completo o contato com os amigos da época de atleta. Esse é o “X” da questão e o que tenho dificuldade de responder.

  2. rcordani
    4 de agosto de 2014

    A gente tem a tendência de olhar os outros com os nossos olhos, e nessa perspectiva é inimaginável a atitude de se afastar do passado de nadador.

    Já eles devem achar bizarro a gente conversar sobre o Julio de Lamare de 1984 em Juiz de Fora…

    • Lelo Menezes
      4 de agosto de 2014

      Concordo 100%, mas a ressalva é a mesma que eu fiz ao Munhoz aí em cima!

  3. Vladimir Ribeiro
    4 de agosto de 2014

    Natação x Amizade é, no meu caso, “Sine Qua Non”! Bom assunto. e olha que os caras eram top. Imagine aqueles que sofreram bullying.

    • Lelo Menezes
      4 de agosto de 2014

      Boa Vlad, pra mim também é Sine Qua Non. Acho muito difícil pensar de outra forma!

      abs

  4. anonimo
    6 de agosto de 2014

    amizade nao e uma coisa necessaria para o sucesso no esporte. sao dois mundos diferentes. Esses dois ai cresceram e viram quao mediocre eram os valores que a vida de nadador na epoca de gloria. Esses caras talvez eram os proprios bullies vivendo a ego trip.

    • Julio Rebollal
      7 de agosto de 2014

      Aí anônimo, só pra lembrar uma frase dita em 1990 e comentada em um post:

      “Daqui a vinte anos não vamos lembrar direito quem ganhou ou quem perdeu, mas certamente vamos lembrar quem eram nossos amigos!“.

      • LAM
        8 de agosto de 2014

        Boa Rebollal, é isso aí!!!

  5. Fernando Cunha Magalhães
    12 de agosto de 2014

    Mitropoulos comentou num post do Cordani que por conta da frustração ocasionada pela interrupção súbita da promissora carreira, ocasionada pela lesão no ombro, passou anos sem querer ver/ouvir notícias da natação. Nesse caso, contato com amigos seria fonte da incômoda lembrança. Frustração é uma possibilidade.

    Eu já me questionei muitas vezes se minha carreira profissional poderia ter sido mais bem sucedida se eu tivesse me dedicado menos a natação, e mais a estágios, e a construção de rede de relacionamentos visando a carreira. Fato é que a paixão pela natação, me levou em algum momento, a ser o melhor do Brasil naquilo que eu havia me proposto a fazer. Já me dediquei ao trabalho muito mais que a natação e não cheguei nem perto disso. Encaro isso como uma consequência das minhas escolhas e não acho necessário me afastar do passado, nem dos amigos. Mas acredito que se fosse mais racional e menos emocional, teria agido como os dois.

    Enfim, com uma boa terapia acredito que eles separariam as coisas e lidariam bem com a parte boa do legado do esporte, entretanto, respeito e ouso dizer que compreendo suas opções.

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Publicado em 4 de agosto de 2014 por em Natação.
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