Estávamos em 1993, e em plena era Gustavo Borges o Brasil tinha evoluído em todos os estilos, menos no peito. Os recordistas brasileiros Cícero Torteli e Alex Hermeto estavam parando, e apesar da grande e boa seleção o Brasil não levou peitista para Barcelona-1992. Para vocês terem uma ideia, em 1993 o revezamento 4×100 Livre do Brasil bateu o recorde mundial mas o país não tinha nadador de peito capaz de compor o índice do COB para o revezamento 4×100 medley!
Ramalho, Manú, Picinini, Castor, Pirula, Chicaguinho, Tetê e Piu: na delegação de Barcelona não tinha peitista. (OBS: na foto faltou o JR)
Enquanto isso, alheios (ou não) à própria pebisse, eu e o Pancho resolvemos usar o velho truque de nadar o paulista de Inverno no Saldanha da Gama polido e raspado. Meus adversários sêniores Rodrigo Munhoz e Marcelo Menezes (Lelo) estavam treinando nos EUA, protagonizando papagaiadas no Jornal Nacional e talvez tivessem grandes expectativas para a temporada, e, por isso, evidentemente “passaram por cima” do paulista. Outro peitista aspirante que também tinha ficado no Brasil mas estava treinando para o Finkel foi o Oscar Godoi, ele que tinha ganho ouro nos 100 e 200 Peito no último Troféu Brasil mas ainda era Juvenil B.
Voltando ao paulista do Saldanha: polido e raspado, obtive uma sensacional vitória nos 200 Peito sênior sobre os “americanos” peludos e cansados. Posso ver ainda hoje a imensa e vibrante torcida rosa gritando meu nome nas arquibancadas, no dia do meu aniversário de 23 anos. Impressionado com o barulho da torcida, o repórter do Jornal local não diferenciou quem estava raspado ou não, e saí até em matéria com foto.
Reparem que o tom da notícia era positivo para os brasileiros (eu e Godoi) contra os americanos do Jornal Nacional (Munhoz e Lelo), e eu podia até ficar feliz com a reportagem, mas não era bobo: fazer nos 200P tempo pior do que o Oscar e ter tido dificuldade de ganhar do Lelo estando polido e raspado já indicava que dificilmente eu teria muitas chances no Finkel, o qual seria no Internacional de Santos dali a apenas duas semanas. Com 23 anos, semi-PEBA, minha carreira se aproximava do fim, e minha expectativa no Finkel era de pegar medalha sim, mas jamais de fazer história e seguir a linha evolutiva de Fiolo, Luiz F. T. Carvalho, Cícero Torteli e Alex Hermeto.
A boa atuação e os quatro ouros no Paulista do Saldanha que alimentaram a minha vã esperança de pegar medalha no Finkel.
Mas se eu já de certa forma pressentia que seria coadjuvante no Finkel, Oscar Godoi, ao contrário, transbordava confiança, conforme suas próprias palavras:
“Cheguei naquele Finkel muito bem, estava muito confiante e bem mais experiente, antes do Troféu Brasil do Pinheiros havia passado 6 meses treinando nos EUA, em fevereiro depois da copa latina decidi voltar para o Brasil e voltar a treinar com o Alberto Klar. Nós fizemos um trabalho fantástico e eu estava voando!”
Marcelo Menezes por sua vez estava meio (meio?) desencanado, vejam a declaração dele:
“De Julho de 1992 a Março de 1993 continuei treinando com afinco para o NCAA, mas sem a mesma determinação dos anos anteriores. Nadei bem o NCAA em Março e simplesmente ‘chutei o balde’ logo em seguida. Abdiquei dos dois períodos, fui pra balada todo santo dia, faltei em várias sessões de musculação, enfim, levei os meses de Março até o Finkel na maior gandaia. Inclusive no fim de semana anterior ao Finkel, fui com o Polaco, Carlão e Fralda para Ribeirão Preto numa balada monstro. Demos PT! Dormi uma noite no deck da piscina! Foi trash! Cheguei nesse Finkel com um único pensamento: Não dar vexame. Era patrocinado pelo Extra e precisava pelo menos pegar Final A nos 100 e 200 Peito.”
Rodrigo Munhoz foi muito claro com relação à suas expectativas para o Finkel de 1993:
“Não lembro de nada”, disse ele.
A coisa estava pendendo fortemente para Oscar Godoi, e até a TV sabia disso, veja o curto vídeo abaixo (46s) que JGM guardou para a gente.
E se a exemplo do repórter você acha que o Oscar era favorito, veja o que ele disse sobre aquele dia:
“A curiosidade daquela prova realmente foi antes da final, acho que o Lelo estava conversando com você (Cordani) ou com o Gustavo Lima, falando de como ele não tinha treinado nada e estava bem surpreso de como ele estava bem, só sei que me perguntaram como eu havia treinado e eu disse que treinei pra caralho. Bem típico do meu comportamento, realmente não gostava de interagir muito com o pessoal fora da minha equipe, até então minha filosofia em competições era que eu não estava lá para fazer amigos mais sim ganhar. “
O que o Oscar não sabia é quanto fez bem para o Lelo a redução da pressão causada pelo seu “chute no balde”. Creio eu que nem mesmo o próprio Lelo sabia!
Já o Rodrigo Munhoz, consultado, disse que não lembra de nada.
Como eu mesmo ainda lembro bem, e o baú do JGM registrou, volto aqui nesta quarta feira (depois de amanhã) para contar o que aconteceu (aqui). Não deixe de perder!
Hilário! Acho que não deve surpreender ninguém que eu também não lembrava da matéria de jornal me chamando de gringo e me dando ares de estar entre os favorito… nem a pau! Quem nadou comigo lembra que enquanto não estivesse polido e raspado meu nome era sofrimento e humilhação, E as vezes continuava assim quando errava no polimento…
Noto na matéria do jornal uma certa comiseração sobre o Renato… underdog polido e raspado! Sem vergonha! he he he
O videozinho é bom também, dá para ver de relance vários bons amigos, especialmente entre a galera do Pinheiros.
Excelente post, Renatão! To curioso para ver a continuação!
Munhoz, de facto o jornalista foi bacana com a minha pessoa.
Porém eu tenho muita vergonha alheia da vitamina/pizza no Jornal Nacional, principamente ao saber que aquilo é tudo cascata! Realmente uma papagaiada para ficar na história!
Cascata nada! Era tudo verdade… E um pouco de PR/marketing, claro… 🙂 mas entrou na historia! bons tempos.
Boa manobra pra criar expectativa. rsrs.
No aguardo!
Valeu Raul, amanhã nos encontramos lá!
Opa! Interessante o post! De fato acho que 1993 foi um ano muito importante para o nado de peito que voltou a ter equilíbrio técnico com as provas dos demais estilos e talvez tenha ali perdido a “coroa” de patinho feio para o Medley. Eu imagino o que vem na quarta-feira e vou segurar comentários mais detalhados até lá, mas afirmo que esse ano foi realmente uma mudança de 180o na minha vida de nadador, uma mudança a principio bem negativa, mas com resultados positivos bem inesperados. Prova clara que anos de overtraining (padrão da época) são nocivos aos resultados….
Se me permitam um SPOILER, a melhora considerável do peito em 1993 não trouxe grandes avanços com a CBDA, dado que em 1996 também nenhum nadador de peito foi para as Olimpíadas, deixando os peitistas de fora da maior competição do mundo por 12 anos (de 88 a 00) o que pode se traduzir a toda a minha geração…
Muito suspense, bem legal o video muito amigos inclusive com participacao especial do Ogata bem no finalzinho. A eveolucao do peito realmente nao foi acompanhada pela CBDA, especialmente depois deles deixarem um revezamento que foi prata no Pan da Argentina de fora de 96. Depois da frustracao dos anos de burocracia da CBDA, acabai me juntando a expatriados e fui de vez terminar minha carreira nos EUA. Obrigado pelo video e espero com muito suspense a conclusao. Parabens pelas sempre bem contadas historias. Abraco.
Opa, eu já estava afastado dos objetivos olímpicos em 1996 e não acompanhei as eliminatórias olímpicas e os critérios de convocação. Depois precisamos contar isso aí direito! Até amanhã.
Lelo, conversaremos na segunda parte, mas se você fosse mal o sr. iria parar de nadar, é isso? Você tinha esse pensamento claro na ocasião?
Não, não ia parar. Eu ainda tinha um ano de elegibilidade de NCAA e tinha bolsa em jogo e tudo mais. Vale ressaltar que o “chute no balde” foi muito mais psicológico do que físico. Eu treinei forte entre Setembro de 1992 e Março de 1993. O que mudou muito foi a cabeça que na época não tinha nenhum objetivo e o afinco (treinar cegamente com um objetivo em mente) não existia mais. De Março de 1993 até o Finkel aí sim desencanei, mas por desencanar quero dizer que parei de treinar 2 períodos (pela primeira vez na vida) e cheguei a faltar em alguns treinos “da tarde”, mas olhando em retrocesso, nada que pudesse causar danos permanentes embora na época eu tinha esse medo. Os pensamentos de pendurar a sunga começaram depois de 1995 quando passei a treinar sozinho e aí sim o “balde” foi chutado pra bem longe, mas mesmo nessa época ficaram mais no subconsciente do que um plano de aposentadoria mesmo.
Agora se eu tivesse ido muito mal naquele Finkel, eu acho que teria dois outcomes possíveis e não sei precisar qual deles teria mais chance de acontecer:
1. Teria tomado vergonha na cara (Algo que tentei fazer depois do vexame do TB do Corinthians), mas aí a mente já não encontrou a força necessária pra dar a volta por cima
2. Teria sido o inicio do fim e provavelmente eu teria parado de nadar naturalmente no fim de 1994 quando a minha elegibilidade do NCAA terminaria, ou seja, encurtaria em uns 2-3 anos o fim da carreira.
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