HISTÓRIAS DO TORNEO INTERNACIONAL DE NATACIÓN – CLUB BANCO REPÚBLICA
No início da década de 80, o diretor de natação do Clube Curitibano – Joel Ramalho Júnior – reencontrou um velho amigo uruguaio – Roberto Marlageon – em um congresso de arquitetura. Colocando o papo de anos em dia, descobriu que o amigo também era dirigente de um clube e que sua filha era atleta da seleção uruguaia de nado sincronizado. Assim, de uma velha amizade do Joelzão, surgiu o convite para que o Curitibano passasse a participar do Torneo Internacional de Natación – CLUB BANCO REPÚBLICA.
A competição era disputada em categoria absoluta, em piscina curta, e contava com os principais atletas da Argentina, Uruguai e Paraguai. Os olímpicos: Carlos Scanavino, Alejandro Lecot, Fabian Ferrari, Martin Belavita e o gigante Julio Falon nadavam por lá – raspados e polidos. E Virginia Sachero e Alicia Boscato, recordistas sulamericanas em nado livre e peito, eram os principais destaques na parte feminina.
A data do torneio sempre coincidia com o feriado da nossa independência em 7 setembro. O dia 8, é feriado em Curitiba, por conta do dia da padroeira e com isso, perdíamos poucas aulas na escola. Embarcávamos num ônibus leito. A metade da viagem era em Porto Alegre e 24 horas depois da saída, chegávamos a Montevideo.
A primeira viagem foi em 1982, na época em que Glauco Putomatti era o head coach da equipe. Eu tinha somente 12 anos e não participei das duas primeiras viagens, mas ouvia, fascinado, as histórias dos amigos que foram. Havia muitos detalhes diferentes em relação as nossas competições – mas o que impressionava mesmo, eram os tempos dos vencedores das provas, muito abaixo das competições brasileiras, já que nessa época não tínhamos competições importantes em piscina curta por aqui.
Nos dois primeiros anos, a equipe conquistou pouquíssimas medalhas – arrisco duas ou três em toda a competição – e ficou lá embaixo na classificação por equipes. O sistema de pontuação, bastante diferente do Brasil, privilegiava muito as primeiras colocações, de forma que eram precisos 32 oitavos lugares para somar a pontuação de uma medalha de ouro.
Minha primeira participação foi em 1984, quando aos 14 anos de idade ingressei no time principal que já era comandado por Leonardo Del Vescovo. Comecei com uma experiência horrorosa na viagem de ida: na primeira cidade uruguaia, troquei quase todo o meu dinheiro em uma casa de câmbio, junto com dois colegas – André Gomes e Gisele Gradowski. Voltando ao ônibus, fui super sacaneado pelos mais velhos, na faixa dos 18 e 19 anos, por conta da taxa desfavorável. Passavam a impressão de que o vacilo causava um prejuízo na ordem de 3:1. Fiquei desesperado. Joelzão entrou em cena, alegou precisar de pesos para pagar alguma despesa da viagem, comprou meus pesos pela taxa que eu havia pagado e me acalmou. Em Montevideo constatamos que a taxa da fronteira, na verdade dava um prejuízo de cerca de 15%. Aprendizado pela dor.
Em Montevideo, vi ao vivo as diferenças de que ouvia falar. O Club Banco República ocupa os primeiros andares de um prédio residencial as margens do Rio da Prata. Tinha uma porta rotatória enorme na entrada, nunca tinha visto uma daquelas. A piscina ficava no andar térreo, no fim do corredor de entrada. Tinha uma arquibancada pequena, que chegava até a borda da piscina. Assim, quem nadava costas na raia 1 via os braços dos colegas que torciam do lado de fora, passando por cima da raia.
Todo o corpo de arbitragem era formado por senhoras – grandes óculos, cabelos volumosos e todas de bermudas e camisetas brancas. O sinal de partida não era dado por buzina, apito ou tiro. A juíza tinha em mãos duas tábuas que deviam medir 20cm x 40cm, cada. Eram unidas por duas dobradiças em um dos lados e depois da ordem de partida “A SU PUESTOS!!!!!” (no imperativo mesmo, em maiúsculas e com cinco exclamações) ela batia uma tábua contra a outra provocando um barulho, amplificado no ambiente fechado, mais alto que os tiros de partida que tínhamos aqui no Paraná.
A árbitra geral era muito brava e levava a competição com pulso firme. Divertia-nos com algumas broncas que ela distribuía.
Os alojamentos eram no próprio clube. Em um dos anos ficamos em um quarto com beliches só para nossa equipe, nos outros num ginásio cheio de camas de um lado e beliches do outro, junto com várias outras delegações. Ali fomos indagados por um argentino do porque escovar os dentes tantas vezes ao dia, si una vez era suficiente para no tener caries. E vimos uns 8 veteranos imobilizar um calouro e aplicar um trote raspando os pelos das partes baixas, com o carrasco, sem qualquer constrangimento, segurando o falo do pobre rapaz para realizar um bom acabamento no entorno.
A alimentação trazia algumas dificuldades, as refeições não tinham opções. No desayuno: cafe con leche, un pan con mantequila, queso y fiambre – que era um salame temperado que não combinava com a hora e acompanhamentos. Na noite do segundo dia de competição, tradicionalíssima buchada, que os gringos chamam de “boceca”. Eram experiências diferentes que não comprometiam em nada as virtudes daqueles momentos.
Em 84, já tínhamos um trio de ouro na equipe – Glaucia Lunkmoss, Marcia Resende e Newton Kaminski. As meninas haviam vencido o Troféu Brasil, como contei no post Troféu Brasil de 84 – finalmente, o Curitibano no pódio. Em minha estreia, vi a Glaucia ganhar todas as provas que nadou, o Newton e a Marcia beliscarem medalhas. Ficamos bem posicionados na classificação geral.
Em 85, nossos principais atletas foram com o Léo para a Universíade de Kobe. Fomos desfalcados e liderados pelo técnico Amauri Fidélis, das categorias de base do Clube. O Renato Ramalho, recém campeão sulamericano juvenil, era nossa principal esperança. Sei lá o que deu nele na saída dos 200m costas – “A SU PUESTOS!!!!!” – e uma queimada inexplicável. Na época poderiam ser consideradas até duas saídas em falso, mas enquanto ele voltava para a borda para se preparar para a segunda saída, a árbitra geral veio em passos firmes até a raia dele, abaixou e disparou – “ESTA DESCALIFICADO!!!!” – esperávamos alguma argumentação com uma remota esperança que a realidade pudesse ser revertida, mas ele não se conteve e soltou uma gargalhada na frente da mulher. Pouca gente que estava na piscina entendeu e temi que houvesse alguma repreensão a mais, como expulsão da competição toda, mas ficou só naquilo mesmo.
Nesse ano também foi a estreia do LAM no Uruguai. Atrapalhou-se um pouco com o poço de saltos que tinha na cabeceira do bloco de partida e errou a profundidade da entrada na água na saída dos 200m peito. Fez, a filipina mais demorada de toda a carreira dele.
Nadei 200m borboleta pela primeira vez na vida, e de tanto receio de travar no final, passei com 1m08s e voltei com 1m09s, fechando em excelentes 2m17s e chegando no mesmo décimo de segundo que o Christian, super habituado a essa prova e que nadando na raia ao lado fez um parcial de 1m05s.
Também fui muito bem na prova dos 1500m livre. Nadei na série da manhã e fiz 16m40s, meu melhor tempo. No 4x100m livre estávamos na raia 6. A piscina era um banheirão – isso significa que terminava nas paredes, sem quebra ondas. Ficamos para trás e quando caí para fechar, eu estava em meio a um maremoto, nunca tinha nadado com tanta ondulação, a cada braçada a mão encontrava a água numa fase diferente da recuperação, causando uma sensação estranhíssima.
Em 86, voltamos com time completo. Todos mais fortes, com a Isabele Vieira recém-recordista no Troféu José Finkel e reforçados por Virginia Andreatta. Não peguei nenhuma medalha individual, mas abri o 4x100m livre colado no Fabian Ferrari. Newton e Tite nos colocaram na liderança e o Renato caiu para fechar 4 metros na frente de um bigodudo, com cara de mal, colega do Fabian. O cara atropelou o Renato, mas logo que chegou, foi anunciada a desclassificação dos argentinos e herdamos o ouro! Pensa num cara bravo! – ele avançou na árbitra e temi pelas vias de fato. A turma do “deixa disso” teve trabalho e durante e depois do jantar, o Joelzão repetiu dezenas de vezes as imagens da mini tela da sua câmera Betamax para todo mundo ver… só o bigode achava que não tinha queimado.
Enfim, ganhamos a competição na pontuação geral, numa incrível trajetória de 5 anos em que iniciamos como meros coadjuvantes e finalizamos como protagonistas. Não sei bem o que houve, mas a partir de 1987 não fomos mais convidados a participar. Uma pena, sonhava em um dia polir para essa competição e ganhar provas individuais.
EFABULATIVO
Numa das viagens de retorno, Tite Clausi, graduando do curso de Agronomia da UFPR, estudava para uma prova que teria na manhã do desembarque em Curitiba. Silêncio total no ônibus, todos exaustos, inclusive ele. Como precisava manter-se acordado e como lidar com o silêncio sempre foi um desafio para ele, começou a dividir o conteúdo com todos, lá do último banco e em voz alta. Eu no penúltimo, me divertindo com a dramaticidade que ele impunha no tom da voz e com certo interesse no conteúdo que tratava de afecções que poderiam acometer o gado no pasto.
Lá pelas tantas na descrição de uma das doenças, listava os sintomas que culminavam com a conclusão: “o animal cai e não se recupera!”. Primeiro ele repetiu por conta, depois pedimos que repetisse: “O ANIMAL CAI… E NÃO SE RECUPERA!”
Adoramos aquela frase que incorporou-se a cultura do grupo de amigos e a cada par de anos nas últimas décadas é repetida em algumas situações, provocando nostalgia e confirmando o valor de grandes amizades
DIA DE COMPRAS
Espero que tenham gostado das histórias. Conto com seus comentários.
Forte abraço,
Fernando Magalhães
Hehe, o animal cai.. e náo se recupera!
Muito legal os relatos. Nós do Paineiras frequentamos em 1979-1980 o Gimnasia y Esgrima em Buenos Aires (em 79 a gente foi, em 1980 eles vieram), e em 1986 tivemos uma competição similar a essa no Club San Fernando que marcou muito todo mundo na época. Ir de ônibus para Buenos Aires em 36h com a moçada jogando baralho e conversa fora foi priceless.
Eu não tenho fotos, mas se um dia conseguir arrancá-las do Rodigest farei um post.
Mas a do e o animal cai… e não se recupera! é realmente sensacional.
Sem dúvida, não tem preço!
Confisca lá o material do Rodrigo que o post ficará super legal.
Sobre muitas horas em ônibus, ainda temos os JUBs pela frente.
O animal cai… e não se recupera!
Show de lembranças! Todo jovem nadador deveria ter uma dessas viagens no curriculo… acho que teríamos mais nadadores felizes na ativa e vidas adultas mais saudáveis.
Tenho boas lembranças do Uruguay, tendo competido em Maldonado em 87, com direito a vários “sanguiches” de fiambre e gaseosas… acho que no campo culinario eles deveriam se dedicar apenas ao churrasco e alfajores… Abraços!
Opa… as histórias de Maldonado em breve estarão por aqui.
Mas gostei mesmo das suas considerações da segunda frase.
Faz todo sentido!
Boa! Infelizmente o Paulistano nunca teve esse tipo de competição com intercâmbio estrangeiro. Fui nadar no Uruguai somente em 1994, no sulamericano absoluto. A competição foi sensacional, não pela natação em si, mas pelas bagunças que um dia quem sabe virará um post. Uma boa lembrança foi a corrida de mobilete pelas ruas de Punta del Este, infelizmente presenciada pelo Coaracy que seguia num taxi e nos flagrou gerando um mega esporro no hotel…
Sensacional Lelo!
Tô vendo a cara do Coaracy tranquilaço no taxi, percebendo um “Brasil” nas costas de um meliante no gás na mobilete. Vamos combinar que o esporro foi merecidíssimo!
Muito legal estas histórias, Fernando (e de todos os outros colunistas).
Vcs estão formando um ´big data´ da natação brasileira!
Continuem assim!
Abs,
Fabiano.
P.S. o ” ex-BG” é somente uma alcunha para o Esmaga me identificar, pois uma vez GB, sempre GB! Certo Esmaga? 🙂
Legal Fabiano!
Não precisava da alcunha, já havia identificado no “Marcondes”.
Valeu o comentário.
Forte abraço!
Maga, tudo bem?
Eu morro de rir com a riqueza dos detalhes. Sensacional a postagem, parabéns. Somente uma dúvida: Na viagem pra Kobe, vc se lembra quem foi?
Na minha memória apenas o Newton (ele pagou minha viagem ao Rio pra ajudá-lo, pois ele não conhecia tudo la. Ficamos hospedados na casa do Eden Dias Filho) tinha ido, juntamente com o Tio Leo.
Grande abraço
Oi Luiz, obrigado pela leitura.
Em minha lembrança, a Marcia foi junto, mas não tenho certeza absoluta.
Abraços
tambem Marcia Resende.
Boa Léo!
Sensacional.
Isto me lembra as viagens do clube do golfinho ao Chile!
Excelentes memórias!
Abraços
Stadio Italiano… belos relatos da Alice De Poli no Facebook sobre essas viagens.
E privilégio do Christian que foi com o Curitibano para o Uruguai e com o Golfinho para o Chile.
Caro Maga,
A Márcia …… Rezende foi para Kobe também. Um fato curioso do campeonato no Uruguai era o futsal com os argentinos ao final da competição. Não me lembro dos resultados, mas parecia um jogo de libertadores. Parabéns pela memória e obrigado por nos brindar com mais essa história espetacular. Já usei muito em ITAIPU … “O ANIMAL CAI …. Abraço forte.
Lembrei do futsal… eu somente espectador na reserva, muito guri para um jogo de Libertadores.
Abraços
Newton, aquela viagem ao Rio foi uma aventura heim, hahahahahaha
aquela piscina era muuuuito funda mesmo…
Boa LAM!
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