EPICHURUS

Natação e cia.

Ser olímpico é realmente uma obsessão dos PEBAs?

“Quanto vale participar de uma olimpíada? Eu não participei, mas posso afirmar que não tem preço.” Renato Cordani

A frase acima me fez passar um bom tempo fazendo uma autocrítica sobre meus objetivos na natação entre 1992 e 1996, ou mais precisamente eu queria entender (e consequentemente escrever sobre o assunto) o motivo que me levou a desistir do sonho olímpico logo após a frustrada seletiva de 1992, mas mais importante que isso era entender porque o objetivo olímpico não voltou firme e forte depois do 1’02 de 100m Peito no Finkel de 1993, que em retrospecto parece a coisa mais óbvia que deveria ter acontecido.  Não aconteceu e quanto mais eu pensava na frase, mais ela me incomodava.  Me incomodava porque não ter participado dos jogos, aparentemente, nunca me chateou.  Nunca tinha perdido uma noite de sono depois que pendurei a “sunga” por não ter sido olímpico.  Porque será que agora que sou um velho quarentão o assunto passou a me incomodar?

Eu parei de nadar em 1997 completamente realizado com minha carreira de nadador: título individual de Júlio Delamare, José Finkel, Troféu Brasil e Sulamericano Absoluto.  Recordista brasileiro dos 200m Peito.  Duas participações em Mundiais, várias convocações para a Seleção Brasileira e olha que eu era PEBA.  Tava bom demais!  Aliás, eu tinha (e ainda tenho) convicção que alcancei bem mais que o meu “mediano” talento me permitia… e foi exatamente nesse pensamento que achei a resposta que eu procurava.  Na verdade o que me incomodava não era não ter ido para as Olimpíadas, até porque mesmo se tivesse treinado com todo foco do mundo no objetivo Atlanta 1996, acho muito improvável que tivesse conseguido ir.  O que me incomoda na verdade, e acho que só me dei conta agora, foi o fato de não ter sequer tentado.  Porque hoje é tão claro pra mim que eu deveria ter esse objetivo a partir de 1993, mas na época nem considerei a hipótese?

Meus melhores resultados, todos eles mesmo, se deram entre 1993 e 1995.  Aliás, venci o Finkel (meu último objetivo real) apenas um ano antes dos jogos olímpicos de Atlanta, com direito a recorde brasileiro e aparentemente me dei por satisfeito.  Acho que inconscientemente entendi que cheguei no meu limite.  Tanto que dali pra frente desencanei da natação.  Parei de levar a sério, parei de treinar com um mínimo de seriedade e nunca mais tive um resultado expressivo.  Porque não foquei no objetivo Atlanta, pelo menos nesse último ano antes dos jogos, onde eu já não tinha mais compromisso com o NCAA?

A resposta depende de mais “soul searching”, mas o Renato me deve um Gatorade por ter aberto essa “ferida”.  De qualquer forma a pergunta fica:  Porque damos tanto valor na participação de uma competição a ponto de achar que não tem preço?   Porque preço tem, principalmente se vira obsessão, como bem diz o último texto do próprio Renato, que você pode ler aqui e olha que eu não quero soar hipócrita!  É óbvio que eu gostaria de ter ido aos jogos.  Tenho certeza que a experiência é única, impagável, sensacional, maravilhosa, mas tirando a experiência em si, não mudaria o meu futuro.  Se eu tivesse ido, teria ficado longe de qualquer final, quiçá de medalhas e minha vida seguiria da mesma forma que seguiu.  Eu teria parado de nadar, começado a trabalhar e a única diferença é que estaria aqui hoje escrevendo outro texto, talvez um que contasse algumas peripécias dos jogos que participei.

E pensando nisso acabei tendo uma epifania.  O que a gente considera não ter preço depende do grau PEBA de cada um.  Esse sentimento que ser olímpico é quase uma questão de vida ou morte, me parece exclusivo dos semi-pebas, aqueles caras que como eu e o Renato, em algum momento da carreira acreditou piamente que ser olímpico era só uma questão de tempo e depois o próprio tempo trouxe a dura estampa de PEBA e fechou a porta olímpica na nossa cara, deixando aquele gosto amargo de sonho não realizado.

Porque pro verdadeiro PEBA, aqueles que o sonho era uma final de Finkel ou quem sabe um índice de Júlio Delamare, talvez ir para as olimpíadas seja igual meu sonho de infância de ir pra lua.  Eu sonhei ser astronauta até uns 10 anos de idade.  Depois que vi que era impossível, desencanei sem nunca ter perdido tempo questionando se sair da Terra tem ou não tem preço.

Consigo enxergar agora os olímpicos lendo o texto e pensando “pô, 20 anos depois e esses caras continuam discutindo o sonho olímpico! Triste isso” e o pior é que os verdadeiros PEBAs, que nunca nem cogitaram ir para as Olimpiadas e que o Epichurus tão bem representa devem estar pensando a mesma coisa.

PEBA não olímpico

PEBA não olímpico

17 comentários em “Ser olímpico é realmente uma obsessão dos PEBAs?

  1. rcordani
    18 de maio de 2015

    Sim Lelo, no meu caso essa era o maior objetivo, cunhado a partir de dezembro de 1987, naquele ano deu tudo tão certo que o caminho até a olimpíada parecia natural. Se não desse Seul ao menos Barcelona com certeza.

    A primeira ficha caiu logo no início de 1988, quando exagerei nos treinos, senti o ombro e percebi que o limite físico não era infinito, embora eu ainda achasse que quando ficasse bom ainda chegaria lá. A segunda e derradeira ficha caiu na tragédia do Ibirapuera, e essa doeu muito mais.

    No seu caso Atlanta 1996 era uma tentativa óbvia, mas o Oscar estava ainda mais perto, tentou e não conseguiu, idem para o Hermeto – 1992, para ficarmos apenas nos peitistas da nossa época. Hermeto aliás estará no meu próximo post.

    Só não entendi a questão do gatorade. No meu entender o sr é que me deve um gatorade por não ter se esforçado o suficiente em 1996!

    • Lelo Menezes
      18 de maio de 2015

      Sim, de acordo com o que escrevi no texto, acho bem improvável que tivesse ido pra Atlanta, mas nem tentei, o que é bizarro e quem sabe o assunto do meu próximo texto. A minha pergunta pra você vai mais no meu intuito desse post: Pro nadador de 200m peito era claro a impossibilidade olímpica. O índice estava num patamar inatingível para a realidade brasileira. Em algum momento você pensou em focar em outra prova, tipo 400m Medley ou até o 100m peito? O assunto ainda volta pra você hoje? Tipo, se você tivesse feito algo diferente talvez o resultado fosse outro, mais musculação, menos intensidade no treino pra evitar o chato overtrainning, etc? Em outras palavras, tá claro pra você hoje que as Olimpíadas eram inatingíveis ou você acha que tinha alguma chance se tivesse feito algo diferente?

      • rcordani
        18 de maio de 2015

        Boa pergunta Lelo. Meu nome era os 200 peito mesmo.

        Olhando hoje parece uma sandice, mas em 1987 eu tinha 17 anos e tinha melhorado 8 segundos em um ano. Eu precisava de mais 7 segundos (o índice para Seul foi 2:20), e me parecia natural evoluir isso aí se não em 6 meses (Seul) ao menos em 4,5 anos (Barcelona). Caramba, melhorei 7s em um ano, não posso melhorar mais 7 ou 8 em 4 anos?

        Por isso entrei em 1988 com uma vontade absurda, tão absurda que estourei o ombro logo em março, comprometendo toda a temporada de 1988 e adiando definitivamente o sonho para Barcelona.

        Já a temporada seguinte (1989) era aquela em que eu deveria evoluir 4-5 segundos para me aproximar do tempo que me levaria a Barcelona, mas foi aí que esbarrei na minha própria falta de talento e em vez de 4-5 segundos eu evoluí apenas 1.67s na tragédia do Ibirapuera, que foi suficiente para enterrar de vez o sonho olímpico. Depois da tragédia meu objetivo passou a ser obter vaga para um Sulamericano (não consegui) e uma medalha de TB (consegui duas).

  2. Luiz F Carvalho
    18 de maio de 2015

    Pô! Se o Lelo se inclui como PEBA, onde então onde iremos “draw the line” que define a PEBiçe?

    • Luiz F Carvalho
      18 de maio de 2015

      Academicamente gostaria da definição da “PEBA-Non-PEBA boundary”….

      • Lelo Menezes
        18 de maio de 2015

        Chicão, nós aqui do Epichurus usamos o conceito PEBA com uma boa dose de liberdade literária e bastante ironia. Na verdade ninguém que aqui escreve é realmente PEBA. Todos tiveram, em graus diferentes, certo sucesso com a natação e todos foram nadadores bem, mas bem mesmo, acima da média… A gente brinca com o PEBA porque no fundo ninguém foi um baita craque embora, e digo isso com certo orgulho, acho que todos nós chegamos onde dava pra chegar.

        Pra mim, da minha época de nadador, bom mesmo era o Gustavo, o Xuxa e o Romero. O resto foi aspirante a craque, Semi-PEBA ou PEBA. kkkkkkkkkk

  3. Luiz Alfredo Mäder
    18 de maio de 2015

    Chicão, PEBA é um termo bastante abrangente e contagioso, pode incluir até os leitores eventuais do Epichurus, cuidado!!!
    😉

  4. Patricia Angelica
    18 de maio de 2015

    Lelo, esse seu texto me lembra muito a minha vibe quando comecei na faculdade de Jornalismo (e provavelmente de muita gente que fez o mesmo curso).

    No primeiro ano, até o meio do segundo mais ou menos, meu objetivo de vida era ser global. IMAGINA… repórter da Globo, quiça um dia âncora (que fosse folguista – o cara que cobre as folgas do apresentador titular) do JN??? U-A-U!

    Mas aí com o tempo fui percebendo que apesar de amar o cerne da profissão e de ter plena consciência de que o Grupo Globo (que emgloba – oh! – todas as empresas do prisma da Família Marinho) é o melhor do ramo da Comunicação no Brasil, apesar de um pouco monopolizador, em certos aspectos, fui percebendo que lá se trabalha de forma muito industrial e encaixadinha num modus-operandi e num modelinho pré-fabricado demais… aí, deixou de ser o objetivo.

    Hoje, nem no jornalismo estou mais (a não que os amigos peçam mais textos e/ou entrevistas aqui pelos lados de Minas)… hoje sou professora de inglês, faço podcasts semanais sobre a minha série americana favorita e tenho certeza que sou mais feliz do que se fosse trabalhar todos os dias lá no Jardim Botânico, onde já fui algumas vezes pra testes, pesquisas etc.

    • Lelo Menezes
      18 de maio de 2015

      Boa comparação Patricia. Acho que é por aí mesmo! Nossos sonhos de infância e juventude raramente continuam sendo nossos sonhos de adulto. As vezes, e me desculpe o cliché, vale muito mais abrir mão dos sonhos para buscar mais felicidade e equilíbrio na vida. Alias, acho isso um dos melhores conselhos que se pode dar pra alguém, embora na prática seja bem difícil de seguir.

      abs

  5. Rodrigo M. Munhoz
    18 de maio de 2015

    Lelo,
    Realmente, essa perda de sono tardia pelo sonho olímpico me parece meio estranha. Será que simplesmente já não estava com plenitude bagal?
    Adicionalmente, será que vc está prestes a entrar num dilema tipo “Tostines”? Algo como: Desistiu do sonho Olimpico por ser Peba, ou Por ser Peba desistiu do sonho Olimpico?
    Eu acho que já comentei por aqui que não me achava material olímpico, apesar de ter sonhado com participar de uma Olímpiadas depois de pegar seleção (Sulamericanos Juv). Mas eu tinha uma boa noção de que precisaria de uma evolução muito próxima de um milagre para logra o tal feito.
    Sobre ser astronauta, basta acreditar, Lelo! Qquer dia te levo pra ver a estátua do Marcos Pontes lá em Bauru: Coisa de piloto “não Peba”! 🙂

    • Lelo Menezes
      18 de maio de 2015

      Esse dilema de Tostines é interessante, mas veja que não perdi e nem perco sono pelo sonho olímpico. Só me caiu a ficha que desisti antes do tempo, com a convicção (e talvez por isso não perca sono) de que seria muito improvável ter ido mesmo se tivesse tentado com todo afinco do mundo! De qualquer forma eu só queria entender o porque da desistência. Acho que tenho a resposta, embora ela não me agrade 100%.

      Quanto a ser astronauta, uma pena eu não ter levado a sério. Eu nunca tomei pau de ninguém de Bauru 😉 e não seria essa a 1a vez.

  6. Oscar Godoi
    18 de maio de 2015

    Lelo,
    Temos histórias bem parecidas com relação ao tema olímpico, quando parei de competir no Brasil em 97 e depois nos EUA em 99 na época não tive nenhum remorso de não ter ido a olimpíada, mais confesso que depois de muitos anos sim me encomoda não ter conseguido. Isto não ocorreu do dia para noite mais devido a cotidiana primeira pergunta que fazem logo depois de alguém escutar ou entender que fui atleta, sempre a primeira pergunta é, você foi para a olimpíada? E depois a conversa vai para o lado da outra pessoa perguntar, mais como não porque, o que aconteceu, etc. Outro motivo é o simples fato que um atleta que foi a uma olimpíada sempre será um atleta olímpico, diferente de nós pois ninguém nos chama de um atleta mundial. Realmente há uma percepção de valor de realização maior em ser olímpico do que qualquer outro título ou campeonato. Abraço

    • Lelo Menezes
      18 de maio de 2015

      Boa Oscar. Você tocou num ponto bem interessante e que vale até um post futuro. Invariavelmente o brasileiro (o leigo) credita uma carreira de sucesso na natação ao fato do cidadão ter ido ou não para as Olimpíadas. Alias, comigo acontece direto. Quando alguém do meu meio profissional descobre que fui nadador de seleção brasileira, a primeira pergunta é sempre se fui para as Olimpíadas e quando a resposta é “não”, fico com a clara impressão que a pessoa fica desapontada, tipo, ahhh, foi nadador mas foi ruim né. Eu sempre fico com a vontade de explicar que existe mais do que ser olímpico, mas sempre desisto porque acho que não mudaria o jeito de pensar da pessoa.

      Eu acho que temos futebol na veia e no futebol qualquer coisa que não seja o título é ruim por brasileiro. Fomos vice na Copa… péssimo! Acho que isso transborda pra outros esportes. Me lembro uma vez de ter perdido a paciência com uma colega de trabalho quando a mesma disse que o 5o lugar da Joanna Maranhão nas Olimpíadas era ridículo. Onde já se viu comemorar 5o lugar! Fui tão grosso com a menina que depois acabei indo pedir desculpas, mas o pensamento dela é basicamente o pensamento da maioria dos brasileiros. Se não foi pras Olimpíadas é PEBA. Se foi e não pegou medalha… PEBA também! Uma das “n” tristes realidades do esporte brasileiro.

      abs

  7. Alexandre Hermeto
    18 de maio de 2015

    Lelo,
    Interessante seu posicionamento quanto as reais chances de ir para uma olimpíada, e o que mudaria na sua vida. Como nadador de peito e PEBA e ter tido um “certo” sonho de chegar a nadar uma olimpíada, logo cedo cheguei a realização do meu nível em relação aos índices olímpicos e os tempos nossos nos 200 peito. Naquela época, achava que os 200 peito era a minha melhor prova, até a poucos anos atrás conversando com um técnico amigo meu, ele me disse que eu era bem melhor nos 400 medley?????? Para falar a verdade, nunca perdi muito tempo pensando no “e se tivesse feito isso ou aquilo”. Grande abraço!

    • Lelo Menezes
      19 de maio de 2015

      Boa Mineiro! Bom te ver por aqui! Sendo muito sincero eu acho um absurdo você não ter ido para as Olimpíadas e talvez a prova máxima que o sistema de convocação brasileiro não é justo. Como pode um nadador que por tantos anos esteve no topo da natação brasileira tanto no peito quanto no medley não ser convocado? Não deu o índice! Mas e a meritocracia? Porque ser olímpico não deve simplesmente ser baseado em um índice técnico, até porque convenhamos que na nossa época tinha 3 caras com chance de medalha e/ou final. O resto ia pra lutar por Final B ou nem isso. É realmente incompreensível que alguns nadadores olímpicos entre 88 e 96 fizeram muito menos história na natação brasileira que você.

      Alias, considero você e talvez o Maurício Cunha como as duas principais injustiças olímpicas da nossa geração. Que bom, pelo menos, que não te fez perder noites de sono!

      abs

  8. Cristiano Michelena
    19 de maio de 2015

    PEBA é um estado de espírito.
    Agora, nadar peito é prerrequisito para comentários aqui… Saio de fininho.

    • Lelo Menezes
      19 de maio de 2015

      Boa Castor! Ser PEBA é de fato um estado de espírito, e nadar peito é o melhor jeito de permanecer nesse estado! kkkk

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