Temos o prazer de anunciar o primeiro atleta a figurar no Hall da Fama da Natação Brasileira: TETSUO OKAMOTO!!!
“Se tivesse dois meses de Helsinque eu iria disputar o primeiro posto” – declaração de Tetsuo Okamoto para o jornal Última Hora em agosto de 1952, após conquistar a inédita medalha olímpica para a natação brasileira.
A declaração acima pode parecer exagerada se olharmos simplesmente o resultado da final, onde o norte-americano Ford Konno chegou um pouco mais de 21 segundos a frente de Tetsuo Okamoto, mas se relembrarmos um pouco da história desse grande nadador brasileiro, começamos a acreditar que isso poderia ser possível mesmo.
À esquerda Shiro Hashizume do Japão, ao centro Ford Konno dos Estados Unidos e à direita Tetsuo Okamoto do Brasil. Podium da sensacional final dos 1500 metros dos Jogos Olímpicos de Helsinque de 1952.
Tetsuo começou a nadar aos sete anos de idade em Marília-SP, pois tinha asma e recebeu a recomendação de seu médico para praticar a natação, como inúmeras crianças que até hoje começam a nadar por esse motivo. Aos quinze anos de idade Tetsuo foi convidado a nadar no Yara Clube de Marília, que possuia uma forte equipe de natação e com isso a qualidade do seu nado foi melhorando e o seu talento começou a ficar evidente na natação brasileira, mas foi somente com dezessete anos que o salto de qualidade de Tetsuo começou a acontecer. No ano de 1949 uma equipe de nadadores japoneses, conecidos como os “Peixes Voadores” fizeram uma longa excursão pela América, ficando dois meses treinando em cidades brasileiras e Tetsuo teve o privilégio de poder acompanhar esses nadadores que eram a atual sensação no mundo. Ao acompanhar os treinamentos, Tetsuo descobriu vários “segredos”, um deles era o volume de treinos, pois em Marília ele treinava uma média de 2.000 metros diários e os “Peixes Voadores” treinavam 10.000 metros, com séries muito diferentes.
Após esse intercâmbio Tetsuo voltou determinado para Marília e passou a treinar dois períodos para cumprir a metragem realizada pelos japoneses, dizendo: “Se eles podem, eu também posso”. Em 1950 os treinos deram resultado e Tetsuo conseguiu vencer o campeonato paulista e o brasileiro, superando também o recorde brasileiro nos 400 livre. Esses resultados garantiram a presença de Tetsuo nos Jogos Pan-Americanos de 1951 em Buenos Aires. Algumas semanas antes do Pan, Tetsuo foi o primeiro brasileiro a nadar os 1500 metros abaixo dos 20 minutos, trucidando o recorde brasileiro e o recorde sulamericano com a marca de 19:24:3. No Pan de Buenos Aires o clima era muito hostil com os brasileiros e a competição foi muito tensa, mas isso serviu para motivar Tetsuo a conquistar 2 medalhas de ouro, nos 400 livre e 1500 livre e a prata nos 4×200 livre, com direito a novo recorde sulamericano nos 1500 livre. Tetsuo foi recebido com muita festa e chegou a ganhar um carro de presente em Marília, mas teve que devolvê-lo pois seria proibido de nadar os Jogos Olímpicos se aceitasse o presente.
Tetsuo Okamoto e seu maior rival na época, o mexicano Tonatiuh Gutiérrez, no Pan-Americano de Buenos Aires em 1951.
Após as comemorações do Pan, Tetsuo voltou sua dedicação para os treinos e agora o foco eram os Jogos Olímpicos de Helsinque. Em março de 1952 Tetsuo mostrou que estava preparado e conquistou três ouros no campeonato Sulamericano de Lima, no Peru, vencendo os 400m, 800m e 1500m. Essas provas tiveram dobradinha brasileira, com Sylvio Kelly dos Santos chegando em segundo. Nesse ano, Sylvio passou a ser o grande rival de Tetsuo nas provas de fundo. No mês de maio de 1952 Sylvio Kelly qubrou os recordes sulamericanos de Tetsuo nos 800m e 1500m. Será que a hegemonia de Tetsuo chegara ao fim no Brasil?
Em junho de 52 o inverno chegou com força em Marília e Tetsuo ainda tentou treinar nas águas geladas do Yara Clube de Marília, mas não conseguiu, sendo obrigado a parar os treinos por uma dezena de dias. Em julho Tetsuo partiu para Helsinque, um pouco desanimado pois não era mais o melhor do Brasil, não conseguiu treinar como queria e teria que enfrentar os peixes voadores japoneses nos Jogos Olímpicos. A ida com bastante antecedência para a Europa foi boa, pois ele trocou o rigoroso inverno paulista pelo verão finlandês e teve a grata surpresa de encontrar uma piscina aquecida em Helsinque. Faltavam duas semanas para Tetsuo fazer sua estréia em Jogos Olímpicos e ele resolveu fazer o que sabia fazer muito bem, treinar duro para recuperar o tempo perdido. A estréia de Tetsuo foi nos 400m livre e o tempo obtido foi perto do seu melhor, dando o ânimo necessário para a prova de 1500.
31 de julho de 1952 – a eliminatória dos 1500 livre
Tetsuo nadou muito bem a sua série, chegando em primeiro lugar, com o surpreendente tempo de 19:05:6, recuperando novamente o recorde sulamericano. Sylvio Kelly não nadou bem, fazendo o tempo de 19:26:8, 19 segundos pior do que seu recorde sulamericano, ficando de fora da final dos 1500. As séries eliminatórias dos 1500 foram muito fortes e todos os finalistas superaram o antigo recorde olímpico, fato impensável nos dias de hoje. O peixe voador Shiro Hashizume abaixou o recorde olímpico em 38 segundos, com o tempo de 18:34:0. O americano Ford Konno classificou-se em segundo. Tetsuo classificou-se para a final com o quarto tempo, a frente do campeão olímpico de 1948, o americano Jim Mclane e do outro peixe voador japonês, Yasuo Kitamura. O ouro parecia ter dono, pois Hashizume nadou com facilidade a eliminatória e os outros nadadores iriam brigar pela prata e pelo bronze.
A final da prova foi no dia 02 de agosto de 1952. Tetsuo estava muito ansioso na véspera da prova e não conseguiu dormir, passando a noite em claro conversando com o chefe da delegação brasileira.
02 de agosto de 1952 – A grande final dos 1500m livre
A final dos 1500m foi sensacional. Os jornais da época classificaram essa prova como “Um dos maiores duelos aquáticos dos Jogos Olímpicos Modernos”.
Reproduzo abaixo as parciais disponíveis da prova, publicadas por Pedro Junqueira no site Best Swimming (O inesquecível Tetsuo – Parte II):
Hashizume saiu num ritmo muito forte, disposto a definir a prova logo no início, mas Konno e Tetsuo também forçaram muito e acompaharam de perto a arrancada de Hashizume até os 600 metros. Tetsuo cansou e foi perdendo o contato com os líderes da prova e ao mesmo tempo McLane começou a caçar Tetsuo em busca do bronze. Nos 1200 metros Konno e Hashizume viraram praticamente juntos e McLane estava praticamente colado em Tetsuo. Konno realizou uma arrancada sensacional nos últimos 300 metros, atropelando o peixe voador japonês e estabelecendo o novo recorde olímpico da prova, melhorando em 4 segundos a marca obtida por Hashizume na eliminatória. A briga pelo bronze olímpico foi mais sensacional ainda, com McLane virando junto com Tetsuo nos 1300 metros e virando na frente nos 1400 metros. Parecia que o Brasil iria amargar um quarto lugar, já que uma arrancada dessas é quase impossível de reverter nos 1500 metros. Nos 1450 metros McLane ainda virou na frente, mas Tetsuo conseguiu arrancar forças sabe-se lá de onde para bater na frente de McLane por dois décimos de segundo, em uma reviravolta incrível. Tetsuo e McLane fecharam os últimos 100 metros em uma parcial mais forte que Konno, o campeão da prova. O público vibrou muito com essa prova e aplaudiu o podium “japonês” dos Jogos Olímpicos de Helsinque.
Tetsuo superou os recordes sulamericanos dos 500 metros, 800 metros e 1000 metros nas parciais dessa prova dos 1500, porém esses recordes não foram homologados, já que eram parciais de prova, sem cronometragem oficial.
Seja bem-vindo ao Hall da Fama Tetsuo!
Por obter esta sensacional medalha olímpica nos 1500 metros nado livre e pelas medalhas obtidas nos jogos Pan-americanos, além dos recordes brasileiros e sulamericanos obtidos, Tetsuo Okamoto é o primeiro membro do recém fundado Hall da Fama da Natação Brasileira.
Preparamos um certificado para registrar essa homenagem a Tetsuo Okamoto e pretendemos entregá-lo para algum familiar ou amigo de Tetsuo.
Nos arquivos abaixo estão alguns recortes de jornal fornecidos por Osmar Baptista Silva, que possui um acervo invejável de reportagens sobre natação. Gostaria de registrar um agradecimento especial ao Osmar, que preservou esse importante material.
Seguem algumas referências sobre Tetsuo Okamoto na internet:
Os excelentes artigos de Pedro Junqueira na Best Swimming:
Reportagem da revista Nippon:
Posts de Carlus Maximus e de Alexandre Sakai:
Veja Online:
Terceiro Tempo
Wikipedia:
Boa! Eu lembro do Tetsuo da epoca que eu nadava em Bauru e ele aparecia nas competicoes no Yara Clube nos anos 80-90. Entregava premiações e tudo. Um mestre da natação e um dos primeiros ídolos que vi ao vivo… Ídolo sim, pois afinal de contas ele era até citado na edição nacional do Manual do Escoteiro Mirim… E agora parte do Hall of Fame merecidamente! Muito bacanas os clippings, por sinal! Abraços!
Isso mesmo Munhoz, o Tetsuo foi um embaixador da natação mesmo. Era comum ele comparecer em competições para premiar os atletas.
Muito bom início do HFNB.
Sensacional o fato de que o quarto colocado passou-o nos 1400, mas Tetsuo conseguiu virar e ganhar na batida de mão! Bronze suado.
Brindemos ao Tetsuo.
Mais um brinde para o Tetsuo!!
E o quarto colocado era o campeão olímpico em 1948.
Não tive a oportunidade de conhecer o Tetsuo pessoalmente. Uma pena!
Também tive contato com a história do seu bronze através de um manual – o Manual dos Jogos Olímpicos do Pateta, acredito que li em 1980.
Não sabia da história da prova – fantástica a reviravolta após a reação de McLane nem da sua trajetória como atleta. Sem dúvida, grande orgulho para a natação brasileira.
Temos notícias de quanto foi a melhor marca dele e se ele chegou a nadar na Olimpíada de 1956? Pode ser que a piscina gelada tenha limitado as possibilidades.
Carlão, parabéns pelo trabalho de levantamento de informações. O post ficou excelente!
Inauguração de gala para o Hall da Fama da Natação Brasileira.
Depois dos Jogos Olímpicos de 52 Tetsuo parou de se dedicar tnto aos treinos e não repetiu mais a sua excepcional performance em Helsinque. A última competição pelo Brasil foi o sulamericano de 54 em São Paulo, onde ele pegou 4o. nos 100 livre e ouro nos revesamentos. (fonte: http://www.bestswimming.com.br/conteudo.php?i=8360)
Em 56 Tetsuo não nadou e nenhum dos outros medalhistas nadou os 1500. Ford Konno ganhou uma prata nos 4×200.
Muito legal a ideia do HFNB e mais do que justo o primeiro homenageado. Tb tenho lembranças – como o Munhoz – do Tetsuo nas competições em Marília. Infelizmente estou bem atribulado ultimamente e sempre perdendo o “time” e, sem ele, para postar comentários….mas sempre de olho nos posts que estão cada vez melhores….abs!
Pedrazzi, reduza uma hora nos seus treinos diários dedique esse tempo ao Epichurus!!!!
Sempre ouvi falar do Tetsuo, mas não sabia nada da sua história. Esse post me tirou da ignorância! Obrigada!
Me tirou da ignorância também Marina!!!!
Excelente! Eu não conhecia a história do Tetsuo! O que acho interessante é que o Brasil só teve dois fundistas de grande renome internacional: Tetsuo e Djan (outro que em breve estará no HFNB). Não temos nenhum fundista com chance de medalha olímpica a mais de 30 anos! A CBDA precisa repensar estratégias para resgatar o Fundo brasileiro! Acho sensacional que Tetsuo foi o 1º a ser nomeado, não só por ser o 1º medalhista olímpico da natação brasileira, mas também pela raridade de bons fundistas no nosso país!
Pingback: .: Rogério Romero :.
bem galera, to de volta após uns dias de folga (viagem com a filha)…
e pra variar, corro pra cá para saber das “últimas”, e fico cada vez mais admirado pela condução do Blog…
a princípio iria dizer que os manifestantes fizeram pouco em atear fogo na kombi, mas após ler este belíssimo artigo de homenagear o Tetsuo Okamoto como sendo o primeiro indicado, acabei mudando de idéia e vou mandar cada um deles durante uma semana treinar 20km por dia, com séries básicas de 4×1500, 10×800, e por aí vai…
Justíssima a homenagem, e a história contada (confesso que o conheci muito pouco, vendo-o sómente umas 2 ou 3 vezes) que também me tirou da ignorancia…
simplesmente sensacional a narrativa da prova, principalmente numa prova de 1500, no bagaço quase total, onde sómente um atleta totalmente voltado a superar seus limites conseguiria fazer a reviravolta que ele conseguiu.
Parabéns a Tetsuo (que Deus lhe de uns treininhos mais leves e em águas mornas), e ao blog pela iniciativa…
Obrigado Jorge! E bom retorno para o Epichurus!
Esses últimos 100 metros da prova devem ter sido sensacionais. Pena não termos o vídeo para assistir.
Achei a punição de treinos de 20km bem apropriada para aqueles vândalos. Acho que no meio do treino poderia ter uma série de 10×200 com camiseta e parachute só para dar uma animada nos caras.
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Agora que eu vi que o “pega” entre o Ford e o Hashizume também foi animado. Ford sempre cerca de 2s atrás, viram juntos nos 1200m e despacha nos últimos 300.
Parece que o japonês do Japão viu que não dava pra encarar no final e administrou a prata nos últimos 200m.