Depois de reler alguns dos ótimos posts do Fernando Magalhães (um dos melhores nadadores de livre da minha geração), e do Renato Cordani (um legítimo PEBA, mas de perseverança inquebrantável) me ocorreu que ambos – assim como eu e muitos outros – obtiveram lições importantes dos revezes que viveram. Perder talvez seja o ponto em comum a unir os esportistas, afinal ninguém (que eu saiba) começa direto na elite ou na alta performance. Os que falharam em “chegar lá”, assim como os que “quase chegaram lá” aprenderam principalmente com derrotas. Já aqueles que viram qualquer esporte do topo podem até ter um track record altamente positivo, mas certamente tem ainda melhores histórias de superação e virada de jogo… que em geral começaram em surras ou falhas. Ouso dizer que talvez certas derrotas sofridas devam ser mais importantes para o decorrer de uma vida do que as maiores conquistas.
E quer saber ? “Talvez” coisa nenhuma… Para mim pelo menos, certas derrotas devem ter sido mais importantes mesmo. E não porque sendo PEBA, eu perdesse muito (embora isso fosse verdade, especialmente durante a temporada)… Sofrer certas derrotas foi duro, mas me ajudou a ter o foco e motivação necessários para ir atrás daquilo que realmente queria ou a serenidade para mudar algo que não estava mais funcionando. E esses aprendizados duram pra sempre. Sei lá se isso é assim para a maioria… não deve ser para quem nunca perdeu. Mas convenhamos que esses casos devem ser extremamente raros e breves.
Outro dia num almoço pós treino QNSPN, contei uma coisa neste tema que aparentemente não era conhecida, ou pelo menos não era lembrada pelos meus amigos: Eu nunca fui campeão brasileiro. Como em “Melhorando Que Nem Criança“, ainda novinho eu já aprendia a treinar, ficava mais rápido a cada dia e melhorava dezenas de segundos por temporada. Mas tendo competido diretamente contra um dos grandes nomes da natação infanto-juvenil da minha época – Marcio Santos (que valerá um post com mais detalhes no futuro), eu sofria bastante. Resultado: Acabei colecionando muito mais prata do que gostaria. Lembro de chegar com altas expectativas a um campeonato brasileiro infantil no Rio no começo de 83. Tinha melhorado muito desde um surpreendente segundo lugar em dezembro de 82, e me sentia muito bem. Até bati o recorde brasileiro de 100 peito na eliminatória: Sensacional! Mas cheguei na arquibancada ainda a tempo de ver o meu “nêmesis mirim” Marcio bater o mesmo recorde novamente. Na final, foi mais ou menos a mesma coisa. Não tenho a memória para detalhes do Renato ou do Esmaga, mas lembro de ver o Marcio quebrar vários recordes seguidos e ganhar as quatro provas nadadas. Um talento incrível. E eu por ali, logo atrás. Algumas vezes cheguei bem perto, outras nem tanto.Eventualmente, já como Juvenil, ganhei os 100 peito no Sulamericano de Maldonado, com o Marcio em segundo. Tenho orgulho da “conquista”, mas tenho mais orgulho da jornada até aquele ponto e em diante. Até alí foram vários anos de várias pratas (conquistas também) e mais que tudo, um belo aprendizado sobre paciência. Claro que aquilo era frustrante, mas as derrotas me ajudaram a ver que eu gostava mesmo de nadar e me faziam focar na parte que eu podia impactar: Meu resultado. E essa é uma das belezas de um esporte como a natação: Você só pode trabalhar para melhorar o seu tempo. Não tem nada nem ninguém que possam te garantir o ouro. Ainda mais quando você compete contra foras de série.
Óbviamente, não é preciso focar apenas nas derrotas na piscina, mas o que importa são aquelas perdas que deixam marcas e nos fazem mudar. Usemos o exemplo da Copa das Confederações na final de hoje. O Brasil, com ajuda de uma incrível torcida, deu um baile na festejada seleção espanhola – atual campeã mundial. Agora a seleção canarinho está por cima. E o que farão os espanhois até a Copa, depois dessa surra tomada? Um evento desses pode despertar os brios de um time, eu suponho… Ou talvez a teoria da derrota ser a catalizadora de mudanças positivas esteja errada e este seja apenas o começo do fim de mais uma seleção cheia de estrelas milionárias… torçamos por esta.
Outro dia o Renato Cordani me chamou a atenção para algo genial que o Sócrates – o nosso Magrão, não o filósofo grego – dizia sobre ganhar, sem parecer despeito. Isso porque ele tinha sido o capitão da seleção e um dos principais protagonistas na maior decepção sofrida pelo futebol brasileiro do século XX numa Copa que se deu mais ou menos na mesma época que eu começava a aprender a perder. Está no (atualmente inativo) blog Outro Olhar do Idelber Avelar: “o que é ganhar, cara? Ganhar não é porra nenhuma; ganhar não é merda nenhuma!”.
E o que é perder então?
O diabo é que a gente demora uns anos para entender isso aí que o Sócrates falou: ali na hora, perder dói muito. Depois de alguns anos a diferença entre um metal dourado e um prateado enferrujando na gaveta é muito pequeno.
Ganhar/perder só faz diferença mesmo para quem for viver da imagem, e nesse caso a geração do Sócrates (1982) conseguiu reverter boa parte daquela derrota em imagem positiva, que é cultuada até hoje. Então faz sentido para ele martelar essa versão, né?
Agora, com relação a perder, eu não tenho muito a contribuir, é melhor você perguntar para o Lelo… 🙂
Exato… colocando algum tempo e racionalidade entre o ocorrido e o dia de hoje, fica relativamente fácil notar o quanto as experiências (mais que a cor do metal) foram valiosas… Isso sem falar de tudo que vem junto… viagens, amigos, lugares, situações e imagens e sensações que definem quem somos muito mais que as “vitórias”. Mas é legal sabermos disso (mesmo hoje em dia) para quem sabe diminuir um pouco da ansiedade que isso pode gerar nos pequenos e naqueles que se importam… Já falei isso aqui, mas não gostaria de ver filho meu sofrendo em demasia por conta de performance esportiva, por mais orgulho que isso me desse… Abraços!
Ou pra mim. Que aprendi muito com minhas inúmeras derrotas e tentei passar o valor delas para os meus atletas e filhos. Uma beleza o texto do Munhoz. E quanto à manifestação do Magro, serve, e muito, para reflexão.
Obrigado, Orselli!
Tive a oportunidade de conversar com o Dr. Sócrates num evento de negócios em que ele palestrou faz uns 10 anos. Além de dono de um ótimo (e mordaz) senso de humor, ele certamente causava pensamentos diferentes ao seu redor. Uma pena que se foi, mas deixou sua marca muito além de qualquer vitória.
Abraços!
Perspectiva, hoje olhamos para o passado com uma visao de quem ja viveu um pouco mais da vida, com prioridades diferentes. E muito dificil analizar o passado com a perspectiva do presente. A minha grande motivacao era o fato de odiar perder, odiava perder mais do que gostava de ganhar.
Fala aí Oscar! Eu entendo seu ponto e concordo que essa perspectiva só vem com o tempo… nem adianta forçar e talvez seja bom assim, pois em geral só aprendemos vivendo na pele. Mas é bom que aprendamos e constatemos isso. Numa nota mais pessoal, eu fui vítima de seu ódio de perder algumas vezes, justamente na prova que mais gostava (infelizmente para mim 🙂 ) … é essa a vida de Peba… Abraços!
Ei Munhoz, desde quando prata é derrota? O meu quarto lugar no Brasileiro é vitória! Aliás, eu tive mais vitórias que derrotas: fiz várias vezes índices para Brasileiros (por várias temporadas minha meta principal), fui chamada para seleção paulista (JEBS), ganhei prêmios por nadadora destaque no próprio paineiras, fui finalista de paulista e até ganhei o campeonato algumas vezes, ganhei medalhas em regionais, amistosos, e melhorava meu tempo a cada competição pelo menos até os 15 anos. A verdade é que nunca tive o sonho olímpico (ainda bem!), e portanto quase tudo era vitória! Engraçado que no polo aquático, onde fui sim seleção brasileira, não me sinto melhor do que fui na natação. Na natação cada coisinha foi conquistada com muito esforço e dedicação. No polo, as conquistas se davam principalmente por simplesmente por falta de quorum. Tudo é perspectiva, não?
Marina, tudo é relativo realmente, mas note que tem vezes que o cara não fica contente nem com o ouro! Cá entre nós, nunca entendi aqueles muito exigentes consigo 100% do tempo, mas deve ser algo importante para quem quer ser fora de série e não tem um dom muito superior a média… Mas o ponto deve ser que a derrota ou vitória está no que sentimos, ou para usar o chavão básico: Está dentro de nós, assim como praticamente todo desafio. Beijos!
Eu acho que perder é 100% ligado a espectativa pré-evento. Se a sua espectativa é ficar em 4º e você leva a prata, vai ficar feliz da vida, mesmo tendo perdido o ouro. Já se você é favorito e vem a prata, a derrota doi muito.
Eu tive várias derrotas que doeram muito, outras nem tanto. O meu 5º lugar no 100m peito no Julio Delamare de 1989 foi talvez a pior derrota da minha vida, não tanto pela posição em si, mas porque a minha espectativa era levar no mínimo a prata. Se a prata viesse, eu ficaria feliz, mesmo tendo perdido o ouro.
Nadar pra 1’06 nas eliminatórias das Olimpiadas de 1992 foi outra “derrota” avassaladora. Não foi a posição que fiquei, que sinceramente nem lembro qual foi, mas o tempo foi tão ruim (se comparado com a minha espectativa) que fiquei acabado…
Boa Lelo! Realmente isso complementa algo do post e do comentário da Marina. Assim como na comunicação/marketing onde “valor percebido” = “expectativa” – “custo percebido”… as expectativas baixas (ou realistas ao menos) são fundamentais para a otimização do resultado obtido… Mas as vezes é simplesmente impossível ter expectativas baixas… P.ex. em jogos da seleção brasileira nos próximos meses! 🙂 Abração!
Já ouvi várias vezes que “…o segundo colocado foi o primeiro que perdeu!”.
Não penso assim. Acredito que ao atingir o objetivo alcançamos a vitória. Para os mais talentosos e mais determinados, tocar na frente é o único objetivo. Para outros, abaixar um décimo equivale à vitória. E, quando chegamos a uma certa idade, master 50+ como eu ou 70+ como o Orselli, não piorar o tempo passa a ser mais importante que chegar na frente!
Pois é Aécio… Sem desvalorizar a vitória e sem ficar no lugar comum do “o importante é competir”, acho que no fundo é isso mesmo! Podemos defender que quem perde mesmo quem não tenta fazer aquilo que gosta. Quanto aos nosso time de PEBAS (praticamente todos no 40+) – estamos na mesma briga de tentar não piorar muito os tempos que fizemos no ano passado! Em Ribeirão vamos ver se conseguimos… Abraços!
Pois é, afinal, que graça haveria nos esportes se só os que vão ganhar participassem das competições. Os que vão perder também tem que estar lá…… rs,rs
.
Será que se o Brasil houvesse conquistado o tetra em 1982 a relação do Magrão com o alcool teria tido alguma diferença?
Não sei e nunca saberemos, mas a afirmação “ganhar não é porra nenhuma” não veio do Munhoz que lida de modo equilibrado com a pós-derrota, apesar das pertinentes considerações do Oscar, nem de um campeão olímpico.
No esporte convivemos diariamente com a derrota e a vitória é sempre um objetivo ou, no mínimo, um sonho. Ou seja, pra quem é esportista, nem a derrota, nem a vitória pode ser considerada “porra nenhuma”.
Para mim, uma clara evidência de que o Doutor lidou muito mal com a frustração que viveu.
Isso não abala a admiração que tenho pelo craque que Sócrates foi e por sua forte personalidade.
Belíssimo texto Munhoz.