(Esse é para vocês que perguntam se nós do Epichurus sempre fomos amigos ou se a gente competia um contra o outro versão sem cortes)
Minha rivalidade com o Marcelo Menezes (Lelo) começou em 1987, quando ele passou para o Juvenil B, antes disso eu nem sabia que ele existia. O ano a mais que eu tinha (17 contra 16) ainda fazia diferença, mas confesso que, apesar de levar vantagem durante todo esse ano, me impressionei com sua força mental e com o seu potencial. Ou seja, eu ainda ganhava dele, mas já sabia que no futuro quando ele perdesse aquele físico de rato-recém-nascido eu poderia ter problemas.
O clip a seguir (2min42s) foi extraído do sensacional material gravado pelo pai dele. Algumas fitas se perderam, outras estavam desmagnetizadas, o pai dele não filmava tudo e claro que nem sempre a gente pegava raias contíguas nas finais. Mesmo assim foi fácil garimpar nos vídeos que restaram as cenas abaixo, e olha que eu ainda cortei várias para não ficar muito comprido…
Rivalidade Renato x Lelo em imagens, com a voz da Tia Yella.
Eu nadava pelo Paineiras e ele pelo Paulistano. Em 1988 eu tive problemas físicos, e o Lelo teve o seu primeiro grande crescimento técnico no ora famoso Clube dos Cinco, mas ainda ganhei dele os 200P do TB de fevereiro de 1989 (link). Entretanto, dali para a frente a rivalidade prometia pegar fogo e, para complicar um pouco mais, o sujeito desesperado para aprender comigo resolveu vir para o Paineiras…
Acontecia mais ou menos assim. A gente nadava as mesmas provas (100P, 200P, 200M, 400M), sendo que na época as melhores provas de nós dois eram os 200P e 400M. Durante a nossa carreira, só considerando Finkel e TB foram quinze (15) Finais A individuais juntos, então imaginem o número de provas que nos digladiamos considerando regionais, vermelhinhas, amistosos, eliminatórias, interfederativos, paulistas e brasileiros de categoria!
Sobre essa época que treinávamos juntos no CPM, certa vez minha mãe (que também não perdia uma competição) relatou que ficavam todos os pais na arquibancada conversando animadamente, até a hora em que o Renato e o Lelo iam nadar. Aí, silenciosa e automaticamente, os oriundos do CAP torciam pelo Lelo, enquanto os que já eram do CPM torciam por mim. Aí ficava aquele silêncio, procurava-se falar o mínimo possível para não melindrar a outra parte. Acabada a prova, a conversa voltava ao normal.
Por outro lado, também nessa época comecei a frequentar a casa dele, e fora o fato de que ele regulava bananas para não me fortalecer, iniciamos uma grande amizade. Teve uma vez circa 1990 que a gente assistiu na casa dele uma gravação de um regional de 1987 cujo vencedor a gente não lembrava, ficamos torcendo em frente à TV para ver quem ganhava (e óbvio que o vencedor fui eu)!
O ano de 1990 por sinal foi o último em que havia rivalidade “de sair faísca”, antes do Lelo ir para os EUA e galgar um degrau técnico extra. Nesse ano, em janeiro ele levou o bronze do TB me deixando em quarto (link), mas em julho eu dei-lhe o troco e peguei o bronze dos 400 medley no Finkel deixando-o na quarta posição (link). (Aliás, meus quatro metais de brasileiro contavam com o Lelo na mesma final.)
A partir de 1991 a gente ficou cada vez menos rival e cada vez mais amigo, mas não obstante ainda frequentávamos as mesmas finais e alguns pódiuns de TB juntos. Entre 1993 e 1995 o Lelo pegou várias seleções e bateu um recorde brasileiro absoluto, enquanto eu já tinha abandonado o sonho olímpico e estava com outros objetivos. Seu maior adversário nesse período era o Oscar Godoi. Eu ainda incomodava nos paulistas e lhe fazia frente nos 400 medley até em brasileiros, porém nos 200 peito em TB e JF nunca mais ganhei dele. Mas se você for ver o quadro de medalhas, para cada prata de paulista dele tem um ouro correspondente na minha casa!
Último duelo
Nosso último duelo em junho de 1996 foi marcante. Eu tinha objetivos diversos fora da piscina, nem nadava mais Finkel e TB, e estava polido e raspado para o paulista de inverno em Campinas, já o Lelo estava em pleno treinamento para o Finkel que seria dali a duas semanas. Ele era o então recordista brasileiro absoluto (2:16.41), estava tentando vaga para as olimpíadas de Atlanta, era patrocinado pelo Extra e levou sua namorada (hoje esposa) para vê-lo nadar o paulistinha. Aí eu surpreendi e ganhei a prova, e a Patty até hoje se lembra da decepção que sentiu ao ver como o namorado era peba, onde já se viu perder para aquele chegado cabeludo e desencanado? Hahaha.
O Renato tirou segundo, pelo menos?
Por fim, as palavras do título que escaparam da tia Yella no filme mostram a interessante ambiguidade entre a rivalidade e a amizade, quer dizer, ressalvado o fato de o filho dela ter ganho o TB, o Renato tirou segundo pelo menos? Foi emocionante ouvir essas palavras muito tempo depois da prova do TB de 1994. E não, não tirei segundo, fiquei em terceiro, mas o bronze estava mais do que bom!
Hoje o que sobrou além da amizade são as lembranças, os vídeos e alguns metais. Por sorte o Lelo é preguiçoso demais e só fica jogando videogame não treina mais, então a gente só mantém a rivalidade no poker, no bigode e no karaokê.
E, evidentemente, eu quase sempre ganho! ;-).
E você, tem/já teve um mala rival assim?
Gostei muito desse texto (e video) e fico feliz de ter acompanhado essa rivalidade e amizade por tantos anos… Nos 200 peito eu era mais Peba ainda, mas ainda apareço em algumas dessas épicas finais.
Mas uma rápida observação… Como vocês eram magrelos / fracotes hein? Pelamordedeus…:-) Grande abraço!
Valeu Munhaz.
E de fato é forçoso reconhecer: o sr. era muito peba.
Sensacional Renato!!!!
Miha, o sr. faltou no treino de sexta passada, quero ver amanhã. Se o sr. não for vou ligar para o Pancho!
O legal é saber que a disputa era nos 200 peito e 400 medley, provas perrengues!!!!
e não uma rivalidade tradicional como os 50 livre (espero que o Bonotti e Miyahara nao reclamem do meu comentário).
Patrick, esse pessoal do 50L é muito melindrado, se bem que acho que 50L nem chega a ser natação!
Muito bom Renato !! Valeu a espera !
hehe, beijo Claudia 🙂
Não tenham dúvidas, essa é a melhor parte do esporte! Como sempre, gostei muito do texto e mando um fraterno abraço pra todos os peitistas.
Valeu Orselli. O mais importante realmente é o que fica.
E você tinha um mala desse tipo na sua cola na época?
Sensacional o texto e a edição do filme ficou show!
Eu sempre considerei os 200m peito como minha prova mais forte. Começei a dar mais enfase nos 100m peito a partir de 1992, unica e exclusivamente porque era a única chance de ir para as Olimpiadas. O indice de 200m peito era impossível de ser atingido, mas mesmo assim sempre gostei mais de nadar os 200m. Os 400m Medley eu até gostava de nadar, pelo menos até 1990/91, depois disso começei a deixa-lo de lado, principalmente em piscina longa, mas é fato que nunca o considerei como uma das minhas provas, embora a prata no Julio Delamare de 1988, tenha sido fundamental na minha primeira convocação pra seleção brasileira.
Eu também não lembro do Renato antes de 1987. No Infantil meu rival era outro paineirense, Jorge Taiar. O Renato virou adversário em 1987 mesmo, quando ganhou aquele Julio Delamare com propriedade e eu terminei somente em 6º. Dali pra frente foram de fato “N” finais juntos!
A rivalidade faz parte do esporte, mas é curioso ver como nunca deixamos afetar nossa amizade. Acho isso muito legal! O engraçado é que tinhamos uma grande rivalidade nas piscinas no passado mas hoje não dá pra considerar ele um rival no Poker. Ele consegue ser mais PEBA no poker do que foi na natação! É vergonhoso ver o cara dar um ALL IN com um par de 3.
Quanto aos episódios contados, minha mãe ficava p… da vida mesmo quando o Renato ia em casa e literalmente comia todas as bananas que tinham ali. Se tivesse 5, ele comia as 5. Se tivesse 3, ele comia as 3. Nunca entendi esse fascinio do Renato por bananas. Isso dura até hoje. Ele adora a tal fruta! Nunca vi coisa igual!
A Patricia, minha esposa, assistiu somente uma competição de natação na vida. Pedi encarecidamente pra ela ir ao Troféu Brasil de 1994, quando venci os 200m peito, mas ela não pode ir porque o Rio de Janeiro era muito longe de Ribeirão Preto. Depois implorei para ela ir ao Finkel de 1995 em Santos, onde eu quebrei o recorde brasileiro dos 200m peito (com direito a narração espetacular do Mário Xavier), mas ela de novo não foi com a desculpa que o pai dela queria ir junto e ela não queria que o sogrão fosse. Aí em 1996 ela finalmente aceita o convite pra ver o Paulista. Eu achando que ia ganhar com o pé nas costas. Eu e o Renato nadamos lado a lado e como eu era mais veloz, decidi adotar uma técnica que eu raramente usei na vida, a técnica da cozinhada. Decidi passar mais fraco, controlar a prova ao lado dele e dar o bote nos últimos 25m. Só que o malandro acho que pressentiu isso e quando forcei os ultimos 25, ele também forçou e estava melhor que eu. Ganhou e eu tive que ver a cara de desgosto da patroa! Ainda tentei aquelas explicações que começam com o famoso “Veja bem…”, mas nunca colou. Ela até hoje acha que eu sou um baita PEBA por ter perdido aquele paulista pro Renato. Fazer o que!!!
Lelo, sobre as bananas:
Infelizmente esse desespero pela fruta foi passado ao Renato pelo meu pai. Diz a lenda que Umberto Cordani, ainda jovem, foi visitar a amiga Conceição na maternidade (esposa do ex-diretor do IG da USP Celso de Barros Gomes). A parturiente havia ganho de alguma outra visita um cacho de bananas, acho que eram prata. Meu pai comeu todas no curto espaço de tempo em que esteve no hospital! Portanto, não é culpa do renato, he can’t help it!
Marina, vou te explicar o que aconteceu. Um dia fizemos um treino de 18mil só de peito, aí fomos para a casa do Lelo. Na cesta de frutas havia quatro bananas, e estávamos em quatro. O Grangeiro ficou com uma, o Menê com outra e o Lelo queria DUAS! Eu só queria uma para mim! Nada mais do que isso, mas o miserável comeu as duas, deixando-me em estado semi-falimentar!
Marina,
Eu senti a mesquinharia do seu irmão quando ele ficou internado por um tempo no hospitarl após um leve afundamento da parte frontal do crânio. Os visitantes traziam chocolates para ele e eu suplicava por um chocolatinho, mas o mão de vaca não deixava eu comer.
O que mais me impressionou no Lelo sempre foi a sua coragem, vou dar apenas um exemplo.
Sempre que ele jogava bexigas de água pela janela e o William percebia e vinha dar bronca, no MINUTO que ele (William) dava seus primeiros passos no corredor do Hotel o Lelo já entrava debaixo da cama. Podia ter bicho papão, podia ter teia de aranha, barata, não importa. Mesmo que estivesse super escuro, o Lelo encarava e ficava lá embaixo até o William ir embora. Realmente uma coragem impressionante!
Renato, parabéns pelo texto! Só vou comentar um detalhe que achei muito bem bolado e me fez rir muito: as frases riscadas! Muito engraçado!
Sério Tulipa? Eu pensei que os riscados não apareciam para vocês! Quer dizer que o Lelo leu então sobre o físico de rato, sobre seu desespero em aprender comigo, sobre a preguiça atual, essas coisas? Não acredito! 🙂
Posso confirmar… os riscados apareceram para mim também e estão sensacionais!
Olha, essa edição do vídeo ficou sensacional!
O texto rico em detalhes, irônico, dá a medida de uma amizade construída a partir do esporte de que tenho orgulho e satisfação em compartilhar.
Parabéns Cordani!
Só fiquei na dúvida de como está o placar all-time do pôquer e do karaokê, já que cogitar uma disputa de bigode não faz o mínimo sentido.
Esmaga, acredite, você não perdeu NADA em não estar no dia em que ele cantou “Piano Man” no karaoke do ECP!
Quando eu canto “Piano Man” no karaoke do ECP, todas as velhinhas 70+ vão ao delírio!
Nooooosa … bexigas dágua atiradas de um Hotel para o outro … kkkk Já tinha me esquecido disso e me lembro automaticamente de Milena Schidlow pela animação que ela ficava nesses eventos!
No meu caso a competição acirrada era com Paula Renata Aguiar e Paula Marsiglia nas provas curtas.
Beijos
Oi Paolete, você aparece nesse post (e no filme), você viu?
https://epichurus.com/2013/05/06/finkel-1990-o-ponto-de-inflexao-da-natacao-brasileira/
Pingback: 2014 é ano de Copa e de Epichurus às segundas. « Epichurus
Pingback: Peba em longa, eu? (e o RB do Lelo) | Epichurus