EPICHURUS

Natação e cia.

400 Medley e o Masoquista

Eu não esperava encarar um 400 Medley naquele treino noturno. Muito menos três. Mas como sempre estou procurando “sarna para me coçar” – de acordo com a minha mãe – e como a idéia saiu da minha cachola, não deveria me surpreender.

Admito que, ao chegar ao Paineiras as 9 da noite daquela amena noite de inverno e ver que a piscina estava sem ninguém nadando, imaginei ela só pra mim e me animei. Pensei que seria um bom dia (noite no caso) para nadar um pouco mais: Talvez uns tirinhos de borboleta (meu estilo favorito ultimamente), aproveitando aquela água lisinha…

Piscina só pra mim ou "My precious..."

Piscina só pra mim ou “My precious…”

As crianças já estavam alimentadas e postas pra dormir e a patroa, em viagem, não iria ficar chateada com um eventual atraso decorrente de um treino mais longo. Tendo apenas saído para caminhar perto de casa, eu nem tinha levado calção ou oclinhos. Mas isso não é mais problema, desde que adquiri acesso ao armário do Matuska com todo meu material reserva ali. Ou seja: Não tinha nem desculpinhas.

Caí na água, cinco minutos depois, lembrando do meu próprio comentário sobre nadar com espontaneidade feito no post de auto-ajuda do Renato e fiquei contente.

Como de costume, no aquecimento, comecei a formular o treino que iria fazer. Não sei exatamente o que se apossou da minha mente nessa hora, mas pensei em incluir na série principal uns 400 medley. Acho que provavelmente fui influenciado por um treino do Djan Madruga, publicado por ele no Facebook havia uns dias. Pelos tempos publicados, foi uma bela série de um nadador Master de alta qualidade, que mesmo sendo 14 anos mais velho que eu e nadando em longa, me detonaria: 3×400 Medley p/ 7′, progressivo, fechando com 5’45. Mas o cara está longe de ser Peba, já que em Moscou, além da medalha de bronze no 4×200 liv  ele ficou em 5o lugar justamente nos 400 Medley.  De qualquer forma, resolvi fazer um intervalo relativamente curto, de 6’30 já que intervalos longos adicionam pressão desnecessária para tempos em uma série deste tipo, na minha opinião. E saí para a série.

No meio do costas do 1o tiro veio o pensamento: “Isso é masoquismo? “.

Nunca li nada do Leopold Rittervon Sacher-Masoch e não sou um especialista, mas que outra explicação haveria? Claro que o livre arbítrio para aceitar um desafio auto-imposta é parte da coisa, mas os 400 Medley são uma tortura requintada também. Ou pelo menos, essa é minha opinião.

Tenho para mim que nadar 400 Medley forte sempre foi algo fisicamente meio desagradável, desde a primeira vez que nadei isso num treino e simplesmente horrível em competições. Eu sempre sentia uma ansiedade negativa antes de nadar essa prova e lembro de pelo menos dois brasileiros que não dormi na noite anterior, antecipando aquelas mudança de estilos, de respiração, a intensidade constante e o estado de cansaço no fim da prova. Eu não sentia isso na véspera de nenhuma outra prova. Em retrospecto, acho que nem deveria nadar aquilo, mas sim me focar nos 100 peito. Mas cheguei a ganhar uns paulistas e pegar medalhas em brasileiros Juvenil nos 400 Medley também, então estava tudo no mesmo patamar. Se nadar os 400 Medley me traziam algo de positivo, isso era valorizar a rapidez das outras provas, especialmente dos 100m…

Mas ao mesmo tempo, a prova de 400 Medley é uma das que o Brasil mais tem “tradição” Olímpica. Além do já citado Djan como finalista, temos duas medalhas de prata relativamente recentes: Ricardo Prado e Thiago Pereira. E me lembrei do Renato falando de “prazer de nadar” os 400 Medley recentemente.  Lembrei do meu colega da Luso, Fabrício Oliveira Pedro, que – ao lado do Julio Rebollal – ganhou das Casas Pernambucanas uma viagem para ver as Olimpíadas nadando com primor justamente essa prova. E, claro, me lembrei de como o Ricardo Prado parecia transformar os 400 Medley em algo fácil para quem (como eu) o assistia, deixando concorrentes (como eu também) a dezenas de metros para trás em competições locais. Lembro também de ler na imprensa da época do hype Olímpico de Los Angeles que esta era a prova mais completa da natação. Isso pode ser verdade… Mas nadar a mesma é um negócio difícil e chato.

Acho que pode haver um certo fetiche interessante em completar 100 m de cada estilo e vencer o desafio dos 400 Medley “bem nadados”, mas o único prazer mesmo que eu tinha em nadar aquilo num Paulista ou JD era terminar a prova sem dar uma vomitada no pé do cronometrista.

De qualquer jeito, segui, masoquisticamente, com a série até o fim. E progressivo (o nonno vai ficar orgulhoso, pois fui consistente)! Tempos Peba, porém honestos: 6’06 / 5’57 / 5’53. E aí lembrei que fazer série deste tipo trazem um grande prazer sim: Quando ficam para trás. Fazia anos que não nadava uma destas. Boa sensação de cansaço, apesar da leve dor no ombro de hoje. Mereço uma massagem agora – frescura que deveria ser permitida somente para os Pebas vecchios.

O Ministério da saúde recomenda o uso destes instrumentos de tortura com moderação.

O Ministério da saúde recomenda o uso destes instrumentos de tortura com moderação.

Minha mãe não precisa se preocupar: Não vou retomar minha carreira Master como nadador de 400 Medley. Pesado demais. Mas também não vou dizer que nunca mais vou nadar isso. Com o Mundial de Natação de Barcelona começando agora, em breve veremos os fora de serie nadando essa prova dos infernos. Se dermos sorte, veremos um cara como o Ryan Lochte ou mesmo o Thiago Pereira dando aquelas golfinhadas absurdas na saída da parede da última perna do crawl. De onde eles tiram força para aquilo, meu Deus?! É algo sobre humano, certamente.

Mas pelo menos vou saber que algo nos aproxima … Pebas ou bons, devemos ser todos um pouco masoquistas.

Sobre Rodrigo M. Munhoz

Abrace o Caos... http://abraceocaosdesp.wordpress.com

16 comentários em “400 Medley e o Masoquista

  1. rcordani
    22 de julho de 2013

    Muito bom o post Munhoz.

    Sobre treinos lembro que uma das séries que o Willian gostava e fiz algumas vezes foi 10×400 medley.

    Já sobre a prova eu só gostava de nadar polido e raspado, daquele jeito que eu disse que não era o caso nem de forçar, mas manter apenas o ritmo. Eu realmente não entendo esses caras como o Thiago que dão aquelas golfinhadas nos últimos 50m – se bem que na nossa época a gente não dava golfinhada nenhuma, e é claro que hoje em dia eu não consigo golfinhar nem no crawl dos 100 medley!

    • Rodrigo Munhoz
      22 de julho de 2013

      Os 10×400 Medley acho que fiz poucas vezes, e era duro demais… Não lembro as médias que eu fazia, (vou tentar achar algum exemplo nas parcas anotações de treino) mas lembro de fazer cerca de 5’20 em tiros firmes no treino, com o Willian também. Serviam mais como base do que preparação para a prova na minha opinião, mas eram igualmente desagradáveis, especialmente no começo de temporada ou quando não estava bem. De qualquer forma, aguardo o resultado da sua série de 3×400 Med, para compararmos, ok? Só peço que pegue leve 🙂

  2. Marina Cordani
    22 de julho de 2013

    400 medley foi minha melhor prova e eu gostava de nadá-la. Preferia do que os 200 Medley, pois 200 M. é quase uma prova de velocidade a cada estilo, cansa muuuuuuito. O 400 M. é uma prova mais tática e, apesar de também cansar muito no final (claro, é competição!), o meio da prova é mais agradável. Os treinos do Pancho eram criativos, e as séries eram tipo: 100 perna borboleta forte e um tiro de 100 costas. 100 perna costas forte e um tiro de 100 peito. 100 perna peito forte e um tiro de 100 crawl. Isso tudo várias vezes. etc, etc.

  3. Rodrigo M. Munhoz
    22 de julho de 2013

    Oi Marina, acho que os 200 Medley é mais intenso, mas termina muito mais rápido! O sofrimento do 400 Medley parecia se prolongar desumanamente… Mas é claro que tudo isso é uma questão de perspectiva, tipo de nadador e aptidão para a prova (e para a dor).
    Sobre trenos que variam muito as tarefas, acho que já comentei por aqui que hoje em dia, não gosto muito… mas na época de Juvenil eles ajudavam muito a vencer uma metragem maior sem ficar aborrecido. Era meio hiperativo, acho… Bjos!

  4. Lelo Menezes
    25 de julho de 2013

    Bom texto Munhoz! Eu nadei muitas vezes os 400m Medley, tanto durante temporada quanto polido e raspado. Eu nunca me importei de nadar a prova, mas confesso que com o passar dos anos cada vez mais evitava nada-la. Acho inclusive que a partir de 94 ou por aí nunca mais competi os 400m Medley. O William de fato amava o 10x400m. Alias, ouso dizer que foi a série que mais fiz na vida (mas de crawl). De Medley não eram tão comuns embora eu a tenha feito de Medley algumas vezes. Hoje em dia não cogito nada-la, nem em competição, nem em treino. Acho sim que você deve ter um “q” de masoquista pra fazer 3x400m Medley depois dos 40, mas como diz o ditado “Cada louco com sua mania”

    • Rodrigo M. Munhoz
      25 de julho de 2013

      Valei, Lelo! Acho que não nadamos muitas dessas juntos, o que é estranho… De qualquer forma, tenho a impressão que desisti do 400 medley ainda antes de você! E masoquismo está nadar no frio desta semana… mas vamos lá. Abraços!

  5. Fernando Cunha Magalhães
    30 de julho de 2013

    Nadei 400 medley somente uma vez em competição: 4’57” na piscina curta do Golfinho numa manhã de domingo com essa sensação relatada pelo Cordani…apenas cumprindo percurso sem a capacidade de nadar forte em algum momento da prova e chegando absolutamente exausto.

    Lembro de ver o LAM nadando-a várias vezes e a cara de dor durante o crawl dava para ver de longe. Certa vez o Gustavão (Pinto) inaugurou a respiração um para um no crawl, desesperado em busca do oxigênio, estratégia copiada um par de anos depois pelo extraordinário Tamas Darny, húngaro campeão mundial e olímpico da prova.

    Estava sempre atento a disputa também porque era a especialidade do meu amissíssimo Renato Ramalho, penta-campeão sulamericano da prova. Esse sim conseguia nadar forte trechos da prova.

    Agora, o Thiago Pereira fazer um parcial de 1’08” no peito e dar aquelas golfinhadas no crawl é realmente sobre humano. Não é à toa que mesmo depois da prata olímpica, decidiu não voltar a nadar mais essa prova. Fato esse que prova que você está realmente desequilibrado em se submeter a 3×400 medley depois das 9h da noite. Recomendo que procure um psiquiatra.

    • Rodrigo M. Munhoz
      5 de agosto de 2013

      Valeu, Esmaga!
      O Renato foi um grande ídolo nos 400 Medley da minha época. Nadava todos estilos bem e com muita força no fim da prova.
      Eu conversei com minha analista sobre seu comentário e ela disse que eu ainda estou sob controle, mas recomendou manter os tiros de 400 Medley abaixo de 4 por treino 🙂
      E hoje posso comentar: Já vimos no que deu o comentário do Thiago de não mais nadar a prova… Um belo bronze no Mundial. Abraço!

  6. Alessandra Batista
    31 de julho de 2013

    Ótimo!!! Desafios são muito bom!! Sempre gostei! Não pude deixar de comentar pois também tive de uma maneira totalmente diferente vontade de desafios diferente nos treinos.

    400m medley e 200m medley eu nadava também mas não era especialista. Com certeza é uma prova difícil como você disse pela variação. Eu perdia meu fôlego no peito pois sempre foi um estilo complicado pra mim.

    Acho importante quando você tá cansado da mesmice mesmo que necessária no treino, um desafio. Ainda mais quando você se impõe este desafio. O texto me lembrou um dia que treinei no Sábado junto com Ana Julia e no treino tinha 1500m no seu melhor estilo e quem tinha o melhor estilo borboleta, que era o meu caso, devia nadar crawl no lugar. Bem, eu decidi nadar borboleta. Ana Julia nadava peito. Isto foi no Clube Curitibano na piscina de 50m.

    Bom, depois daquele dia em que nadei os 1500m borboleta, em que a sensação ao final foi super prazerosa porém, mais prazerosa ainda foi nadar os 100m borboleta na próxima competição. Inclusive lembro de ter baixado quase 3 segundos do meu tempo na época me sentindo muito bem e com gás pra mais.

    Acho importante desafios! Pode fazer uma diferença enorme e claro que com muito senso. Eu continuo nadando mas sem compromisso. Foi muito chato parar como acho que foi pra maioria. Continuo nadando mas só mantendo e quando posso participo de travessias. São como desafios!

    Foi muito importante o desafio naquele momento. Melhorei meu estilo e meu foco! Acho que treinos deveriam incluir desafios diferentes.

    Parabéns pelo texto e mais ainda por concluir o desafio que você impôs pra você mesmo! E lembre-se pratique com moderação. rsrsrs

    • Rodrigo M. Munhoz
      5 de agosto de 2013

      Alessandra, antes tarde do que nunca: Vejo que temos filosofias parecidas na abordagem da natação/esporte. Também gosto de desafios, mas principalmente me foco na “manutenção” do contato com a água. Não faço mais muitas travessias, apesar de gostar de distâncias até 3,000m. E pode deixar que não vou exagerar nos tiros de 400 Medley, pois sou louco, ma non troppo. 🙂

      • Alessandra Batista
        8 de agosto de 2013

        Rsrsrsrs. Espero que não exagere mesmo rsrsrsrs. Afinal quem gosta de desafios sempre inventa outro no caminho…ainda vou tentar de 3000m faço de 1500 ou 2000. Mas agora estou na Alemanha e não encontrei ainda nenhuma informação sobre. 😉

  7. Frederico Prudente Marques
    31 de julho de 2013

    olha meu nome lá na reportagem ” 7 medalhas”, sniffff…..que saudades……

    • Rodrigo M. Munhoz
      5 de agosto de 2013

      Fred, esse recorte você não tinha né? Mostra pra família! Graaande Jornal da Cidade, Bauru, 1987… 26 anos voam. Apenas uma constatação de que vivemos bons tempos ao redor de piscinas. Abraços!

  8. Adriana Mendes
    2 de agosto de 2013

    Rodrigo, esse texto foi uma viagem no tempo. Eu, particularmente, sempre gostei dos 200 medley, mas minha coluna entortada não permite mais que nade borbo. Masoquismo, sim, os 400 medley, mas sensação de missão cumprida compensa. Vc escreve muito bem! Parabéns!

    • Rodrigo M. Munhoz
      5 de agosto de 2013

      Querida Adriana, muito legal te encontrar por aqui! E que bom que você gostou dessa minha “viajada”. Como você deve lembrar, eu também preferia fortemente os 200 Medley, mas tinha vezes que não havia maneira de escapar da tortura dos 400… Quanto a não poder nadar o borboleta, muito chato isso: é meu estilo favorito hoje em dia – sei lá porque. Mas espero que pelo menos um crawlzinho e peito ainda sejam viáveis! Beijos e tudo de bom!

  9. Pingback: E convenceram o cara a nadar! Thiago na final da prova odiosa. « Epichurus

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