EPICHURUS

Natação e cia.

Uma semana em 1989

Muitas vezes a gente conta aqui no Epichurus sobre os treinos que fazíamos, e como eles eram diferentes com relação a hoje em dia. Mas na real, vamos pegar uma semana típica e ver como efetivamente eram esses tais treinos?

Com vocês, uma semana de treinos do Paineiras em novembro de 1989.

(Treinos realizados entre 20 e 25 de novembro de 1989)

Durante esse ano de 1989 eu estava treinando para a Tragédia do Ibirapuera, e tipicamente o esquema semanal era assim (tudo em longa):

Segunda: dois períodos, 11 a 12 mil metros.

Terça: dois períodos, 11 a 12 mil metros.

Quarta: só de tarde, série forte 5 a 6 mil metros.

Quinta: dois períodos, 11 a 12 mil metros.

Sexta: dois períodos, 11 a 12 mil metros.

Sábado: só de manhã, em geral tiros de cima.

Domingo: descanso (quando não tinha competição).

Claro que a gente mais ou menos sabia pela série o ritmo que íamos fazer, não nadávamos no mesmo ritmo 10×400 ou 5×100. Porém, uma regra básica era a seguinte: fazer o mais forte possível, sempre. As porcentagens que a gente calculava na época eram em relação ao nosso melhor tempo, mas a ideia não era “diminuir o ritmo se estivesse muito forte”, isso nunca acontecia, as porcentagens só valiam para avaliar a performance de noite.

Desta semana que eu postei, por exemplo, dá para destacar o seguinte:

Segunda total 11400m + extensor fora da água: De manhã foi mais nadado, e de tarde teve 5×200 medley cada 3:15 progressivo e depois 8x150L cada 2:00. Vejam que depois da série de medley (que foi forte), ao invés de pegar leve nos 8×150 eu resolvi descer a bota. A série de medley eu marquei no meu próprio relógio de mão (sigla “R”), já os de 150 eu saí em terceiro na raia (facilitado pelo vácuo) e o William estava marcando os tempos ( w )(3°). Provavelmente em primeiro e segundo estavam saindo Granjeiro e David, fundistas monstros na época.

Terça total 11.300m + musculação (resistência): de manhã 3×200 perna P (peito) forte, e de tarde 8×25 100% e depois 8×300 L cada 4:00, saindo em primeiro na raia e com marcação do William ( w ). Para acabar, como se não bastasse a série da manhã, mais 5×100 perna P.

Quarta só 5.900m + flexibilidade: borrachinha dentro d’água e depois 5×100 peito de cima cada 7:00. Quem pegou meus tempos foi o Nílson Garbaz (Ni), hoje supervisor do SESI, e que era auxiliar do William em 1989. Pelos comentários, travei no último, mas fui bem no geral.

Quinta total 11.800m – era para ter extensor fora da água mas eu não fiz pois estava com dor no ombro direito (od): pela manhã 4×35 forte e depois 10x200L com intervalos curtos. De tarde, série longa em que eu acabei fazendo 5:48 em tiro de 500 (Ni). Ou seja, era para ter sido um treino mais “nadado” mas a gente ignorava e nadava o mais rápido possível.

Sexta 10.000m + musculação (potência): de manhã treino mais curto e de velocidade, e de tarde borrachinha dentro d’água e depois 3×400 medley, um inteiro e dois quebrados, fortes, todos os tempos marcados pelo Nilson (Ni).

Sábado na piscina curta de cima 6.200m: para coroar a semana, 2x4x50 de cima cada 3:00, ou seja, 100%. Ainda tive tempo de fazer 12×100 perna P cada 2:00, e aproveitando a ritmo forte da piscina curta fiz média de 1:25. Dá para ler nos comentários que eu saí no dia anterior (tinha 19 anos né?) e dormi apenas duas horas (se não me engano fui no bar Victoria na Lorena com o Salsicha pois o Marião iria tocar).

Resumo da semana: 56.600m, com tiros para todos os gostos. Essa foi a semana que os juvenis A e B foram para o Julio de Lamare de Goiania, daí o fato de que o William e o Nenê só deram treino em São Paulo até terça feira.

Willian_Nilson_1989

William de Lima e Nilson Garbáz no jornalzinho do CPM, março de 1989.

Esse esquemão foi repetido semana após semana, com pequenas variações até o polimento para a principal competição do ano, qual seja, o Trofeu Brasil. Nada mais importava, apenas o Troféu Brasil.

Não vou ressaltar o fato de que a gente não se alimentava e nem bebia água durante os treinos de 12k, pois isso já foi discutido neste outro post e o foco aqui são os treinos mesmo. Mas imaginem o que foi consumido de musculatura só nessa brincadeira…

Por fim: eu não nadava crawl (a não ser em revezamentos), meu negócio era 200 Peito e 400 Medley, no entanto como podem ver boa parcela dos treinos eram séries de crawl de fundo. Com esses treinos, não é de se admirar que a gente podia nadar na piscina ou fazer travessias com a mesma desenvoltura! Em 1990, por exemplo, eu nadei eliminatória para o mundial de 200 Peito em um domingo no JD e eliminatória para águas abertas 25km Ilhabela-Caraguá no outro domingo, e fui bem nas duas (sem obter a vaga do mundial, naturalmente).

R_Igor_Ilhabelacaragua_1990

Na Balsa de Ilhabela, outubro de 1990, segundos antes da partida para nadar 25km, ao lado de Igor de Souza. Eliminatórias do Mundial de Perth, 200 Peito  e 25km…

E você, também é old school?  Conte-nos como eram seus treinos!

Sobre rcordani

Palmeirense, geofísico, ex diretor da CBDA e nadador peba.

29 comentários em “Uma semana em 1989

  1. corranaviagem
    25 de abril de 2016

    Não é a toa que a maioria dos ex nadadores tem verdadeiro trauma da natação, hoje em
    dia aplicar um volume desse seria julgado como bullying.

    • rcordani
      25 de abril de 2016

      Podicrê Danilão, bulliyng total! Mas a gente gostava, né?

  2. Lelo Menezes
    25 de abril de 2016

    Caraca! Lendo agora os treinos a gente vê o quanto “overtrained” a gente era! O “Corranaviagem” aí de cima está certo. Eu fui um que peguei um certo trauma de treinar.

    Enfim, eu não fiz esses treinos aí no post porque fui um dos que foi para Goiânia no JD, mas essa semana não é diferente de muitas outras que fiz ao longo da carreira. Nos Estados Unidos não foi diferente. A metragem era a mesma, as vezes até pior. A diferença é que passei a treinar mais peito e com intensidade mais dosada e era “forçado” a tomar gatorade durante os treinos, algo tão simples de entender, mas que não me acostumei e só tomava quando o Maglischo puxava a orelha…

    Sobre 1989 tenho boas lembranças! Minha primeira seleção brasileira no Sulamericano Juvenil e ganharia minha primeira medalha de TB (embora esse fosse em Janeiro de 1990). Ruim mesmo foi esse JD de Goiânia, meu último e que tive que abandonar no meio por causa de uma virose…

    • rcordani
      25 de abril de 2016

      O sr. pegou um certo trauma de treinar indeed.

  3. LAM
    25 de abril de 2016

    Lembro-me de ter subido ao pódium do CC junto com o Smaga, nos auto-premiamos após uma semana particularmente longa:
    ele fundista 63 km, eu velocista 58 km …

    • rcordani
      25 de abril de 2016

      Boa LAM, 58km velocista… tinha alguma coisa errada ali.

    • Fernando Cunha Magalhães
      25 de abril de 2016

      Perfeitamente LAM, escrevemos 63km numa prancha de isopor, você me entregou no pódio e levantei acima da cabeça, mostrando para a plateia fictícia.

  4. Rodrigo M. Munhoz
    25 de abril de 2016

    Dormir e se alimentar é pros fracos!!! 🙂
    Trauma ? Que nada… acho apenas (como comentei aqui) que fomos cobaias voluntarias em uma epoca rara. Em Bauru, com o Sidao era mais ou menos a mesma coisa, Em 89 fui para o JD em Goiania (acho que peguei um bronze), pegando estrada logo depois de prestar a prova da FUVEST na ITE.
    Confesso que peguei gosto pelos treinos longos (e nunca gostei de potencia lactica), ainda que hoje em dia, eu leve mais de um mes para fazer a metragem de uma semana. Fico espantado, contudo, como o fato de ainda ter ombros funcionais. Realmente rodavamos MUITO!
    Obs… Se aqueles 32″ nos tiros de 50P tivessem sido no cronometro do W, (era o Nilson) eu lhe diria com certeza: PEBA!

    Abrtz!

    • rcordani
      25 de abril de 2016

      Sobre os tiros de 50, não sei se o sr chegou a notar que os tempos de 50P e 50L estão circulados, e isso para um nadador do Pancho significa BOLINHA, ou seja, melhor tempo de treino ever. E o Nilsão era duro no cronômetro…

      • Rodrigo M. Munhoz
        25 de abril de 2016

        Eu sei, eu sei… Mas ainda PEBA! Tem ate’ um comment do Nilsao aqui embaixo! Agora, sem brincadeira: Muito detalhadas suas notas de treino, Impressionante. Fiquei curioso para ver mais semanas… Tem muitas coisas de 90/91?

  5. Nilson
    25 de abril de 2016

    Munhoz o Willian era mesmo meio.cego de cronômetro kkkk
    Bons tempos muito treino mas muita diversão ….
    Abs

    • rcordani
      25 de abril de 2016

      Bom te ver aqui Nilson, engraçado, o seu cabelo nessa foto era preto…

    • Rodrigo M. Munhoz
      25 de abril de 2016

      He he he… boa Nilsao! Os tempos que o Willian pegava eram animais!

  6. emilsonpl
    25 de abril de 2016

    Isso aí é desumano. Bom mesmo é treinar 2x por semana, 800 m por dia, sem técnico pra encher o saco, com o importantíssimo objetivo de nadar provinhas de 50 m no master do interior paulista. Isso sim é que é ser feliz! 🙂

    • rcordani
      25 de abril de 2016

      2x semana 800m? Aí é forçar para baixo hein?

      Eu faço 3 ou 4x semana 2.000m. 2 mil é bom pois não chega nem a dar preguiça, passa rapidinho e a gente tem a (errônea) sensação de que adiantou para alguma coisa! hehe

  7. Fernando Cunha Magalhães
    25 de abril de 2016

    Meu caro amigo,
    incrível a tua capacidade física.
    Treinava muito!
    Farei referencia a esse seu post em breve, quando contar sobre a ida a Mission Bay, em maio de 1988.

    • rcordani
      27 de abril de 2016

      Boa, estamos chegando lá. Estou ansioso pelo seu post de segunda…

  8. silvasidney1
    26 de abril de 2016

    Verdade Rodrigo. Era o inicio das programações do sistema metábolico. Nós tínhamos uma pequena vantagem. Fazíamos as avaliações de lactato periódica na Unesp Rio Claro. Nos sentíamos mais seguros. Isto nos dava um pouco mais de embasamento para estabelecer volume, intensidade, repetições etc… Foi o inicio de um programa menos empírico. Após Projeto Kibon iniciou-se a historia de uma natação mais fundamentada e aplicada em fisiologia do exercício. Mesmo assim o índice de acerto em polimento, como ainda hoje, não era tão eficiente. Fícavamos derrotados e frustados, com nossas metas propostas e não alcançadas com os atletas. Ainda e uma ciência de erros e acertos fortuitos,com toda a tecnologia que existe. Willian sempre teve muite sensibilidade para as programações de treino e creio que suas experiencias e vivencia fazem falta no conselho de entidades da natação no Brasil. Sou leitor assíduo do grupo e me divirto com as histórias. Grande abraço a todos

    • rcordani
      27 de abril de 2016

      Em nosso benefício, Sidão, e eu conversava com o Munhoz sobre isso outro dia, devo dizer que éramos muito melhores (em média) do que os nadadores de uma ou duas décadas antes. Acontece que acreditávamos que a natação estava em seu quase máximo, não imaginávamos que duas décadas depois eles, os nadadores atuais, iriam melhorar tudo de novo. Estariam eles no auge ou em 2036 os nadadores de então acharão o Guido, Joanna, Thiago Pereira pebas?

  9. silvasidney1
    26 de abril de 2016

    Fico feliz, pois o Nilson ( novinho na foto) e um dos diretores da natação brasileira atuando com o SESI. E um talento na direção da natação que ainda esta presente contribuindo com seu conhecimento e capacidade.

  10. silvasidney1
    26 de abril de 2016

    Cordani, você era uma pedra no caminho dos atletas de Bauru. No peito, nos medleys sempre dedicávamos um olhar e preocupação quando era nosso adversário. O treino e muito similar ao que fazíamos..Esse relato foi muito detalhado, interessante e conta uma historia de vivencia singular. Porém com o proposito igual a de todos os atletas. A decepção de não atingir seus alvos atleticamente. Entretanto tenho a certeza que isto foi mais um aprendizado. Sempre acreditei que aprendemos mais nas derrotas do que nas vitórias. Hoje, creio que seu sucesso na vida, o amigo, profissional, bom sujeito que você é, suas virtudes foram forjadas nas derrotas da vida. Sei que ainda aprende muito com a lições da natação. O que ficou não foram as medalhas, mas a lição do esporte na alma de cada um de vocês. Tenho a certeza que Willian, Nilson e outros profissionais que trabalharam com você tem orgulho da pessoa que voce é. Gosto muito das publicações de vocês. Obrigado pelo artigo e parabéns garoto!!!!

    • rcordani
      27 de abril de 2016

      Valeu Sidão, sim, a natação nos deu muito. Sou muito grato aos meus técnicos e também aqueles que circulavam no nosso entorno, como você. Verdadeiros professores. Muito bom te ver por aqui, grande abraço

  11. anonimo
    26 de abril de 2016

    simplesmente uma semana do inferno. a media anual dos treinos eram por volta de 8 mil na parte da tarde. no mais a tática semanal dentro e fora d’agua era “cookie cutter” no brasil todo.

    • rcordani
      27 de abril de 2016

      Verdade anônimo, uma verdadeira fábrica tipo Metropolis…

      Um dia você vai nos contar onde e quando nadava?

  12. Polaco
    27 de abril de 2016

    R., Realmente treinar este volume todo nao era facil, diria ate que nao gostava muito , mas tinha que fazer. Esta foto da travessia de Ilha Bela me lembrou das caimbras que tive durante a prova…. . Sidao, eu achava voce muito carrasco, lembro de um treino para o Jebs (acho que foi essa a competicao) , na Agua Branca, que fiquei indignado de ter que fazer um monte de tiros de 400, NAS FERIAS….reclamei muito, e creio que o Munhoz foi quem mais escutou …. de qualquer forma, boas lembrancas….

    • rcordani
      28 de abril de 2016

      Pois é polacão, “Tinha que fazer” segundo as ideias da época. A gente estava melhor para travessia do que para piscina, mas se perguntassem, meu objetivo era 100% piscina…

  13. Ruy Araujo
    11 de maio de 2016

    Respondendo um pouco (quase nada…) atrasado.
    Quando ainda estava na AESJ treinando com o Glauco Putomati, nós atletas reclamavam com ele que treinávamos pouco!!! Nossa equipe era meio peba mas já com algumas promessas se destacando -Cristiano Kap, Alvaro Terlize, Rodrigo Scarpel e uma menininha chamada Fabíola. Volta e meia rolava o “boato” que equipes em São Paulo estavam treinando 10/20 mil e nós nos míseros 5/6 mil.
    Nós tínhamos um problema de falta de horário para treinar em 2 períodos e arrumamos um horário meio maluco iniciando o primeiro período as 13:00hs, depois almoçando e voltando às 16:00hs.
    De fato melhoramos, mas credito isso muito mais a qualidade do nosso técnico do que o volume de treino em sí.

    • rcordani
      16 de maio de 2016

      Boa Ruy. Na verdade, o que faz a gente melhorar (até um certo nível, claro) é a vontade e a motivação. Isso pelo jeito vocês tinham de sobra!

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