Conforme consenso amplamente divulgado, ouro olímpico é a glória máxima do nosso esporte. Para chegar a ele, obviamente são necessários vários anos de intensa dedicação. Imagine agora atingir esse cume e mantê-lo por mais no mínimo oito anos, obtendo o tri-olímpico: parece factível? Pois até hoje ninguém da natação masculina conseguiu! É uma façanha só possível para um extraterrestre como Michael Phelps!
(no feminino a australiana Dawn Fraser nos 100m Livre em 56-60-64 e a húngara Kristina Egerszegi nos 200m Costas em 88-92-96 conseguiram).
O primeiro nadador a bater na trave foi o norte-americano Duke Kahanamoku, que chegou a Paris – 1924 com chances de ser o primeiro tri-olímpico, mas ficou com a medalha de prata nos 100m livre, perdendo o ouro para seu compatriota Johnny Weissmuller (sim, ele mesmo, o Tarzan). Detalhe que não houve Olimpíadas em 1916, e o bi-olímpico de Duke foi 1912 – 1920.
Em Montreal – 1976 o alemão oriental Roland Mattes teve a chance de ser o primeiro tri-olímpico nos 100m costas, ele que havia vencido essa prova em 1968 – Mexico e 1972 – Munique, mas terminou “apenas” com a medalha de bronze, ficando o ouro com o legendário norte-americano John Naber.
Pior aconteceu com Vladimir Salnikov: ganhou o ouro olímpico dos 1500m livre em Moscou -1980 e Seul -1988, mas não pôde disputar o ouro em Los Angeles-1984 (para o qual era franco favorito) devido ao boicote soviético aos jogos. (Meu amigo e vizinho Cícero Tortelli – que lá estava – contou que quando Salnikov entrou no restaurante da Vila Olímpica de Seul após a derradeira vitória todos os atletas de todos os esportes levantaram e bateram palmas por vários minutos em homenagem a esse grande nadador, o qual, no entanto, como dissemos, não obteve o tri-olímpico.)
O monstro Alexander Popov teve chance de ser o primeiro tri-olímpico na prova dos 100m Livre em Sydney – 2000, após os ouros em Barcelona e Atlanta, mas o holandês voador Pieter van den Hoogenband tirou-lhe o doce da boca, ficando com o ouro e lhe deixando ”apenas” a prata, e fazendo mais uma vítima da zica do tri. O detalhe aqui é que Popov queria obter o tri de sunga, enquanto quase todos os outros nadadores já usavam no mínimo bermuda (e alguns como Thorpe vestidos dos pés à cabeça). O purista Popov abandonaria tal idiossincrasia no Mundial de longa seguinte, ganhando do holandês e retomando o título mundial, mas não obstante sem o tri-olímpico: a zica do tri permanecia.
Também em Sydney – 2000, o australiano Kieren Perkins tentou ser o primeiro tri-olímpico nos 1500m Livre (era bi 92-96), mas acabou ficando com a prata, perdendo a prova para o compatriota Grant Hackett.
Grant Hackett o qual depois de Sydney – 2000 também ganhou os 1500m Livre em Atenas – 2004 e chegou com chances de ser o primeiro tri-olímpico na mesma prova em Pequim – 2008, entretanto devido à zica do tri também acabou ficando com a prata, perdendo a prova para o tunisiano Oussama Mellouli.
Finalmente chegamos a Londres 2012. Dois atletas tinham chances, em um “duelo” já anunciado pelo post do Takata em abril: Kitajima x Phelps.
Michael Phelps fez questão de nadar os 400 medley, prova que ele não nadava há anos e claramente estava um degrau atrás de Ryan Lochte, aparentemente só para tentar ser o primeiro tri-olímpico, pois essa prova era no primeiro dia e Kitajima vinha como primeiro do ranking nos 100 peito, que era no segundo dia. Phelps provavelmente achou que a primazia do tri teria que ser nos 400 medley, e (sem esquecer que ele é o recordista mundial dessa prova) foi pro sacrifício! Não conseguiu, e como vimos nem medalha pegou, perdendo de longe para Lochte e para o nosso silver Thiago. Aí , a “bola” passou para o japonês nos 100 peito.
Kosue Kitajima sentiu a zica do tri nos 100m peito e piorou muito o tempo da seletiva japonesa (com o qual era o primeiro do ranking) e também nem medalha pegou. E a bola voltou para o Phelps nos 200 borboleta.
Phelps com a bola nos 200 borboleta: agora vai, essa prova é do Phelps, conforme o completo comentário do Coach denominado “Nem a Zica Tira”. E não é que a zica do tri tirou? Phelps perde na chegada (que calculei em 60% azarada, 40% bobeada) por apenas cinco centésimos, a primeira vez que o tri ficou realmente perto esse ano. E a bola voltou pro Kitajima!
Nos 200m Peito Kitajima pegou a bola, tentou, passou forte, lutou, sofreu, mas a zica do tri tirou-lhe não só o tri-olímpico como também a medalha, e o japonês acabou amargando um sofrido quarto lugar.
E a bola voltou pro Phelps. Que disputa hoje a final dos 200 medley, e, se não conseguir, ainda tem a chance nos 100 borboleta na qual ele também é atualmente bi-olímpico. Que acaba de ganhar os 200m medley, tornando-se assim o PRIMEIRO NADADOR TRI CAMPEÃO OLÍMPICO. Praticamente do outro mundo!
E a bola não voltará nunca mais para o Kitajima!
Sensacional o texto, mas terrível essa maldição…
O histórico indica que a zica é muito forte e só será quebrada quando exumarem a caveira de burro que foi enterrada debaixo da raia 4 da Piscine des Tourelles em Paris…
Não acredito na quebra da zica nos 200 medley, quem sabe nos 100 borboleta.
Excelente, o melhor texto Olímpico que já li na vida!
Mas fica a dúvida: será que o Smaga conseguiria fazer melhor?
😉
Sem dúvida faria. Já inclusive convidamos várias vezes, o problema é a preguiça do sujeito.
Gostei das legendas das fotos!
A cara de chateação do Hackett tá sensacional!
a que eu mais gostei foi a da roupa
Espetacular o texto mesmo! E impressionante como a zica existe. Precisou o maior atleta olímpico de todos os tempos pra vence-la!
Sim, e na terceira tentativa, o sujeito tinha quatro chances! Impressionante.
Texto sensacional ! Tremenda revisão com muito humor … Parabéns !
Obrigado Carlos, para esse post tive a sorte de viver na era do Mr Google…
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Texto imbatível: informativo e divertidíssimo.
Reforço que as fotos e legendas ficaram sensacionais.
Finalizo com minha reverência ao bi-tri, colega de Zeus, Phelps.
Obrigado. Acho que esse é o meu texto olímpico que eu mais gosto.
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