EPICHURUS

Natação e cia.

Permitindo-se experimentar. Ou: faça a cabeça de um sedentário

Após a atenta leitura do post Não, amigo, você não tem um nome a zelar. Ou: Epichurus também é autoajuda em que Renato Cordani aborda a relação de ex-atletas de alto nível com a natação master, achei pertinente explorar as percepções de sedentários que buscam construir uma relação com o esporte.

Sou um dos gestores de uma rede de academias e ao longo dos anos colecionamos centenas de histórias de transformação da qualidade de vida através de uma atividade física bem orientada.

Uma das minhas preferidas fala das inseguranças que uma pessoa com esse perfil sente ao cogitar a hipótese de ingressar numa academia e das etapas de evolução até incorporação do hábito. Além do surpreendente momento em que as aulas passam a ser percebidas como lazer.

Sedentário e quase cinquentão, nosso aluno decidiu lidar com uma frustração que o acompanhava há décadas: não sabia nadar. Quantas vezes ele se constrangera com isso, quantas oportunidades de diversão foram desperdiçadas.

Foi bem acolhido pela simpática consultora de vendas em sua visita à academia. Gostou da estrutura e ambiente, mas a cada segundo se questionava sobre como se sentiria ao colocar a sunga no meio daquela gente sarada, nadar entre habilidosos nadadores, se relacionar com pessoas de interesses tão diversos dos seus e lidar com as mudanças em sua rotina. Mesmo inseguro, permitiu-se experimentar e fez sua matrícula.

Na primeira aula, entrou pela escadinha enquanto a professora já estava na piscina. O primeiro desafio foi colocar o rosto na água e tomar consciência das fases da respiração. No final, caminhou uma ida e volta, com a cabeça fora da água. Era o início da ambientação.

Percebeu que haviam poucos sarados e que os habilidosos eram bons consultores em papos de vestiário.

Disciplinado, não faltava nenhuma das duas aulas semanais. Também vinha no sábado, dia em que a frequência era livre. Conheceu muita gente que assim como ele adorava bater papo. Descobriu que fazer isso na sauna era prazeroso e que estar naquele ambiente, fazia sentir-se muito bem. Passou a vir para a academia mesmo nos dias em que não tinha aula.

O tempo foi passando e embora o desenvolvimento fosse lento, ele persistiu e aprendeu a nadar. Como consequência do esforço para vencer a resistência da água, ganhou um pouco de massa muscular e perdeu gordura. Melhorou sua capacidade respiratória e os resultados nos check-ups anuais. Surpreendeu-se em colher benefícios que sequer almejava quando seu desejo era “apenas” aprender a nadar: as pouco mais de 5 horas que passa diariamente na cama deixaram de ser de um sono pingado e tornaram-se horas de um sono restaurador para o corpo e a mente, o intestino preguiçoso passou a funcionar regularmente, a pressão na nuca de depois do almoço deixou de existir, a disposição, a produtividade no trabalho e o humor melhoraram.

Após 7 anos do início da transformação, nada quase 2 mil metros por aula. Já participou de uma equipe de revezamento em uma maratona aquática. OK, foi na piscina e ele nadou 15 minutos, mas dentro do contexto é um grande feito. E além disso, também encarou uma travessia em uma represa, com a companhia de um solidário professor que passou muita confiança e garantiu que eles nadassem na direção certa.

E seguem alegres os encontros com a piscina. Ilustração: Cristiano Michelena

E seguem alegres os encontros com a piscina. Ilustração: Cristiano Michelena

Neste ano, passou a ser visto com frequência na sala de ioga e musculação. Sente-se mais equilibrado e muito mais pleno na realização das possibilidades que a vida oferece.

Com as práticas um patamar de equilíbrio será alcançado. Ilustração: Cristiano Michelena

Com as práticas um patamar de equilíbrio será alcançado. Ilustração: Cristiano Michelena

Mais que uma boa história, espero que seja uma fonte de encorajamento. Ou seja, se você conhece alguém sedentário, compartilhe. Quem sabe ele permita-se experimentar.

Forte abraço a todos,

Fernando Magalhães

Sobre Fernando Cunha Magalhães

Foi bi-campeão dos 50m livre no Troféu Brasil (87 e 89). Recordista brasileiro absoluto dos 100m livre e recordista sulamericano absoluto dos 4x100m livre. Competiu pelo Clube Curitibano (78 a 90) e pelo Pinheiros/SP (91 a 95). Defendeu o Brasil em duas Copas Latinas. Foi recordista sulamericano master. É conselheiro do Clube Curitibano.

13 comentários em “Permitindo-se experimentar. Ou: faça a cabeça de um sedentário

  1. Rodrigo M. Munhoz
    12 de agosto de 2013

    Caro Esmaga,
    Belo post sobre coragem, calma e perseverança, na minha opinião.
    Seria legal se este novo MAster pudesse ir a Ribeirão para trocarmos uma idéia…Acho que o “desenvolvimento lento” é o melhor tipo. pois me parece mais duradouro e garantido. Os atalhos são frequentemente traiçoeiros.
    Um forte abraço e tudo be bom!

    • Fernando Cunha Magalhães
      12 de agosto de 2013

      É Munhoz, gosto do “gradual e consistente” que resulte na incorporação do hábito com todos os desejados efeitos colaterais.

  2. rcordani
    12 de agosto de 2013

    Esse post é sob medida para o Lelo!

    • Fernando Cunha Magalhães
      13 de agosto de 2013

      Ele anda refugando os tobogãs?

    • Lelo Menezes
      15 de agosto de 2013

      Não é tão sob medida porque pro nadador em questão, a vida no Master era um grande desafio, afinal o cara não sabia nadar. Pra mim a dificuldade é achar um desafio no Master que de fato me motive. Até hoje não achei! De qualquer maneira, gostei do inspirador texto!

      • Fernando Cunha Magalhães
        15 de agosto de 2013

        De fato Lelo, vc já pontou isso em outros comentários, e o Cordani já está sabendo, parece que é apenas um comentário para aguçar a eterna rivalidade.

  3. Sidney N
    13 de agosto de 2013

    Gostei do post, pois nos faz lemrar que as pequenas decisões do dia-à-dia podem ter grande impacto no longo prazo. Lição também para os mais experientes ainda em dúvida se devem ou não tirar a poeira dos oclinhos.

    • Fernando Cunha Magalhães
      15 de agosto de 2013

      É isso aí Sidney, era esse mesmo o objetivo.

  4. Mauricio Niwa
    15 de agosto de 2013

    Muito bacana, Magalhães!
    As ilustrações também estão bem legais!

    • Fernando Cunha Magalhães
      15 de agosto de 2013

      Legal Niwa, pensou em alguém para mostrar o texto como incentivador para mudança de atitude?

  5. sergio
    21 de agosto de 2013

    Sinceramente, acho este site de voces, o mais legal sobre natacao. Apesar de nao conhece-los (na grande maioria), pois o meu “”auge”” da natacao foi de 81 a 83, ainda na epoca do infantil B, lembrava por nome do michelena , e do munhoz por causa do brasileiro do marcio santos. Como recentemente retornei aos treinos “”recreativo”” ao meio dia, percebi um senhor de 60 anos que treinava um garotao de uns 20 anos (sempre na raia 8) o guri e cego e aparenta um pequeno disturbio. O garoto tem zero de visao e percebe que vai chegar na borda ao soltar um pequeno grito (sim, como um golfinho) – ele calcula a distancia ate a borda (interessante que para nos o que chamamos limitacao – cego e atraso mental revela um dom, que acredito, poucas pessoas teriam condicoes de evoluir). O senhor e avo do garoto e sempre quando acaba o treino ele pede um abraco para o garoto, porem ressalta: “”quero um abraco, mas sem mixaria””. Esses dias conversando com o avo, para grata surpresa ele revelou que havia sido tecnico de natacao no automovel clube de rio preto junto com o Helena (afirmei que conhecia o Helena e o Ben Hur, que em 82 eram tecnicos do RPAC ,e do Dema de Campinas.
    Mas, o mais legal mesmo e o garoto, fico imaginando o inicio, o medo de encarar a piscina… a agua, sem enxergar nada.Com certeza esse foi o maior atleta desse tecnico.

    abraco

    sergio

    • Fernando Cunha Magalhães
      22 de agosto de 2013

      Sergio, meu caro, primeiro obrigado pelo elogio.
      Depois, obrigado pelo relato: que história bacana.
      Fez-me lembrar dos idos de 85, estava encostado na grade do Clube do Golfinho, próximo ao técnico Reinaldo Souza Dias enquanto rolava uma prova de costas. Na piscina, Ivan Ziolkowski, o “Chinês” despertou a ira do treinador ao olhar umas 3 vezes para trás antes da virada. Reinaldo xingou e disse que iria pintar as lentes de um óculos de preto e dar para o Chinês usar em treinos de virada. Quando passasse a bandeirinha, ele tocaria um sino e o Chinês que se virasse para acertar a virada. Não sei se a ideia foi posta em prática, ainda mais na época em que o atleta era obrigado a encostar a mão na borda antes da virada, fato é que o Chinês ganhou os 100m costas no Julio Delamare daquele ano com 1m02s50, quebrando o recorde de Glauco Casimiro e batendo o favorito Fabrizio Perricone.
      Um abraço e envie os parabéns Epichurianos a esse técnico, que faz uma diferença tão grande na vida deste atleta tão especial.

    • Rodrigo M. Munhoz
      22 de agosto de 2013

      O post não é meu, mas como fui levemente citado, permito-me comentar…Esse tipo de relato me deixa muito feliz e motivado! Deixo aqui meu agradecimento sincero por ter partilhado conosco e um grande abraço!

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Publicado às 12 de agosto de 2013 por em Natação e marcado , , .
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