EPICHURUS

Natação e cia.

O Final de Temporada e a Corda Bamba do Ano Fiscal

Nos últimos dias tenho sentido aquele “frio na barriga” de prova final novamente.  Para os que não entenderam do que estou falando, me refiro àquela ansiedade pré-prova, caracterizada por uma leve dor de barriga, junto com uma ânsia de nadar logo sua prova principal no último evento do ano.  Tenho a impressão que essa sensação ambígua vinha de saber aquela simples nadada irá determinar se o ano de treino, sangue, suor e lágrimas, valeram a pena ou não.  A percepção de sucesso estava separada de uma imensa frustração por algo simples e efêmero: No meu caso, um bom resultado naqueles 100 ou 200 metros percorridos dentro de um par de minutos. Eu ficava cautelosamente otimista, mas era bem difícil. Nosso amigo e cronista epichureano, Renato Cordani chegou a me dizer que nenhuma pressão que ele tenha vivido em sua vida profissional se equiparou a estes momentos da vida esportiva.

Primeiro frio na barriga no Julio Delamare... 30 anos atrás.

Primeiro frio na barriga no Julio Delamare… 30 anos atrás.

Obviamente, os fatos geradores desse frio na barriga hoje em dia são bem diferentes de vinte ou trinta anos atrás. Para os que pensaram que vou falar de natação Master, sinto muito. Atualmente é o fim de um ano fiscal que me monopoliza e agita. Estou agora no fim do meu primeiro ano em uma nova empresa de origem norte-americana (a terceira apenas, nos últimos 18 anos). Uma empresa muito boa, mas dessas que entende que os anos não devem ser contabilizados no formato Janeiro a Dezembro, por razões nem sempre simples de entender. Atualmente, meu ano (fiscal) termina em Novembro. Portanto, em poucos dias, depois de um ano de muito planejamento, preparo, trabalho e execução – e espero muitos bons negócios na reta final – eu e meu time saberemos se alcançamos o sucesso. E a partir de Dezembro, já é “Feliz Ano Novo” (fiscalmente falando).

Como os leitores do Epichurus já devem ter percebido, às vezes tento localizar semelhanças entre minha “vida passada” e a atual – o que nem sempre funciona 100%, já que aparentemente a vida de um atleta de 20 anos é meio diferente da vida de um pai de família de meia idade, como era de se esperar. Acho que esse comportamento é uma maneira de buscar algum conforto – não apenas no saudosismo, mas também na sensação de que a vida é composta de ciclos.

Este paralelo entre o fim de temporada CBDA e o fim de um ano fiscal corporativo não é diferente: Há similaridades nas sensações, assim como diferenças que surgem numa análise mais fria. Ou não? Vejamos alguns exemplos…

Praticando equilíbrio... chegar do outro lado é a meta.

Praticando equilíbrio… chegar do outro lado é a meta.

Equipes de natação, assim como corporações são compostas de pessoas que carregam metas dentro de ciclos específicos. As metas tornam a prática no dia a dia mais produtiva e orientada, enquanto motivam as pessoas a darem mais de si num objetivo comum ao fim do período. Uma boa meta gera equilíbrio entre dedicação, motivação e resultados. Ter uma meta, tanto no esporte como no trabalho é totalmente opcional, mas definitivamente ajuda muito na evolução.

No fim da temporada de natação, assim como no encerramento do ano fiscal, a atenção aos detalhes é fundamental. Uma virada mal feita? Tchau, desclassificado.  Um contrato sem o processamento adequado? Opa, não conte com essa receita para o fechamento. Mas uma diferença é que hoje em dia, um erro pode eventualmente ser corrigido ou ao menos mitigado por um plano de contingência ou um pipeline saudável de oportunidades.

O stress aumenta no fim de qualquer ciclo. No mundo das piscinas, assim como no corporativo, a vida fica mais difícil conforme os eventos finais se aproximam. Escaramuças, brigas, reclamações e, claro, a concorrência se acirra entre os atores, devido a tensão aumentada. Só um trouxa acreditaria que a natação é um esporte individual e totalmente pacífico. Fora os mind games, tenho lembranças até de confrontamentos físicos, tanto na beira de piscinas em últimas etapas de campeonatos, como em escritórios. Eu, que prezo a diplomacia e a filosofia epicurista, lembro disso como espetáculos deploráveis, com consequências sérias, apesar de ter simpatizado com algumas “causas” pouco sutis ocasionalmente. A diferença é que perder a compostura no ambiente de trabalho pode custar seu ganha pão. A regra do “respira e conta até dez” é válida para qualquer ambiente tenso.

Geralmente no principal evento do fim da temporada – Julio Delamare, Troféu Brasil, etc. estávamos na verdade atrás não apenas de um encerramento com “chave de ouro”… queríamos também algo a mais: Uma seleção brasileira, um índice para o mundial, um patrocínio, ou a sensação de participar da elite do esporte. No universo corporativo, a coisa não é muito diferente: Estamos atrás do bônus, de uma promoção, de mais responsabilidade ou simplesmente de reconhecimento e mais segurança. Ou seja, queremos aquele impulso final, que irá nos ajudar no próximo ciclo, que inevitavelmente virá. Um ciclo depende do outro. A diferença talvez seja que as “merecidas férias”, enquanto úteis e saudáveis na vida de executivo, podem ser armadilhas para o próximo ciclo de um atleta indisciplinado. Lembro de alguns casos de nadadores que desencanaram totalmente depois de férias. Já o equivalente no mundo corporativo, geralmente volta com uma energia a mais para o próximo ano fiscal: É por isso que os sabáticos são tão valorizados, na minha opinião.

Recém saído do programa de trainee, prestes a começar meu 1o ano fiscal gringo - San Francisco 94

Recém saído do programa de trainee, prestes a começar meu 1o ano fiscal gringo – San Francisco 94

Uma última coisa: Acho que em geral damos importância excessiva aos eventos finais de um ciclo. Mas isso não é necessariamente ruim, já que senso de urgência é um poderoso instrumento de execução. Inclusive, isso deve ser meio inevitável, uma vez que retas finais deixam marcas importantes na nossa auto-estima. Claro que queremos que essas marcas sejam positivas, afinal, é para isso que dávamos tanto duro na piscina, assim como hoje em dia. Só não podemos perder de perspectiva que, querendo ou não, estamos sempre aprendendo a cada novo fim e recomeço. Espero que nossas metas nos ajudem a aprender muito com cada novo ano.

Sobre Rodrigo M. Munhoz

Abrace o Caos... http://abraceocaosdesp.wordpress.com

13 comentários em “O Final de Temporada e a Corda Bamba do Ano Fiscal

  1. Lelo Menezes
    28 de novembro de 2013

    Interessante Munhoz! Eu acho que existem algumas boas diferenças entre as expectativas ou metas corporativas daquelas do atleta, pelo menos na nossa época de nadadores. No mundo corporativo a gente tem que lidar com a meta da empresa, onde muitas vezes, principalmente em grandes corporações, você tem influencia quase zero no sucesso ou insucesso da mesma, tem que lidar com as metas da sua equipe que você certamente tem mais controle mas a meta é feita por sua hierarquia e muitas vezes sem te consultar e ainda por cima você lida com fatores externos que não estão no seu controle como crises mundiais e afins. O objetivo pessoal, sei lá, quero virar diretor, é mais próximo do mundo esportivo, mas mesmo esse depende de muitos outros fatores que fogem da nossa alçada.

    Acho que o objetivo do atleta é mais purista porque geralmente se restringe a uma melhora individual e embora dependa de alguns fatores (manter a saúde durante a temporada, eficiência do treinamento, adversários, etc), grande parte do sucesso depende do próprio atleta.

    • Rodrigo M. Munhoz
      28 de novembro de 2013

      Pois é, Lelo… acho que a meta da empresa tem que estar intimamente ligada com as metas individuais. Ainda que o indivíduo contribua apenas marginalmente para os objetivos totais, isso tem que ser patente. Sei que não é simples, mas é possível. Já vi exemplos que funcionaram bem, assim como alguns que exageraram de alguma forma e acabaram causando essa desconexão que você menciona.
      Quanto aos fatores que fogem de nossa alçada, creio que o profissional tem que respeitar as fronteiras do que considera certo. Dentro dessas fronteiras, deve-se ser totalmente responsável pelo que acontece – assim como no esporte.
      Abraços!

  2. Daniel Takata
    28 de novembro de 2013

    Ao ler a frase “nenhuma pressão que ele tenha vivido em sua vida profissional se equiparou a estes momentos da vida esportiva”, me identifico muito. Não digo exatamente em relação a comparar às pressões da vida profissional com as da vida de nadador, mas para mim não tenho dúvidas que as sensações de satisfação e orgulho alcançadas após cumprir um objetivo na natação são incomparáveis com qualquer outra. Realização por um trabalho bem feito? Reconhecimento vindo através de prêmios? Todas sensações menores, menos intensas e menos duradouras que as originadas do esporte. Não sei como se sente um campeão olímpico ou mundial, mas esse sentimento já experimentei em campeonatos brasileiros, regionais e master. Acredito que os autores e leitores deste blog entendem perfeitamente o que quero dizer.

    • Rodrigo M. Munhoz
      28 de novembro de 2013

      É isso aí, Takata: Provavelmente está na intensidade e pureza da sensação da conquista esportiva o grande fator de atração do esporte… pelo menos entre aqueles que se ligaram nessa “cachaça” boa.
      Abraços!

  3. rcordani
    29 de novembro de 2013

    Sobre o que fui citado no texto, é verdade. Nunca mais senti nenhuma pressão minimamente parecida com o que sentia antes de uma final de TB ou Finkel com chances. Não que a pressão fosse particularmente agradável, mas como disse o Takata, alcançar um objetivo naquelas condições de altíssima pressão trouxe momentos também inigualáveis.

    Tenho certeza que essa habilidade de lidar com pressão ajuda profissionalmente os ex-atletas.

    • Rodrigo M. Munhoz
      30 de novembro de 2013

      Agora que o ano fiscal acabou (tarde da noite ontem) posso comentar um pouco mais. Aos mais curiosos: Foi tudo bem, com resultados positivos e estou bem orgulhoso do time.
      Também não achava a pressão algo bom, mas aprendemos cedo a lidar com ela e isso talvez tenha sido um diferencial em alguns momentos da vida. Acho que agir e principalmente tomar decisões sob pressão real é algo inevitável na vida adulta, mas totalmente opcional quando criança. E quando sua percepção de sucesso depende de um momento breve, passamos a dar mais importância a essas ocasiões.
      Agora, nem todo ex-atleta lidava bem com pressão e isso não os faz necessariamente maus profissionais. Isso vai depender muito do caminho escolhido e de como se aprende a viver no ambiente de trabalho, na minha opinião.
      Valeu pelo comentário, R. Abraços!

  4. Mauricio Prado
    29 de novembro de 2013

    Grande texto Rodrigão! Não conheco a pressão da natação… mas em compensação a de final de ano fiscal conheco bem…:) Boa Sorte!

    • Rodrigo M. Munhoz
      30 de novembro de 2013

      Pois é Mauricião… Já vivemos uns fins de anos fiscais lado a lado (pra não falar de Mid Years… até pior!) sob pressão e pauleira. Mas fiquei curioso de saber como é a pressão em seu esporte original – voo livre – em que outras coisas importantes (tipo, vida) estão em jogo, além de ganhar a competição…
      Valeu pela audiência! Abraços!

  5. Sidney N
    29 de novembro de 2013

    Acredito que a pressão e a disciplina relacionadas ao esporte numa fase formativa sem dúvida nos ajudam a nos prepararmos para os desafios da vida. Quando penso nos meus companheiros de equipe e vejo suas trajetórias, fico feliz em saber que a grande maioria é vencedora também fora das piscinas.

    Algumas das maiores alegrias que o esporte me trouxe não foram tanto os resultados individuais, mas os amigos que fiz e as experiências que compartilhei com os grupos que ajudei a formar e dos quais fiz parte. Por isso concordo com o Munhoz de que temos a tendência a valorizar o final do ciclo, mas pelo menos para mim, o que realmente marcou foram aqueles momentos coletivos.

    Abraços e boa sorte a todos apertados com o final do ano fiscal!

    • Rodrigo M. Munhoz
      30 de novembro de 2013

      Boa, Sidney… Adiciono algo: Acho que o esporte ajuda a preparar a galera para viver na pressão e certamente o ex-atleta leva algumas vantagens por chegar (talvez) mais pronto para certas situações no mercado de trabalho. Mas será que não atrapalha em outras partes da formação do adulto? E será que realmente os jovens são mais felizes assim ou seria melhor atrasar todo o processo e vivenciar a infancia e juventudo mais “soltos” das amarras de responsabilidade?
      Avalio que para minha pessoa foi legal, mas não posso ter certeza que é uma fórmula universal.
      Daria outra boa conversa de bar. Ou de competição, como queiram…
      Valeu pelos votos de boa sorte: Passou. E Feliz Ano (Fiscal) Novo para todos!
      Abração!

      • Sidney N
        30 de novembro de 2013

        Pois é Munhoz, como dizem “tudo o que é demais atrapalha”. Mas talvez esse seja o preço a se pagar para alcançarmos certos objetivos, mesmo que isso implique sacrifícios em outras áreas da vida.

        Acredito que as crianças e os jovens devem assumir responsabilidades crescentes como parte do seu amadurecimento. Mas também precisam de ter espaço para encontrar seus próprios caminhos. Por isso sou contra a super-especialização desde cedo, que tende a limitar as opções e, no futuro, podem gerar arrependimentos.

        Mais cedo ou mais tarde certamente teremos um post sobre o assunto 🙂

        Abraços!

  6. Pingback: Caça a Mônica e Terra Vista do Alto na Paulista « Abrace o Caos

  7. Fernando Cunha Magalhães
    1 de dezembro de 2013

    Eu acho as pressões da vida adulta e aí, não somente relacionada as metas da empresa, bem maiores do que na fase competitiva.
    Lembro de algumas vezes ter tido dificuldade de dormir antes das competições, não muitas.
    Já na vida profissional isso, infelizmente ocorre com uma frequência bem maior do que eu gostaria.
    Sorte que a Nana sempre tem um Olcadylzinho na manga. Ajuda demais.

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Publicado às 28 de novembro de 2013 por em "Causos" fora d'agua, Fim de Ano, Natação e marcado , , , , .
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