Desci do taxi DeSoto na esquina da Hyde com a Jefferson Street, e logo vi o letreiro da Ghirardelli do outro lado da praça. Cruzei a rua e ao notar umas luzes coloridas se movimentando no mar ao longe, tomei coragem, cruzei a curta faixa de areia e meti a mão na água. Estava muito gelada, óbvio… Apesar do tempo seco, uma névoa entrava na baía vinda do mar, e mal e mal se viam algumas luzes difusas da Golden Gate a esquerda. As 6 e pouco da manhã, no escuro eu nem pude notar que a ilha e ex-prisão de Alcatraz estava logo adiante. Enquanto esperava meus amigos do trabalho e o sócio do Dolphin Swimming and Boat Club que nos colocaria para dentro, acho que me perguntei um par de vezes: “em que fria estou me metendo?”. Mas agora eu não iria afinar e nem decepcionar o Mark, que organizou tudo dois dias antes..
Depois de uma semana corrida de reuniões, eu estava prestes a nadar na Baía de San Francisco numa madrugada de inverno. Voluntariamente… Mas o mais estranho é que já tinha muita gente nadando. Aquelas luzinhas coloridas e bruxuleantes que eu havia visto ainda da rua estavam presas nas toucas e oclinhos de nadadores na Aquatic Cove – uma área protegida usada especialmente para natação . Alguns gritos e expletivos denunciavam que a água estava gelada mesmo para os mais experientes que entravam na água ao lado do Hyde Street Píer. Estava ainda escuro quando o Mark chegou, sério, mas com cara decidida. Após tocarmos a campainha (sem resposta), tentamos entrar no Dolphin Club para sair da rua e do frio, seguindo um senhor com uma mala de natação. Um outro senhor mais velho que vinha atrás nos perguntou se éramos sócios e, ao ouvir a resposta de que estávamos esperando pelo sócio – David – que nos convidou, não mostrou muita complacência e pediu que esperássemos ali fora mesmo. Ainda bem que o David chegou em seguida, feliz de ver que o seu desafio tinha sido aceito. Logo em seguida chegou o Grant e pronto: O “time” estava completo.
E assim, com a chave e aval do David, entramos no famoso Dolphin Club de San Francisco. Logo após pagarmos uma pequena contribuição (us$ 10 cada) o David nos levou para um tour do casarão que abriga o clube que existe desde o fim do século XIX, não apenas incentivando a natação e remo na cidade de San Francisco, mas também preservando tradições como a construção de sensacionais barcos a remo de madeira e a congregação de amigos em torno de desafios em águas geladas, em qualquer época do ano. Fiquei sabendo inclusive que não se aceitava que membros usassem roupas de borracha até pouco tempo atrás. Fundado em 1877, o clube tem muita história. Gente famosa como o entusiasta de saúde Jake Lalanne e alguns grandes nadadores de águas abertas, tinham sido ou eram socios ali. Soube inclusive que a Kimberly Chambers – a 6a pessoa a completar o Oceans Seven Challenge – e também funcionária da Adobe, estava treinando ali naquele mesmo dia. Pelas paredes, flâmulas, quadros e fotos antigas de nadadores, placas comemorativas de grandes travessias feitas pelos membros do clube. Dezenas (centenas?) de “English Channel Crossings” por ali. Tudo num clima ao mesmo tempo aconchegante e despojado. Achei tudo extremamente Epicuristico. Quando subimos ao segundo andar, havia um salão com uma vista sensacional para a Baia. O sol nascia, mas a névoa ainda não dava muitos sinais de fuga. Nessa hora, notei um menino desenhando sob a luz difusa. Estava esperando o pai? “No, it’s my mommy and she is already out of the water”, disse ele com naturalidade de quem estava habituado aquela rotina. Aparentemente uma das nadadoras “noturnas” tinha arrastado sua própria platéia familiar… e eu, com saudades de uma semana longe dos meus, achei aquilo muito legal.
Finda a apresentação do clube, entramos no vestiário abarrotado de armários azuis de metal. Banquetas raras e esparsas. Uma visão “old fashion”, como quase tudo ali. Nos trocamos rápido, e de sunga – como manda a tradição, saímos para o píer. Frio de uns 11C em terra. No mar, a temperatura variava em torno de 12C, pelo que explicaram (Mais tarde vi que meu relógio marcou uma média de 11.1C durante a nadada). Mas, a água verde clara nos esperava e assim, descemos uma escadinha pra prainha, enquanto o David nos dava dicas de segurança e do percurso entre as bóias. Foi bom ter alguém ao mesmo tempo tranquilo e experiente em águas geladas. Uma dica boa, por exemplo, foi entrar aos poucos na água e molhar o pescoço e rosto primeiro. Normalmente, eu entraria de uma vez, mas esse novo método reduziu muito o choque e a dificuldade de respiração inicial. Aquela era a água mais fria em que eu entrava em muitos anos, sem dúvida e comecei a nadar como se estivesse jogando pólo… e me sentindo meio ridículo, vendo velhinhas e velhinhos nadando sem reclamar. Mas depois que minha cara se anestesiou com o frio, fiquei bem. Isso deve ter levado uns 3 minutos. Depois de me “aclimatar”, foi uma beleza. Nadei no ritmo do David, enquanto nossos colegas ficaram mais pra trás e acabaram nadando menos. Me senti tão bem que após a 1a bóia sugeri ao David uma nadada até a entrada do “Cove” no fim do píer. No caminho cruzamos com dezenas de nadadores, de todas idades, estilos e jeitos, dando a sensação que aquilo não era nada demais… E talvez não fosse mesmo. Chegamos na saída para a Baía, olhamos Alcatraz ao longe (1,5km) e conversamos com uma senhora ainda com uma luzinha brilhando na cabeça. Ela estava vindo de fora, ou seja, havia nadado bem mais que eu – e talvez por isso tenha me confundido com seu companheiro de nado, que já estava mais adiante. Decidimos voltar dali, numa linha reta e paralela ao píer ao lado dos navios históricos do SF Maritime Historical Park – ali ancorados permanentemente. Me lembrei que, num verão há cerca de 17 anos atrás tinha visitado talvez esses mesmos navios, acompanhado da minha mãe e minha saudosa avó Elza. Na época não reparei se havia gente nadando ao lado daqueles costados… E agora eu era um deles. Pensei que a minha mãe falaria algo do gênero “Esse menino não tem juízo”, provavelmente sem saber que me sentia bem seguro ali. Meu relógio marcava pouco menos de 23 min e 1550m quando saímos do mar, pela mesma prainha que entramos. Um treinando curto, mas que valeu pela experiência.
Logo após lavar os pés numa tina d’água (evita levar areia pra dentro do clube) comecei a sentir o frio de verdade. Tinha que me concentrar para relaxar e não bater os dentes… Na sauna, conversando sobre o “treino” do dia e ainda tremendo de frio, ouvi um elogio “not bad for a first timer”, de um senhor de uns 80 anos. Acho que tinha uma certa condescendência ali, mas tudo bem. Fiquei ainda tremendo após sauna e banho quente, até filar um café na cozinha do clube, onde o “Friday Breakfast Crew” conversava animadamente enquanto preparava um desejum reforçado pra galera. Simpáticos, os membros do Dolphin Club nós receberam muito bem e contaram façanhas de travessias e das centenas de milhas nadadas nos invernos daquela cidade. Todos me pareceram cientes de que eram sortudos de estarem ali. Da minha parte, a única vez que senti que se impressionaram com algo que disse foi quando mencionei que na semana anterior havia feito um treino parecido no Rio de Janeiro com água numa temperatura de mais de 25C… “Uau, que contraste… E nadar no Rio deve ser bonito também” – disse alguém. Concordei, notando que, apesar do dia cinza, Alcatraz já estava totalmente visível logo adiante, com suas caixa d’água de prisão e muros altos… A ilhota parecia estranhamente mais próxima e convidativa agora. Será que os PEBAs um dia topariam uma nadada até lá? O evento Alcatraz Sharkfest Swim – 2015 já está lotado, mas deixo aqui a idéia…
Munhoz, começou o ano gelado, hein? Bela nadada, apesar que que o ritmo foi muito fraco, não sei se pega o reveza PEBA.
Uma coisa que não entendi foi se alguém estava de roupa ou se todos os citados estavam no pelo. Eu até poderia tentar uma vez sem roupa só de farra, mas se morasse lá acho que no dia a dia iria com roupa, como fazia em Del Mar. Derrota?
R,
Ritmo tranquilo…”alisar a água” é meu lema nesse 2015.
Todos nós estávamos de sunga apenas. Vi apenas uma senhora de roupa de neoprene laranja, mas creio que ela era do Clube vizinho.
Acho que você até poderia tentar nadar de roupa por lá… mas não pegaria bem não. Inclusive acho que arriscaria uma situação “liable to paschú”… 🙂 (brincadeira…?)
Pessoal,
Estou desde setembro de 2014 enganando a mim (e mais 2 ou 3 coitados) quando digo: “Semana que vem vou me matricular na natação”. ‘Sad but true’ sinto saudades, principalmente, de duas coisas: (a) do silêncio que já não tenho mais no trabalho e tampouco em casa com a filharada e (b) daquela sensação de cansaço do corpo (mais do que o mental). Lendo o post do Munhoz fiquei envergonhada dos quase 6 meses de enrolação.
O mais estranho foi que só de pensar no frio, meus dentes ficaram batendo aqui e mais uma vez me transportei (ler Epichurus tem esse poder sobre mim) para mais 14 ou 15 anos em Guaratinguetá numa piscina gelada de doer num Jogos Abertos do Interior.
Fantástico! Mais uma vez obrigada pela viagem!
Oi Paoletti! Que legal saber que você go stop.
Sobre sua Volta a piscina: Nāo precisa ter vergonha nāo! A procrastinaçāo inicial é normal. Depois que pega o ritmo, a coisa fica mais fácil. Aliás, você nāo está sozinha nessa: o Lelo anda enrolando para recomeçar os treinos desde antes daquela competiçāo em Ribeirāo no ano passado… Mas ouvi dizer que voltando das férias, ele vai começar a treinar para o embate com o Renato nos 50 peito – em Ribeirāo novamente. Que tal fazer disso sua meta também? Nâo precisa ser nos 50 peito, claro… 🙂
Mantenha-nos informados, por favor, ok?
Munhoz, um objetivo parece uma boa pedida, mas certamente não será uma prova de peito. :^) Os avisarei e obrigada pela força!
Paoletti, muito bom ouvir que “ler Epichurus tem esse poder (de transportar para o passado) sobre mim “.
Valeu! 🙂
Boa Munhoz! Admiro essa disposição que vocês tem de continuar treinando mesmo nos momentos mais difíceis, como conferencias fora do Brasil, que geralmente são bem cansativas. Me conhecendo bem eu não teria acordado pra tal façanha ou se tivesse, teria ficado ali no Ghirardelli tomando um excelente chocolate quente. Engraçado que fui pra San Francisco em 2013 e encontrei uma galera que nadou comigo na faculdade e que agora moram por ali. O Nels nada três vezes por semana exatamente nesse mesmo spot que você nadou. No caso dele, menos kamikazi, nada com um suit completo. Disse que algumas vezes já ficou cara a cara com leões marinhos, o que ele chamou de “pretty scary”. Achei interessante essa travessia de alcatraz com nome pouco convidativo de Sharkfest. Sempre escutei que as águas da baia eram repletas de tubarão. E aí, como funciona para os nadadores? Será que tem algum repelente ou os tubarões já não mais perambulam por ali?
E pra não dizer que sou mega sedentário, fiquei 30 minutos nadando no mar na última sexta-feira. Lógico que grande parte desse tempo passei boiando, observando os peixes, nas águas quentes do Caribe. Longe dos 1500m em águas gélidas, mas um bom começo pra mim!
abs
Boa Lelo! 30 minutos nadando deve ser mais que a soma dos últimos meses, hein?! Bom começo pra temporada mesmo… Agora é manter.
Sobre seus comentários de nadar na baía: tranquilo…. E de tubarão não tive medo, pois ali não tem nenhum acidente reportado que eu saiba. Sobre leões marinhos, realmente ali tem muito e havia um aviso no vestiário pra tomar cuidado com alguns que tinham “sido agressivos” com nadadores perto do píer da Hyde st … Fiquei esperto, mas nenhum chegou perto da gente desta vez.
Abrtz e te vejo na piscina!
Bem legal o post. Especialmente lendo daqui de San Francisco sentado em uma reunião sobre tecnologia (não concorrente da Adobe). Outra dica bacana para quem visita a cidade são as piscinas públicas. Por $5 Vc pode usar a piscina/vestiários e até pegar emprestado um palmar e flutuador: http://sfrecpark.org/recreation-community-services/aquatics-pools/
Abraços, Daniel
Legal, Daniel! Aproveite bem a cidade e, se puder, passa lá no Dolphin Club, nem que for pra dar uma olhada e tomar um chocolate quente na Ghirardelli, conforme dica do Lelo…. Seria legal se pudesse também contar um pouco mais de detalhes da experiência de uso das piscinas públicas, se for em alguma por aí.
Valeu e um abraço !
Munhoz, o Daniel é um leitor antigo e inclusive já comentou sobre piscinas públicas por aí, nesse comentário de 2013.
Beleza Pessoal! Tinha até me esquecido que já havia comentado sobre este assunto aqui. Já usei bastante a piscina de North Beach, fica a uns 15 min a pé da Ghirardelli Square. Lá são duas piscinas – ambiente fechado, climatizado, temp da água a uns 25 C. Uma piscina para “lap swimming” e a outra para hidroginástica, aulas para crianças etc.
Vc paga 5 doletas e pode usar a piscina à vontade. Tem cronômetro de borda, prancha, nadadeira, flutuador etc. Tem vestiário também com armários e chuveiros. Quebra um bom galho!
Abraços a todos!
Tá anotado para a proxima ! Valeu, Daniel!
Munhoz, achei sensacional seu post.
Impressionante essa resistência a água fria.
Como somos mal acostumados aqui no Brasil.
Se deixo a temperatura da água cair de 30oC para 28,5oC aqui na academia, já é um chiadeira violenta.
Sinceramente, não lembro de ter nadado a menos de 17oC.
E isso é muito mais quente ou menos frio que 12oC.
Belíssimo relato. Super experiência vivida.
Minha admiração por mais essa passagem.
Forte abraço.
Valeu, Esmaga! A água fria realmente não me incomoda tanto… deve ser minha camada adiposa que generosamente me protege. Agora avisa pro pessoal aí que água a 30oC é quase uma sopa hein?! Abraços!
O duro do gerente dizer isso é que acham que é mentira só para economizar com o aquecimento… rsrs
Boa Munhoz! E a molecada chiando, aqui em Araraquara, quando a treinava a 14 graus (recorde absoluto – anos 80) naquele piscinão comprido e fundo da Ferroviária. Ô gente frouxa, sô!
Molecada mal acostumada… ou magra demais ! Agora, na boa… eu também reclamava em Bauru quando a água ficava abaixo dos 20C… Grande abraço, Orselli e desculpe que eu demorei para ver e reponder este seu comentário!