Quem não sente, de vez em quando, aquela saudade da época pré-internet, quando você podia tomar um chopp com os amigos e não se sentir obrigado a verificar o celular a cada 10 minutos pra ver se tem whatsapp da patroa, dos filhos, ou pior, do trabalho, aguardando imediata resposta. Vivemos num mundo que exige o imediatismo!
Quem não lembra de levar uma ficha da Telesp na carteira para no caso de um possível atraso, procurar um orelhão as 3 da matina pra avisar a mãe que não ia chegar em casa no horário combinado? Não faz muito tempo, mas parece que faz 100 anos, numa época que não tínhamos preocupações com sequestros relâmpagos, blitz de lei seca e muito menos com flagras de celular te pegando em presepadas na balada. Época do xaveco olho no olho e não via aplicativo ou redes sociais. Somos completamente dependentes do mundo digital. Sinal dos tempos!
Em 1995 ainda vivíamos no mundo “analógico”, embora não sabíamos que ele estava com os dias contados. Eu estava sentado na mesa de um boteco meio sujo em Copacabana, ao lado do Renato Cordani e Carlão Dudorenko. Eles estavam enchendo a lata (na época a mania era tomar Antarctica), enquanto eu estava me contendo ao máximo, afinal ia nadar, no dia seguinte, o 2º Campeonato Mundial de Curta, numa linda piscina montada nas areias de Copacabana. Tomar cerveja antes de uma competição dessa magnitude não passaria na minha cabeça poucos anos antes. Seria um sacrilégio! Só que eu já estava em fim de carreira e a disciplina necessária para um nadador de seleção já estava enfraquecida a um bom tempo. O principal tema discutido no boteco foi obviamente o Mundial, mas me lembro nitidamente que entre um assunto natatório e outro, discutimos as poucas alternativas de provedores de e-mail no Brasil. Basicamente existia a Mandic, única provedora em terras tupiniquins. O Renato se julgava privilegiado, pois fazia mestrado em Geofísica na USP e a universidade lhe provia um e-mail próprio. Era o mesmo caso comigo, que tinha e-mail da ASU (Arizona State University), e do Rodrigo Munhoz e Rogério Hawilla, ambos na Universidade do Missouri, embora a onda do momento nos Estados Unidos era ter e-mail AOL (America Online). Já fazia cerca de um ano que passamos a trocar e-mails uns com os outros e a saudosa atividade diária de passar na caixa de correio no fim da tarde pra ver se tinha carta dos amigos brasileiros passou a acontecer somente aos fins de semana. Sinal dos tempos!
De lá pra cá dezenas de ex-nadadores se juntaram a esse nosso grupo de e-mails, que em algum momento foi carinhosamente apelidado de Phutada, assim mesmo com “h”, pelo Pacheco, nadador pinheirense pra lá de PEBA. A história do “h” é curiosa. Um ex-nadador do Paulistano, o Guila, hoje um dos líderes nacionais do setor de economia, mas na época apenas mais um PEBA declarado, trabalhava numa empresa que filtrava palavrões e, portanto, não recebia e-mails do Putada! A solução do “h” no meio da palavra foi tão simples quanto eficaz e aprendemos, desde então, a sempre escrever palavrão com um “h” no meio, desde “bhunda”, até coisa muito mais cabeluda… Hoje, 20 anos depois, é praticamente impossível escrever palavrão sem “h”! A mania ficou enraizada no cérebro.
O Phutada hoje conta com 28 membros e nessas duas décadas trocou mais de 500 mil e-mails, desde assuntos banais e cotidianos, até assuntos complexos sobre política, religião, tecnologia e obviamente natação e futebol. A quantidade de e-mails é aproximada, dado que até 2004 não guardávamos as estatísticas do grupo. Nesse ano sentimos a necessidade de montar algo mais formal, um grupo fechado, depois de um dos membros incluir no grupo de e-mails, sem avisar os outros, algumas mulheres e não preciso explicar o xabú que deu quando o primeiro assunto tipicamente masculino foi dividido com o “melhor sexo”. De 2004 pra cá, oficialmente, trocamos 320 mil e-mails! O grupo é quase que integralmente formado por ex-nadadores, embora somos obrigados a aturar um ex-poleiro e um ex-triatleta amador. Muitos são líderes de mercado (sinal claro que o esporte ajuda na formação profissional do cidadão, embora alguns deles não concordem) e não é tão raro algum assunto sair em algum veículo de comunicação como furo de reportagem quando o Phutada já estava o discutindo a alguns dias. Situação que invariavelmente traz o jargão “Deu antes no Phutada”!
Além das centenas de e-mails diários, nos encontramos pessoalmente também, seja nos famosos Poker Nights, em Happy Hours da vida ou em aniversários da galera. Isso sem contar no tradicionalíssimo Brasileiro Master de Ribeirão Preto que o Phutada vai todo ano, disfarçado de equipe PEBA! Pois é, a tecnologia também tem seu lado bom. Se ainda vivêssemos numa era pré-internet, tenho absoluta certeza que desses 28, eu teria contato apenas com meia dúzia, o resto ficaria na memória de uma época saudosa, mas que ficou pra trás! Tenho certeza que grande parte dos nossos leitores tem seus próprios Phutadas que atrelados ao Facebook (que praticamente todo mundo tem) nos mantem em contato constante, mesmo que seja só no mundo digital.
Eu escrevi meu primeiro texto no Epichurus em 2012 e curiosamente eu queria inaugurar com um texto sobre o Phutada, muito parecido com esse de hoje, mas na época, próximo aos jogos de Londres acabei escrevendo sobre a fraca metodologia da CBDA por trás das seletivas olímpicas. Nesses 4 anos sempre quis escrever sobre esse nosso grupo, mas assuntos mais relevantes ao nosso esporte preferido sempre levavam prioridade. Hoje a galera do Phutada está, ativamente, embora por trás dos panos, trabalhando e suportando a campanha do Miguel Cagnoni a presidência da CBDA com o único objetivo de acabar com a ditadura por lá. Ninguém tem qualquer interesse pessoal na empreitada, salve o bem da natação, que hoje está morrendo sem renovação, ameaçada de perder o apoio estatal que durante décadas a sustentou e com enormes cicatrizes causadas por uma terrível administração que causaria inveja a qualquer ditadura.
Por incrível que pareça o Phutada também está nos últimos suspiros, trocado pelo “ZapZap”, muito mais imediatista que e-mails, mas também com bem menos profundidade de assuntos. Sinal dos tempos! Que sua última ação altruísta de suporte ao #MudaCBDA seja um sucesso para fechar sua história com chave de ouro!
Lelão, bom post saudosista…. Belo sinal de velhice isso sim! Entregou geral.
Lembrei de mais uma: E aquele caderninho de telefone & endereços que a galera usava juntamente com as fichas telefônicas e para eventualmente uma ligação de emergência ou para mandar cartas (snail mail mesmo)? Acho que meus filhos nem sabem o que seria um selo postal… Me lembro de um certo colega do Projeto Futuro, de apelido “carinhoso” que carregava uma versão “mobile” do livro de endereços dentro da carteira, na forma de uma folha de sulfite, escrita em letras minusculas e cuidadosamente dobrada… Teria ele – que foi um laggard do Facebook – guardado algum destes “black lists” dos anos 90? Vou perguntar no proximo PN se ele aparecer.
Abrtz
Esse rapaz “carinhoso” do Projeto Futuro deve utilizar a folha de sulfite até hoje, mas infelizmente não teremos a confirmação dado que dizem por aí que a patroa não deixa ele frequentar os Poker Nights!
Usei muito papel carbono também. Mas o que é impensável mesmo é nadar a competição com a mesma sunga do treino, o que eu fazia com frequência. E não chamávamos de sunga, era maiô mesmo…
Quanto ao whatsapp, é legal, pena que algumas pessoas não tenham noção de como usá-lo…
Impensável era treinar sem beber água… O whatsapp é legal pra trocar piadas. Para assuntos sérios é uma lástima!
alguém pode me explicar por que o Hoffmann não está neste tal Phutada?