Em 1989 li com profunda tristeza, num jornal da cidade de Resende no estado do Rio de Janeiro, a notícia que a CBDA não tinha verbas para levar a seleção brasileira para o Campeonato Sulamericano Juvenil de Rosário na Argentina. Seria a primeira vez desde a primeira edição dos jogos, que o Brasil, principal potência continental, ficaria de fora. Essa seria minha estreia na seleção brasileira e não preciso contar o tamanho do desapontamento. Depois de semanas de muita tensão a viagem foi confirmada graças a FAB, que emprestou um avião para levar a galera. Saímos da base aérea de Guarulhos num avião adaptado para levar passageiros, mas que nem porta-bagagem tinha. Foi uma bela aventura para um garoto de 17 anos, aliviado por poder estrear na seleção embora em nenhum momento durante as semanas de incerteza tenha cogitado protestar contra a CBDA e sua estranha falta de verba, dado que os Correios já enchiam o caixa da entidade.
No ano seguinte, em 1990, aceitei com incompreensível passividade, a notícia de que eu estava fora do revezamento 4x100m Medley do Brasil no Sulamericano Absoluto (também em Rosário), embora eu tivesse sido o melhor brasileiro na prova individual de 100m Peito na competição. A explicação do técnico foi que o revezamento fora inscrito antes da prova individual e, portanto, optaram por outro atleta. Mesmo devastado, não questionei a decisão da comissão técnica e muito menos fui atrás para saber se a regra de fato era verdadeira.
Em 1992 acompanhei com pouco interesse a polêmica de algumas convocações para as Olimpíadas de Barcelona que levaram em consideração índices obtidos em competições regionais de pouca expressão fora do Brasil. Teve gente que protestou veemente a falta de transparência de tais resultados. Tampouco questionei os índices irreais que acabaram por não levar nenhum nadador de peito para Barcelona. Fato que se repetiria em Atlanta, 4 anos depois, criando um GAP de 12 anos sem “peitistas” brasileiros nos jogos olímpicos.
Em 1993, no Mundial de Palma de Mallorca, Espanha, a seleção brasileira foi com apenas 11 atletas, todos homens, fruto do bizarro critério de convocação que montara a seleção com apenas os melhores índices técnicos do Finkel. A convocação gerou protestos do público feminino. Na época dei pouca importância ao pleito das meninas, mas mais estranho foi meu silêncio com o fato da viagem ter mais cartolas do que nadadores. Aliás, curioso e triste ao mesmo tempo foi perceber que nas piscinas do Mundial, com exceção do Coaracy, Rodney e Moura, não se via os cartolas, que só reapareceram, com muitas malas, no aeroporto para a volta ao Brasil.
Em 1996, já em fim de carreira, participei da seletiva Olímpica para Atlanta. O revezamento feminino não alcançou o índice por poucos centésimos. As meninas inclusive confeccionaram uma camiseta em forma de protesto e a distribuíram na competição seguinte. Eu ganhei uma da Tania Schu e embora tenha ficado feliz com o presente, não consegui entender o protesto feminino. “Não fez o índice, não importa se por 1 centésimo ou 1 minutos, não tem direito de ir para os jogos”, pensei com meus botões!
Em 1997 me formei e pendurei a sunga de vez para poder ingressar no mercado formal de trabalho. A verdade é que em nenhum momento durante os quase 20 anos que nadei sob o comando da CBDA me importei em protestar contra várias políticas dúbias impostas pela entidade. O que é claro para mim hoje é que não foi por falta de vontade ou interesse político, mas sim por um entendimento (equivocado) de papéis e responsabilidades. Era uma época que confiávamos cegamente nos treinadores e acreditávamos que o sucesso como nadador não era fruto do talento natural, mas sim da quantidade e intensidade dos treinos e embora me incomodasse muito boa parte dos critérios de convocação para a seleção brasileira, principalmente para Mundiais e Olimpíadas, era claro pra mim que meu papel era treinar e treinar mais que meus competidores. Política era para técnicos e cartolas.
A natação brasileira vive hoje um momento conturbado. Além da falta de renovação e de maus resultados nos jogos Olímpicos em casa, mesmo com o alto investimento nos atletas de elite, a CBDA está inundada em acusações de improbidade administrativa e vem tentando manipular as eleições para garantir o continuísmo do império que já faz bodas de pérolas. Tão grave quanto isso, a rica fonte de grana estatal secou.
Diante dessa triste realidade e da real chance do continuísmo da situação, eu só vejo uma única atleta ainda na ativa, Joanna Maranhão, publicamente se expressar contra a continuidade dessa gestão temerária. Me parece descabido dado que o esporte se profissionalizou e boa parte do ganha-pão dos atletas está atrelado ao patrocínio estatual que morreu.
Embora eu não concorde (nem um pouco por sinal) com a visão política da Joanna, admiro sua coragem de lutar por aquilo que acredita, independente das consequências. Antes dela, Eduardo Fischer também lutava contra o império. Nessa luta, estou 100% ao lado deles, mas como diz o ditado “Uma andorinha só não faz verão”.
Porque os demais atletas, que hoje tem tanto espaço na mídia, se calam diante de tamanha má gestão, ou pior, alguns parecem inclusive apoiar a situação. Tudo isso é medo de represálias?
Não, isso não é medo. É passividade. É esperar passivamente que a mudança ocorra a partir de outros.
Sei não, Julian… eu até acreditaria que é “só” passividade, se visse, pelo menos, alguém “xingando muito no Twitter” e não fazendo nada além disso (o que muita gente faz, inclusive, em relação à situação política, por exemplo), mas ninguém simplesmente diz NADA. Alguns até COMEMORARAM quando finalmente saiu a confirmação da renovação do contrato com os Correios mesmo com um corte acintoso que deve prejudicar mais gente do que nunca e ajudar menos ainda quem já recebia ajuda…
É Julian! Acho que a passividade deve explicar 70%-80% dos atletas em silêncio, mas acreditar que só uma atleta tem perfil pra criticar me parece exagero. O medo nos esportes coletivos onde o critério de convocação é subjetivo eu entendo , mas na natação onde é impossível não convocar quem bate na frente, me parece estranho. O silêncio deve ter a ver com o medo de perder a grana da estatal, mas sem essa grana que secou, é muito bizarro esse silêncio todo!
abs
Olha, eu nem consigo mais opinar nessa situação toda.
2017 tá claramente perdido pros esportes aquáticos. Talvez fosse mesmo melhor não levar ninguém pra campeonato nenhum (entendo o prejuízo em todos os sentidos, mas no atual momento, acredito que entubar prejuízos seja melhor). Talvez a “vergonha internacional” fizesse atletas e demais pessoas que ainda se calam ou apoiam essa situação acordarem.
É lastimável mesmo Patricia! Onde foi parar tanto dinheiro? Espero que o Miguel, se eleito, consiga restabelecer a CBDA, mas não vai ser missão fácil não?!
O dinheiro foi parar nos bolsos daqueles que menos precisavam, como sempre… precisamos ter a esperança da mudança, mas ter a consciência de que não vai algo possível em somente quatro anos, né?
Acredito que o fato dos nadadores de hoje abrirem mão dos estudos e dedicarem-se às suas carreiras até os 30 e poucos anos, criou uma dependência da grana que vem dessas fontes. Se o cara perde a grana, perde tudo, porque não se preparou para um Plano B ou para a vida Pós-natação. Talvez também saibam que o patamar econômico que atingiram com a natação dificilmente será mantido em outra carreira (consequência de uma época onde o cofrinho estava cheio e atletas “Pebas” -como vocês gostam de classificar aqui – tinham remuneração pra causar inveja em atleta olímpico norte-americano).
E ai, meus amigos, na natação, no mundo corporativo e talvez em Marte também, quando o negócio aperta no bolso, pra 99% das pessoas é cada um por si e vale tudo pra não encarar a pindaíba. Há 1% de Joannas que colocam outros valores à frente do $$$ e optam por dormir em paz (mesmo de bolso vazio).
Excelente ponto Rodrigo. Já discutimos, mais de uma vez aqui no Epichurus, essa armadilha que entram os atletas que abandonam os estudos, mas nunca tinha encontrado um elo com a passividade frente a má gestão na CBDA.
abs
Boa, Lelo.
Vc tá ligado que em 1989 voamos no famigerado 707 conhecido posteriormente na FAB como “sucatão”, né?
Muito triste que os atletas não se manifestarem (acho que é a mesma alienação de sempre) é a situação da CBDA hoje em dia. Mais triste é que a ex-diretoria (o mandato do Coaracy já acabou!) insiste em se perpetuar na liderança da entidade. Mais triste ainda são algumas federações estaduais que ainda apoiem essa palhaçada. Nesse caso sim, acho que é por medo. Medo duplo: De perderem alguma mamata e de serem envolvidos em alguma sujeira que se venha a descortinar no futuro próximo – quando os ventos eventualmente mudarem de direção.
Me resta ter esperança que vai mudar.
Abraços,
Munhoz
Não sabia essa do Sucatão Munhoz! Fizemos história então ao viajar naquela nave! Na época eu curti! kkkk! Acho que hoje daria um frio na barriga!
Sim, medo de represália multiplicado por 29… os anos em que Coaracy governou!
Felizmente, esse tempo já era. Vamos ver se sobrevivemos a 2017, para a partir de 2018 as coisas melhorarem…
Imagino que agora a situação da chapa da situação ficou insustentável. Sei que no Brasilzão tudo é possível, mas não consigo imaginar a situação vencendo depois das prisões de hoje! Miguel terá um árduo 2017 pela frente, tentando reerguer uma instituição falida, arcaica e investigada pela justiça. Que tenha força para tal! Estamos torcendo muito…
sera que nao pesa, o fato do brasileiro ser egoista e desde que nao mexam no dele, tanto faz?
Pesa Felipe! Só que aqui tão mexendo no deles e por isso o silêncio é bizarro! Hoje, depois das prisões, Cielo se pronunciou mostrando que não era surpresa as prisões. Foi político nas respostas, mas ao menos comentou o assunto!
Isso é que me deixa mais chocada! Todo mundo se manifesta agora dizendo que não era surpresa etc. e tal, mas cadê esse povo falando qualquer coisa quando tava tudo “aparentemente” lindo e favorável?
Agora, é fácil… Cesão mesmo foi uma decepção: assim que ganhou o ouro em Pequim, brigou com o Coaracy, mas sofreu uma coação aqui e ali e acabou se calando de novo.
Thiago, estão dizendo, pode ser um nome forte junto aos atletas e à nova administração da CBDA e era chamado de Presidente na seleção… mas ele me parece mais conivente (talvez excessivamente político, no sentido de querer agradar geral e tal) do que empenhado em alguma mudança real.
Que oportuno este post…
Vejamos o que estamos vivendo hoje como uma oportunidade de redirecionar nossa natacao.
Eu garanto que não sabia da Operação Águas Claras!
recentemente foi decretada prisão daquele delegado vazou umas investigações em GO, fica ixxperrto aí merrrmão
como eu nunca fui selecionado não posso opinar especificamente sobre a falta de $$$ para Rosario em 1989, mas eu estava próximo de pessoas que foram (RR, Smaga, Becker…) e absolutamente não me lembro deste risco da viagem não acontecer.
como fizemos, todos nós, parte do movimento que apoiou a eleição do Coaracy naquele ano, creio que tenhamos passado os primeiros dez anos acreditando que ele estava no caminho certo, sei lá.
ainda tem muita gente honesta que não se manifesta contrária ao Coaracy e isso permanece sendo um mistério para mim, nem tanto ao céu nem tanto a terra.
Você está confundindo as seleções LAM. RR e Smaga já eram da categoria Sênior em 1989. O Becker foi, assim como o Cheiroso, Celeste Moro entre outros. Me lembro nitidamente da Isabele Vieira na Base Aérea, antes do embarque porque batemos um papo sobre o “feio” uniforme da seleção. Eu só não lembro se naquela época ela já nadava pelo ECP ou ainda por Curitiba. Pode ser que a viagem pela FAB foi só pra galera de SP, isso eu já não lembro mais, mas que a nossa participação foi ameaçada, eu tenho até recorte de jornal que mostra isso, como me lembro bem da conversa com o William que disse que iria até o Rio “resolver” o problema!
Parece que se os atletas atuais não se indignam, ao menos as autoridades investigativas e policiais estão fazendo sua parte. Provavelmente os atletas não sonhavam que a CBDA pudesse estar coberta de lama até o pescoço. Não acredito que algum atleta devesse sequer imaginar o nível das fraudes e dos desvios do grupo dominante. Se sabiam, serão cúmplices. Nunca houve prestação de contas, pelo que sei. E os atletas não se vêem responsáveis por esse papel fiscalizatório. Acredito mais na índole passiva do brasileiro médio, no respeito cego à autoridade e na credulidade ingênua típica do nosso povo. Desafiar o status quo é muito difícil, sempre traz consequências, especialmente quando o poder está podre e não quer que o cheiro do enxofre se espalhe. Hoje a corda arrebentou no lado mais forte. Momento raro para que os mais fracos botem a boca no mundo e informem o que suspeitam e quais são os indícios. Lhes dou um outro exemplo pessoal, além da já debatida pancadaria do Delamare que sobrou punição só para os atletas, sem nunca ter havido uma investigação decente: Para os Jogos de Barcelona, eu, Romero e Vlad demos o índice nos 100 costas. Depois das tentativas, eu fiquei com o terceiro tempo e sobrei. Nos 200 costas eu era o segundo tempo, mas não tinha o índice. Era quase noite na piscina do Flu. Me passou pela cabeça que a direção poderia ouvir meu pleito. Entrei na cabine de controle e procurei o Presidente. Disse que achava justo quem tem o índice em uma prova poder ser escalado para nadar outra prova, já que era uma decisão exclusiva da Confederação Brasileira. O preso me abraçou, cuspiu um bocado e respondeu: trate de treinar mais. Esse foi o risco que eu corri. Respeitei a autoridade, mas nunca mais acreditei nos critérios. Abs
Me parece bem plausível suas teorias Cristiano e não sabia dessa sua “peitada” no homem pra convocação de 92. Interessante e coerente. A resposta é que doeu hein!
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