Mais Respeito Com a Travessia 14 Bis

Ouvi falar da Travessia 14 Bis pela primeira vez faz mais de 30 anos. Uma jovem nadadora me contou que tentou completar a prova e não conseguiu. Nadador de piscina que sempre fui, a descrição do perrengue na prova me assustou. No começo dos anos 90, a prova de 24km que começou a ser disputada como um desafio para um pequeno grupo de nadadores já era bem tradicional tendo começado em 1970. Como parte das comemorações da Semana da Asa, a 14 Bis era disputada no sentido oposto ao que é feito hoje, ou seja, começando na Base Aérea de Santos (BAST) e terminando no Forte de São João na cidade de Bertioga. Na época o acompanhamento individual por uma embarcação era opcional e imagino que a alimentação era algo rudimentar. Há histórias de nadadores que se perdiam no canal e chegavam em Bertioga no dia seguinte: Show de horror… Com o aumento da intensidade no tráfego de balsas – que precisa ser interrompido para a passagem dos nadadores – o percurso se inverteu. Hoje em dia também é obrigatório que cada nadador tenha sua embarcação acompanhante para segurança e, naturalmente, a alimentação e hidratação melhoraram muito. Mas de qualquer forma, ainda nada-se basicamente toda a extensão do Canal da Bertioga. Na minha época de nadador de piscina, não passava pela minha cabeça sequer cogitar fazer uma prova dessas.

Mas o tempo passa e as disposições mudam. Parei de nadar “a sério” depois que me formei e comecei a trabalhar, mas nunca parei de nadar. Comecei a ir em competições Master com os amigos Pebas e por um bom tempo ainda fiquei focado nas provas de peito e medley. Mas, em paralelo, comecei a pegar gosto por águas abertas e passei a curtir pequenas travessias no mar. Fiz várias e, apesar de ruim pacas, notei que curtia mais nadar no mar que as competições de piscina. Os meus treinos, em geral sem um técnico na borda, ficaram menos estruturados e mais “rodados” – sem muitas séries de intensidade – também pareciam servir melhor a longas distâncias. Foi aí que conheci a turma do Paineiras que treinam só pra fazer travessias e uma coisa levando a outra, acabei sendo desafiado a fazer a famigerada 14 Bis em 2022, já com 50 anos de idade. Treinei bastante naquele ano, fazendo muita metragem e mantendo a disciplina de treinos bem longos (acima de 10km) nos finais de semana. Duas vezes nadei acima de 15km na piscina, testei alimentação e hidratação e até comprei um caiaque, já contando com o apoio do companheiro de treinos diários: O meu compadre LAM (Luiz Alfredo Mäder) para ser meu barqueiro de apoio. Mas o meu objetivo de verdade era apenas completar os 24Km nadados. Junto com quase 300 outros nadadores, fui “de boa”, o clima ajudou e fiz 5h44min naquela primeira 14 Bis, o que considerei excelente (4o lugar na minha categoria) – especialmente por ficar abaixo das 6horas. No ano seguinte, treinei um pouco menos, mas mantive a disciplina e os treinos longos e a intensidade. Apesar de um pouco mais velho, de novo com apoio do LAM- agora mais experiente no caiaque, fui ainda melhor: 5h36min (1o na categoria). Contudo, em retrospecto, deveria ter prestado mais atenção no final de prova que foi difícil, com uma queda séria no meu ritmo que foi de 1´30/100m por boa parte da prova para uns 2´/100m nos últimos 3km…

E chegamos nos dias de hoje… decidi fazer a 14Bis novamente em 2024 e me inscrevi meio que de última hora, sob pressão do veterano Sergio Weiser (9 Travessias 14 Bis). Me comprometi com cerca de 1 mês para a prova, quando já nem havia mais o kit disponível. Eu já estava treinando uns 15km por semana, o que achei suficiente como base e adicionei apenas um pouco mais de metragem e fiz dois treinos de 10Km nos fins de semana. Para complicar um pouco mais, 15 dias antes da prova fiz uma viagem de 1 semana na qual não consegui treinar. Mas mesmo assim estava confiante, dada a performance dos anos anteriores e fui pagar pra ver. Literalmente.

O dia da 56a Travessia 14Bis começou bonito em Bertioga: Sol, sem vento e um calor razoável. Parecia perfeito para uma longa nadada no canal. Só que não…

Depois de um começo de prova bem bom, com uma média parecida com os anos anteriores, entrou uma brisa firme que ficou contra o percurso por praticamente toda prova, criando uma marolinha chata e dificuldades de navegação. A maré também não ajudou dessa vez. Logo depois dos 6km, minha média por 100m foi de 1´30 para mais de 2´… e ficou nisso por quase toda prova. O LAM teve trabalho no caiaque dessa vez, reclamou bastante do vento e chegou a ter dificuldade nas paradas de hidratação e alimentação pra ficar ao meu lado e para me acompanhar sem me atropelar – o que nem sempre foi possível, gerando uma certa ira. Nadei sozinho bastante tempo e tinha que ficar levantando a cabeça para navegar, o que me deu um baita torcicolo. Soube que alguns outros caiaqueiros chegaram a desistir e foram rebocados até a chegada.

O ganhador da prova – Luis Felipe Lebeis, fez 5h16min, ante um 4h34min no ano anterior. Entre a geral, os resultados foram muito mais lentos que em 2023 e os sorrisos na chegada foram bem mais raros. Eu fiz 6h31min… Nem sei minha colocação ainda, mas não estava entre os primeiros nem da minha categoria.* Minha média foi de 1´46/100m, ou seja um verdadeiro Peba – agora mais humilde. Foi bem sofrido, o que serviu para me lembrar de sempre respeitar esse tipo de prova.

*Post atualizado: Resultado oficial foi na verdade 6h29min – 4o lugar na categoria, 26o no geral. Resultados Gerais aqui.

Ainda que as condições não tenham sido radicalmente ruins, uma mudança na natureza relativamente pequena fez muita diferença na experiência da prova. A parte legal foi reencontrar um colega da natação de Bauru que não via a muito tempo: O Paulo “Pop” Abdo. Ele saiu do zero e treinou forte por vários meses. Fez sua primeira 14Bis muito bem, em 6h33min aproximadamente. Ficou felizão e ainda pegou um troféu de 3o na sua categoria. Parabéns, Pop!

O que me leva a alguns lembretes para o caso de resolver me meter nesse tipo de fria novamente no futuro: a. Treinar mais, com volume de metragem (pelo menos 24km/semana) por mais tempo (7-8 semanas mínimo) b. Fazer pelo menos umas 3 nadadas longas antes da prova (pelo menos 60% da metragem) c. Evitar viagens sem treino nas semanas próximas a prova ou planejar treinos em viagem (i.e. não ser preguiçoso) d. Evitar mais de 2 (ou 4) cervejas com 12 pasteis e iscas de frango a milanesa na noite anterior (que pode ou não ter atrapalhado um pouquinho, mas tradição é tradição!) e. Não fazer uma caminhada de 9mil passos na orla de Bertioga na véspera da travessia f. Esquecer de tomar Coca-Cola no meio da prova: testei, arrotei pacas e não gostei g. Não combinar de ir no show do Samuel Rosa na noite após a travessia h. Dica do LAM: tenho que bater mais perna. E falando em LAM, agradeço ao nobre amigo pelo apoio e espero que ele queira nadar a 14Bis no meu lugar em 2025. Eu posso ir no caiaque e juro que vou fazer um caminho direto e otimizado, ficando bem a vista durante todo o percurso. Sem mimimi.