(Texto do nadador, leitor atento e colaborador Raul Crespo de Magalhães. Eu mesmo – rcordani – volto no primeiro comentário.)
Por Raul Crespo de Magalhães
Entre 1995 e 2000 eu morei na república da natação do Minas Tênis Clube. A casa comportava 10 indivíduos cheirando a cloro e o telefone tocava a toda hora – o celular ainda não era popular nessa época. Volta e meia eu atendia o aparelho e o diálogo que se seguia era o seguinte:
Eu: Alô!
Do outro lado da linha: Quem?
Eu: Raul.
Do outro lado da linha: Oi, Raul! É a Tia!
Eu: Oi, tia! Quer falar com o Ju ou com o Piu?
A “Tia” é a Sra. Odete Aoki Romero, mãe do Ju (Julian Aoki Romero) e do Piu (Rogério Aoki Romero), que dispensam apresentações. A Tia Odete é uma senhora incrivelmente simpática, que adorava natação, conhecia tudo do assunto e estava em todas as competições importantes dos filhos. E meio sem querer me ajudou a tomar uma decisão importante e difícil: parar de nadar.
Eu pensei em escrever esse post para pagar minha promessa com o Blog, mas também porque achei oportuno o assunto. Joanna Maranhão parando e Ian Thorpe com suspeitas de depressão e, segundo a mídia australiana, tendo problemas em se adaptar à vida fora das piscinas. Tudo isso me fez pensar em como pode ser difícil essa transição. Além do mais, essa história sobre a minha aposentadoria é o episódio mais engraçado da minha carreira peba.
Talvez em outros momentos eu fale sobre natação, o amor que eu sinto pelo esporte, os amigos que fiz e algumas conquistas que me dão orgulho. Por ora, falemos da tia Odete. No ano 2000 eu machuquei o ombro e resolvi fazer uma cirurgia para corrigir a lesão. Mesmo sem treinar, fui recrutado pelo Minas a ir ao Campeonato Brasileiro de Inverno Absoluto daquele ano, última seletiva para as Olimpíadas de Sidney. Minha função seria dar uma força para a galera. Durante o aquecimento uma banda tocava MPB e uns hits do momento, enquanto a competição não começava. Nos intervalos de cada música o cantor convidava os nadadores a darem uma canja e cantar qualquer coisa com eles. Na época eu tinha uma banda com uns amigos e pensei: “Não tô fazendo nada aqui. E tô querendo entrar nesse mundo da música. No mínimo vou espantar o tédio…”. Juntei coragem e me candidatei à missão. Na primeira música eu só paguei mico. Fiquei fazendo uma segunda voz ridícula para uma música que eu nem conhecia.
Mas para dar uma chance de me redimir, a banda deixou que eu escolhesse uma música que eu quisesse cantar. Branco total! Nessa hora todas as canções que eu sabia sumiram da minha mente. Até que alguém da banda sugeriu o hit do momento e me salvou no último instante: “Sabe Ana Júlia?”. Ufa, lógico que eu sei, todo mundo sabia essa! Comecei tímido, mas fui ganhando confiança. De repente eu estava cantando de olhos fechados, grudado no microfone, como se eu estivesse sozinho no aconchego do meu chuveiro. Meu pensamento era “Se é pra dar vexame, vou fazer com convicção”.
Quando eu abro os olhos, meus amigos estavam lá na minha frente pulando e cantando. No fim da canção me tiraram do palco e me carregaram pela piscina como se eu tivesse atingido um índice olímpico.
Logo depois me dirijo à arquibancada, todo pimpão, e encontro a tia Odete, que me para e me parabeniza pela inusitada performance:
-Gostei de ver, Raul. Seu lugar é mesmo nos braços do povo.
E eu respondi, sem pensar muito: “O engraçado, tia, é que durante os meus 15 anos de natação, eu nunca tinha saído carregado da piscina”. E então ela falou algo que eu nunca mais esqueci:
-Quem sabe não é hora de mudar de profissão?
Ela estava certíssima. Minha força de vontade para treinar já havia esmorecido e eu só estava adiando o inevitável. Cada um acredita no que quiser, mas às vezes acho que minha lesão foi um reflexo disso. No fim daquele ano, depois da cirurgia e com 22 anos, me aposentei.
Não existe regra para encarar esse momento. Alguns levam de maneira mais tranquila. Às vezes já sabem exatamente o que vão fazer, têm um caminho mais definido. Outros vão ter que investigar seu destino. Atrasados, terão que administrar a própria ansiedade e as demandas de uma sociedade e de um mercado que já esperavam que você estivesse produzindo e bem.
Muita calma nessa hora! A paciência é a maior virtude que podemos ter para começar tudo de novo. Assim como na natação, você vai precisar de tempo para ficar bom em outra coisa (segundo o livro Outliers, 10 mil horas de prática é o tempo necessário para você virar craque em alguma atividade).
Lembra porque você era bom na natação? Pois é, faça algo que você ama! Mesmo que não seja sua atividade principal no começo. Hoje eu finalmente tenho mais anos de prática em música do que em natação. Sou produtor musical, compositor e ainda tem muita coisa que eu quero aprender.
E, no meu caso, foi essencial encontrar apoio nas pessoas que eu confiava. Procure segurança e apoio nos pais, conselho com um amigo e carinho e conforto no namorado ou namorada. Ou simplesmente se abra a novas possibilidades, como a Joanna Maranhão, que já contou para o Brasil inteiro que vai criar a ONG Infância Livre. Com certeza ela vai encontrar apoio de muita gente que ela nem esperava. Assim como aconteceu comigo, que recebi da tia Odete a opinião mais franca, honesta e cheia de carinho que eu precisava ouvir naquele momento.
Muito bom Raul, adorei o post. Eu não conheço a tia Odete, mas conheço dois produtos dela, o Julian e o Rogério, então tenho certeza que ela é firmeza!
Sobre a sua parada, que legal que você tem uma foto para representá-la. Se eu pudesse viver de novo, eu tiraria mais fotos.
Grande abraço e (foi mal) agora ficamos na expectativa de mais posts seus!
Valeu, Renato. Obrigado pela experiência. Foi um grande prazer escrever pro Epichurus! Qualquer hora eu apareço do novo. rsrs
Boa Raul, gostei da história, sorte sua que você tinha outra coisa que amava fazer, deve ser mais difícil parar quando você ainda ama nadar mas o corpo já não permite mais treinar com tanta intensidade.
Acho que quase todo mundo que para ainda ama (pelo menos um pouquinho) a natação. Por isso é tão difícil. Mas a gente sempre encontra conforto com pessoas como a Tia Odete. Valeu.
Esta eu não podia deixar de comentar. Também li o livro e posso assegurar que as primeiras dezenas de horas de treinamento do Raul tiveram como platéia o pessoal da Rep.
Ana Júlia está em algum lugar remoto da minha memória (e espero que fique por lá esta musica gosmenta), mas a lembrança do pessoal se divertindo na competição, esta é bem vívida.
Quanto a D. Odete, sou suspeito de dizer, mas num mundo entre “Vai Bia” e “Animaaaaal”, ela deve estar num top ten.
Na verdade, eu nem sabia deste episódio.
Abraçado Raul.
Grande, Piu. Essa eu guardei na memória e no coração! Foi um grande momento da minha vida. E sobre as primeiras horas de música na rep, aproveito pra agradecer a paciência! Principalmente depois da chegada da batera. rsrsrs. Grande abraço.
Parabéns Raul, muito bom post!
cara, é uma loucura nossa vida, que de tão intensa na época de treinos, podemos falar que com 20 e poucos anos nos aposentamos… e com todos os conflitos, obviamente não na mesma circunstância, de pessoas com 60~70 que estão se aposentando e fazendo a mesma pergunta: “o que eu faço agora?!!!”
Na vida experiência conta, e quem sabe a nossa infânicia foi a base que precisávamos para uma vida adulta assim, como a sua e de muitos outros aqui no blog e na nossa turma do cloro… de sucesso, independente das medalhas (como pebas que somos)… e sempre com o apoio de pessos especiais, como a Tia Odete e muitas outras “Tias” além de nossos técnicos.
…Tenho várias recordações de repúblicas, do ECP e do Minas (e do lado B delas são muitas) e acho que o tema “Repúblicas” vale um post aqui.
abçs
Opa, é incrível mesmo que garotos tenham que se aposentar. Mas você tem razão, a natação prepara a gente pra muitas coisas e essa é mais uma delas. Sobre o post das Reps, concordo plenamente. Inclusive eu soube que mudaram a rep dos homens no Minas, mas aquela casa na rua Espírito Santo tem tanta história que chega a ter uma alma. Merece mesmo um post.
A aposentadoria da Jujuca é, sem dúvidas, a mais emblemática dos últimos tempos… o post MUITO legal do Raul! História boa que vale pra qualquer tipo de profissão… é aquilo: sempre é tempo de mudar, seja por vontade própria ou por circunstâncias da vida… não conheci a Tia Odete (novata é phoda), mas conheço e adoro Ju e Piu… hehehehe!
P.S.: Já falei o quanto adoro esse blog e o quanto cêis são ídolos??? ❤
Isso mesmo. Sempre que a vida pede uma mudança eu me inspiro um pouco nessa história. Afinal mudar não é fácil, mas costuma fazer um bem danado. abç
Raulzito, hoje sabemos o propósito de toda aquela barulheira na REP. Era muito “Róqui”! Muito Sucesso na vida musical meu irmão… Forte Abraço do seu primeiro bateirista!
É mesmo, começamos bem despretensiosos. Mas o sentido de tudo aquilo permanece: amor pela música! Forte abraço, meu amigo! Vamos fazer um barulho juntos ainda.
As respostas estão onde queremos encontra-las… tia Odete verbalizou aquilo que já estava dentro de você Raul. Recebemos vários sinais, mas enquanto não estamos preparados, não os percebemos. Parabéns pela coragem e pela consciência.
Obrigado por, todo dia, dividir vários sinais comigo!
Também adorei, Raulzito! Você foi muito inteligente em fazer essa observação a partir do comentário da D.Odete. Você é uma pessoa de muita luz, por isso cativa as pessoas, e nada melhor como estar em sua profissão. Tomou coragem e deu certo! Parabéns! Abração da amiga Tixa.
Valeu, Tixa! Grande abraço e obrigado pela força, minha amiga.
Taí Raul, não vemos mais quase “tias” como antigamente. Aliás, desconfio que a princípio ela era somente a “mãe do Rogério e do Julian”, como havia a mãe do Xuxa, etc…. Nenhuma mãe tinha nome, era “a mãe de fulano”. Bons tempos, boas lembranças. E uma voz embargada no telefone falando: “acho que vou ligar para agradecer a ele.” Liga mesmo, mãe. Obrigada Raul.
Nossa, Karen, que legal! Fiquei feliz demais com seu comentário. A família de vocês é muito especial pra natação e o pilar disso tudo é a tia. Fico muito contente de prestar minha homenagem e retribuir um pouquinho o carinho dela. Em tempo: vou adorar atender mais uma ligação da tia Odete!
Excelente texto meu amigo Raul ! Me fez lembrar de meu momento de parar e seguir outra carreira, Sucesso !!!
Obrigado, meu amigo! Saudade daqueles tempos e de encontrar com vocês na raia do lado. abç
Grande Raulzito! Sensacional o texto. Me fez lembrar dos hilários tempos da rep do Minas e da Tia Odete. Bacana demais sua profissão, atualmente eu sou o tocador oficial de música nos encontros com a galera. Quando vir em BH, vamos dar um jeito de tomar uma cerva. Amplexos.
Grande, Rena! Saudades de você, meu chapa. Tá fechado, quando eu for pra BH aviso vocês. E levo o violão pra fazermos uma cantoria! Abração.
Muito bacana a repercussão, Raul, temos até feedback da própria Tia Odete!
Passei aqui só para dizer que como o post não é meu não vou fazer as tradicionais respostas uma a uma. De qualquer forma, obrigado a todos pela visita!
Opa, tô fazendo as honras da casa e respondendo os comentários. Muito feliz com a repercussão, principalmente com a própria Tia. rsrs
Também gostei muito do texto. Parabéns Raul!
Conheço a simpatissíssima Tia Odete desde o comecinho da década de 80, assim como os irmãos mais velhos do Piu e do Julian.
Ela teve o privilégio de poder e a disposição de querer estar sempre presente, e merece todas as homenagens.
Concordo. Fico feliz de poder prestar minha homenagem! abç
Já nos encontramos na música amigão, e pra falar a verdade sabia que você iria dar certo, sempre focado e determinado, enfim…Parabéns pela bela história!
Grande abraço!!!
Obrigado, meu amigo! Essa disciplina vem muito da natação mesmo. Acho que foi só transferir pra música e deu certo. Grande abraço.
Muito show esse post ! E a foto carrega tanta felicidade, que me fez rir aqui sozinho, depois de um loooongo dia de trabalho, numa semana mais longa ainda.
Boa reflexão… E boas idéias para mais posts… um sobre reps, um sobre (re)começar a nadar e sobre os mentores formais e informais que ajudam a moldar o que somos. Pessoas especiais nos ajudam muito, orientando em momentos que (em análise a posteriori, em geral) são cruciais no nosso caminho. Parabéns e Sucesso, Raul!
Obrigado vocês pelo espaço e pela oportunidade de poder reviver e dividir essa história tão marcante pra mim. Fico feliz que tenham gostado. Vou voltar pra ver os posts sobre as reps, os recomeços e os mentores. Grande abraço e muito obrigado!
Rauzito, me emocionei!! Parabéns pelo texto… acho que todos nós passamos por este ˜momento˜… Estou tendo a oportunidade de ajudar uma paraatleta que deixou o esporte há quase 02 anos e hoje mesmo ela me comentou como é difícil falar sobre sua carreira como atleta, pois acha que não fechou o ciclo como gostaria, já que, por uma série de circunstâncias, foi obrigada a parar…. Me dizia como se sentia perdida… Natural, e como você mesmo disse “Não existe regra para encarar esse momento”. No entanto, percebo que o apoio dos mais próximos é talvez o fator mais importante para transpor este momento… bjs e meus parabéns por suas conquistas!!
Oi Raul, não te conheço, mas parabéns pelo texto maravilhoso e emocionante, mas da Tia Odete essa sim posso falar, é minha cunhada ha mais de 40 anos, além disso somos, confidentes uma da outra,e posso dizer com toda certeza, que ela mora no meu coração, que ela é tudo isso que voce descreveu, e sempre deu muita força aos filhos, levando, viajando, enfim acho que o que ela projetava pra eles,era uma coisa que ela queria ter sido e não deu, eentão se realizou nos filhos, com muito esforço, e fez deles o que todos mundo sabe e se orgulha, eu tenho muito orgulho de fazer parte desta família. Parabéns, mais uma vez. Valeu!
Olá, Cintya! Obrigado pela sua colaboração e sua opinião sobre o texto e, principalemte, sobre a Tia Odete. Como você está tão próxima dela, sabe mais do que eu toda a dedicação e carinho que ela tem pela família, pelos filhos e pela natação. Felizmente pude receber um pouquinhozinho disso tudo e fiquei muito feliz. E através do Piu e, principalmente, do Julian pude receber muito mais! Parabéns pela família linda que construíram!
Oi. Que pena que so fui ler esse post agora meio atrasado. Mas ainda da tempo de dizer como fui feliz com meus irmaos Raul, Piu, Julian, Massura, Rena, Bola, Marcao, Jungle, Cati, Indi, Biza, Ariete, Mad… Sera que esqueci de alguem?
Um abraco pro pessoal da rep e para tia Odete. Um abraco Raul. To com saudades e logo logo eu apareco ai na tua casa.