EPICHURUS

Natação e cia.

A Volta do Peba Pródigo

Em 15 anos, nada do que fizemos adiantou. Foi inútil o uso de ameaças físicas, pressão psicológica, promessas, chantagem emocional. Nem a ameaça de pascú no próximo evento social chegou a comover. Um Peba havia morrido e o grupo dos não nadadores – aqueles que conseguem viver sem molhar as guelras regularmente – tinha vencido mais uma vez. O universo do trabalho, finanças e família havia nos tomado um Peba e não havia como recuperá-lo.

Ou pelo menos, assim achávamos até alguns dias atrás, quando, depois de mais de 15 anos, o Ruy reapareceu num treino de sexta-feira.

Para não variar, acabo sempre associando certas parábolas e fábulas com nosso filósofo camarada Epicuro. No caso da mais conhecida passagem bíblica, que conta do Filho Pródigo (Lucas 15: 11-32), temos o filho “pecador” que basicamente tunga o pai, abandona a família, cai na gandaia, fica pobre e se ferra todo. Então, passando fome, se arrepende e decide retornar de rabo entre as pernas, sendo amorosamente recebido pelo pai, o que deixa o filho mais velho e CDF, bastante emputecido. As interpretações religiosas mais comuns falam aqui da importância e da alegria em recuperar cada “ovelha desgarrada”, ainda que seu rebanho seja virtuoso e também da importância do perdão para se manter no caminho da salvação divina.

Eu identifico algo epicurístico nessa parábola, quando percebo que também é sobre união, ou melhor ainda, sobre reconciliação – ou o desejo de voltar a ficar próximo daqueles com quem você se identifica, admira. De uma certa forma, o tal pródigo escolheu voltar ao seio daqueles que o acolheriam. Amigos, ao contrário de família, a gente escolhe. Uma observação mais cínica seria que o espertalhão, não devia ter muitos amigos ou talvez não se arriscasse a voltar para as terras familiares depois das besteiras que fez. Se ele tivesse amigos verdadeiros, estes provavelmente o receberiam. Certamente fariam chacota das escolhas mal feitas, talvez lhe dessem uns pescotapas por torrar sua grana tão inconsequentemente, mas no fim, o ajudariam de alguma maneira. Com tempo para refletir, entre amigos sinceros e boas conversas, quem sabe o cara não aprendesse algumas lições sobre o caminho virtuoso, perdão e reconciliação também? Não devia ser à toa que Epicuro considerava a amizade tão importante.  Não apenas como uma ajuda para sanar as dores da alma, mas também como uma possível alternativa virtual ao “Jardim” dos filósofos.

Eu era vizinho de quarto do Rrrruy (alias Buiú, alias Turtle, alias Ulhoa, alias Pete Sampras, etc etc) no Projeto Futuro, ao lado da piscina do Ibirapuera durante minha época inicial de treinos com o William Urizzi de Lima em São Paulo. Ambos fazíamos Economia na USP, ele tendo entrado um ano antes, ele vindo de São José dos Campos e eu de Bauru.  Por um ano aproximadamente, nossas rotinas eram muito parecidas. Começávamos nos treinos de madrugada, pegando carona com o Abdo ou no Buggy do William. Aula na USP. Rango. Descanso. Treino de tarde. Eventual estudo e eventual balada. Ficamos bons amigos, creio. Aliás, o Ruy era amigo de todo mundo e um dos caras mais engraçados, bem humorados e queridos da natação. Uma unanimidade. Fui para os EUA um tempo depois, mas ainda vinha em competições ocasionais no Brasil, sempre na mesma equipe do Ruy. Depois que voltei, ainda nadamos Masters na equipe do Paineiras por um tempo. Até que ele parou de nadar. E parou de verdade. Ainda o víamos semi-regularmente, em alguns Poker Nights, festas, casamentos e eventos dos Peba. Mas, na água clorada, nunca mais vimos o seu cabelo não molhar.

Enchi muito o saco do Ruy para nadar as competições de Ribeirão. Acho que até forcei a barra. Nesse ano coloquei um reminder três meses e meio antes da competição para mandar-lhe um email e ele não poder dar a desculpa que não havia treinado. Não adiantou e ]comentei com os caras que havia desistido e não iria insistir mais no ano que vem. Mas aí vem a surpresa: O Ruy ficou sócio do Paineiras e anunciou que iria nadar com a gente no tradicional treino de sexta! O Renato Cordani (homem de pouca fé) não acreditou.

No dia combinado o atraso não foi encorajador. Mas eis que, turtle-faísticamente ele surge e manda mil metros rodados, se não me engano. Nadou ali na raia do lado, mas ninguém interferiu e nem deu pitaco. Para que forçar a sorte, afinal? Festejamos a volta do josuíba pródigo bem ao estilo Peba, ainda na saída do vestiário. Uma moça oferecendo amostras grátis da nova Skol Ultra entregava latinhas e um panfleto: “A Cerveja Oficial dos Atletas não Oficiais”. Perfeito.

Infelizmente o Ruy já não apareceu nesta última sexta. Aparentemente o mercado financeiro estava agitado com boatos malucos e a correria o impediu… Mas tudo bem: Ninguém espera desses caras de meia idade uma grande disciplina. Ok, talvez o Renato espere sim…então é bom ele ficar alerta. Mas o que importa é que o cara já voltou e uma falta é bem pouco perto de 15 anos como tartaruga desgarrada.

Regozijem-se ó Pebas!

Sobre Rodrigo M. Munhoz

Abrace o Caos... http://abraceocaosdesp.wordpress.com

11 comentários em “A Volta do Peba Pródigo

  1. Ruy Araujo
    19 de outubro de 2015

    Obrigado pela homenagem feita via blog que me coloca no mesmo (ou quaaase) patamar de citação dos Ricardos, Rogérios, Julios e Gustavos da vida na história da natação brasileira.
    Realmente minha volta ao clube que me acolheu em São Paulo – o Paineiras – demorou um pouquinho (15 anos) mas confesso que fiquei bastante entusiasmado. No intervalo entre aposentadoria do Master e a semana passada (quando voltei) até tentei fazer algum tipo de exercício físico, indo desde a sala de ginástica do prédio em que moro (espaço fitness. Pelo menos é assim que cito quando vai um potencial comprador do meu apê), cheguei a nadar numa academia próxima de casa (somente aos sábados) por 1 ano, mas a falta de tempo e incentivo é grande e realmente é necessário colocar alguma meta para imprimir algum ritmo. A volta ao Paineiras trás inúmeras vantagens como piscina excelente (e aquecida. Na nossa época sofríamos no inverno), logística boa, família inteira frequentando mas, em relação à volta aos treinos, conta muito, muito mesmo, estar junto com amigos que dividi piscina e moradia em São Paulo.
    Tudo dando certo, consigo treinar para a próxima competição da equipe PEBA, lanço um livro de superação (como voltei a nadar), fico rico com ele, me aposento e dedico mais tempo ainda à natação.
    Meus sinceros agradecimentos a equipe epichurista pelo texto.
    E, coisa de destino, no dia que voltei ainda oferecem cerveja para ex-atletas na faixa. Quer incentivo melhor do que esse?

    • Rodrigo M. Munhoz
      20 de outubro de 2015

      Rrruy, quanto a pergunta de “incentivo melhor que cerveja”, vou deixar para a audiencia ponderar sobre o tema.
      Foi muito legal te ver na piscina de novo e espero que consiga evitar o trote como calouro na competição de Ribeirão no ano que vem…
      Abraços!

  2. rcordani
    19 de outubro de 2015

    Caro Munhoz, por um lado fico contente de ver que nossa campanha de vez em quando acerta e vem mais um para o nosso lado.

    Por outro lado, será que um treino (com posterior falta) é suficiente para brindarmos (com cerveja gratuita) à volta?

    • Luiz Alfredo Mäder
      19 de outubro de 2015

      estou certo de que esta volta é prá valer, seja bem vindo Ruy

    • Rodrigo M. Munhoz
      20 de outubro de 2015

      Suficiente para um brinde foi… tanto que o fizemos. Agora cabe ao senhor implementar mecanismos disciplinares para reduzir o absenteimo entre os Pebas!

  3. Lelo Menezes
    19 de outubro de 2015

    Boa… Tenho ótimas histórias do Ruy, mas o Epichurus não seria um bom canal para divulga-las…

    • Rodrigo M. Munhoz
      20 de outubro de 2015

      Interessante, Lelo.
      Fico imaginando qual seria um bom canal para veicular estas histórias… Poderiam estar disfarçadas em um blog de ficção cientifica, talvez?
      Em assunto correlato, você está notando que a pressão para o SEU retorno as piscinas está aumentando? E então, quais são os planos, hein hein hein?

  4. Fernando Cunha Magalhães
    24 de outubro de 2015

    Gostei muito do texto… o carinho pelo amigo o inspirou!

    Estou curioso para saber se ele apareceu ontem.

    A olhos vistos, ele está envolvido em um turbilhão de sentimentos nesse momento, por isso, a vexaminosa derrapada “incentivo melhor que cerveja”. Recomendo que não o condenem.

    No mais, celebro que os caminhos da vida e sucesso profissional tenham possibilitado ao Ruy ingressar no quadro associativo num clube tão espetacular quanto o Paineiras, proporcionar esse privilégio a sua família e poder estar perto de grandes amigos.

    Certamente o Epicuro está sorrindo.

    • Rodrigo M. Munhoz
      24 de outubro de 2015

      Valeu, Smaga!
      Ontem o Rrruy apareceu sim e nadou 1300m, mostrando progresso!
      Quem quase faltou fui eu, que cheguei de viagem de trabalho de madrugada e estava meio moído. Mas fui, nadei leve e assim evitei ser motivo de chacota na hora da salada do almoço. Já o Lelo…

      • Fernando Cunha Magalhães
        25 de outubro de 2015

        Ah, o Lelo…

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