EPICHURUS

Natação e cia.

Rômulo 1979, Borges 1990, e os objetivos.

Eu sempre gostei de ler revistas antigas. Por exemplo, quando vou ao dentista gosto de pegar uma revista de dois anos atrás para ver se as previsões econômicas se confirmaram, se o cara da entrevista acertou o cenário, se o candidato posteriormente eleito cumpriu o prometido, essas coisas. E quando pego uma revista de natação antiga (e o leitor atento do epichurus já percebeu que eu tenho várias delas!), gosto de ver os resultados, mas também gosto de ver o que se dizia ANTES do resultado. Os famosos objetivos!

Por exemplo, nos Jogos Panamericanos de 1979 Rômulo Arantes Jr levou a prata com 57”20 e ficou a 1.71s do Recorde Mundial de John Naber. Após esse excepcional resultado, a revista Nado Livre fez uma reportagem de capa com o nadador, projetando o Recorde Mundial para Moscou – 1980 (veja a reportagem na galeria abaixo). Segundo a revista, Rômulo havia feito o terceiro tempo de todos os tempos, atrás apenas de John Naber e do ouro do Pan Bob Jackson. Considerando que Naber já estava aposentado e que Jackson também não foi (por causa do boicote olímpico americano), Rômulo era na ocasião o PRIMEIRO tempo para Moscou!

Como vimos, em Moscou Rômulo nadou uma boa eliminatória (57.90 – terceiro tempo) mas bobeou na semifinal (58.21) e ficou de fora da final. Com o tempo que fez no Pan pegaria o bronze, no entanto o décimo primeiro lugar passou longe da previsão de revista, e certamente frustrou o nadador. (Maiores detalhes sobre Moscou e o final da década de 70 nos três imperdíveis posts de Pedro Junqueira sobre o tema, que achei enquanto pesquisava para este post: parte i, parte ii e parte iii.)

No caso de Rômulo, o objetivo infelizmente não foi alcançado.

Para um jovem nadador do interior paulista, no entanto, o objetivo foi ultrapassado, e de longe. Ao ganhar seu primeiro TB em janeiro de 1990, esse nadador de 17 anos declarou: “tendo em vista o trabalho meu e do meu técnico posso chegar a disputar uma final numa olimpíada. Hoje não falta vontade.”

Apenas dois anos depois, Gustavo Borges ganharia a prata olímpica! Acompanhe na galeria essa entrevista da Revista Nadar de março de 1990.

Ricardo Prado queria o ouro com recorde mundial em 1982 e conseguiu. Depois, quis repetir a dose em 1984, sem sucesso (detalhes sobre essa história aqui).

Voltando do olimpo e retornando ao semi-pebismo, quem acompanhou a saga dos 200 Peito viu que no início o chegado da saga queria apenas uma final de brasileiro, depois queria uma medalha de Finkel, depois o título brasileiro, depois queria olimpíada, depois o ouro de TB, depois um bronze de TB, depois só uma finalzinha para encerrar a carreira… alguns desses objetivos foram alcançados de longe, enquanto outros ficaram a léguas de distância. Já Lelo Menezes queria ser campeão olímpico, e se faltou algo, não foi falta de acreditar

Moral da história: objetivos são apenas objetivos, servem como motivação e guia, mas não garantem nada. E no nível olímpico, “querer” é necessário, mas não suficiente, como já dissemos diversas vezes por aqui.

Já para alguns outros tipos de objetivos realmente basta querer. Mas como assim, “basta querer”? Não é essa a ideia que vocês sempre combatem? Seria essa frase um sacrilégio epichurístico? Voltarei ao assunto para explicá-la em meu próximo post.

depende

Enquanto isso, já sabemos que o Rômulo não ganhou a medalha olímpica que parecia possível, mas esse tempo aí foi fora de série, hein? Tente imaginar o que era fazer 57.20 na longa de costas em 1979 de bigode, sunga, sem golfinhadas, pés abaixo da linha da água na saída e ainda tendo que bater a mão na virada!

Sobre rcordani

Palmeirense, geofísico, ex diretor da CBDA e nadador peba.

17 comentários em “Rômulo 1979, Borges 1990, e os objetivos.

  1. Rodrigo Munhoz
    10 de dezembro de 2012

    Valeu, Renato! Sinto que a história recente da natação brazuca vai se completando na minha cabeça… Quanto aos objetivos, acho que o lugar perfeito para eles mesmo é no mundo dos negócios. Nas piscinas, o sonho (a viagem, e não o destino) talvez seja o fundamental para ao mesmo tempo apreciar e crescer no esporte… Ou não. Abração!
    Ah: E excelentes os posts do Pedro Junqueira na Best Swimming! Boa dica!

    • rcordani
      10 de dezembro de 2012

      Esses posts do PJ na BS são imperdíveis mesmo. E quanto aos objetivos, não vou me atecipar muito pois esse post tem continuação.

      Mas é interessante como os objetivos são móveis, e via de regra a gente se “esquece” deles posteriormente!

  2. Oscar Godoi
    10 de dezembro de 2012

    Formular um objetivo e o primeiro passo, um objetivone uma escolha pessoal, pois ter um objetivo leva a pessoa a ter o desejo de alcanca-lo, e com desejo vem a determinacao. Estes sao os ingredientes basicos, mais como ja foi debatido existem muitas outras variaveis, recursos, talento, genetica, e saude fisica que tambem sao fatores determinantes de se atingir ao almejado objetivo.

    • rcordani
      10 de dezembro de 2012

      É verdade Oscar, boa sequência objetivo-desejo-determinação, a partir daí esbarramos (ou não) na falta de talento. Mas você vai gostar particularmente da continuação desse post. Aguarde!

  3. Marina
    10 de dezembro de 2012

    Já pensou se todos os objetivos fossem alcançados e se bastasse mesmo acreditar? Todos iam ser campeões olímpicos, todos ganhariam as partidas de tênis, etc, etc. E na vida, já pensou? Todos seriam curados, teriam o emprego dos sonhos, etc, etc. Quem tem fé, diz que basta ter fé. Obviamente, não é verdade!

    • rcordani
      10 de dezembro de 2012

      Marina, na mosca. Provou por absurdo que não basta acreditar. Agora, no meu próximo post vou falar de coisas que sim, basta acreditar. Certamente não é ser campeão olímpico. Mas imagina (adiantando um pouco) que o objetivo do sujeito seja fazer, por exemplo, 200 treinos de 2.000m no ano de 2013. Aí basta acreditar, correto?

  4. Fernando Cunha Magalhães
    10 de dezembro de 2012

    Minimizei a maioria das minhas conquistas por colocar objetivos muito altos.
    No entanto, ao mirar na lua, obtive performances muito acima do standard e cheguei a ser o melhor do Brasil naquilo que me propus fazer.
    Aos 43 ainda não tenho receita certa de como lidar com isso.

    Fica minha homenagem ao telentosíssimo Rômulo (nadei TB 87 com ele), ao Gustavo e ao Cordani.

    • rcordani
      10 de dezembro de 2012

      Sim, Esmaga, perfeito, o dilema competitivo é esse.

      Devo almejar TUDO e eventualmente me frustrar, no entanto conseguir o máximo possível (seu caso) ou devo ter objetivos simples que são bem factíveis e trarão satisfação absoluta embora possivelmente menores do que o limite pessoal? Difícil. Mas garanto que os grandes campeões estão TODOS no primeiro grupo!

      Quanto ao Romulo no TB de 1987, eu não estive nesse TB (estava na viagem que deu início à saga), mas não sabia que o Rômulo estava nele. Ele estava seriamente ou apenas para se despedir? Nadou os 100C? Que eu soubesse, Rômulo parou de nadar competitivamente assim que foi para a Globo em meados de 1982.

      • ROGERIO AOKI ROMERO
        21 de março de 2020

        Pegando material aqui para o texto do Rômulo no Hall da Fama e acredito que o Esmaga se enganou. 1987 foi meu primeiro TB (que foi no Minas) e quem nadou foi o Ricardo Prado, quem venceu os 100 e 200 costas, além dos medley.

  5. Lelo Menezes
    10 de dezembro de 2012

    Excelente R. e parabéns por resgatar esses sensacionais textos do Pedro Junqueira! Que lição de história espetacular!
    A mais ou menos um ano atras, figurava no Facebook uma frase daquelas de efeito, que eu sempre abomino, em raro momento de ranzizisse, que dizia assim: “O vencedor não é aquele que sempre ganha, mas aquele que nunca desiste”. Minha resposta, pra desespero da amiga que compartilhava foi “o cara que sempre ganha é sim vencedor! Quem nunca desiste é determinado ou talvez burro, porque nao desistir de um objetivo impossível é burrice!”
    Eu encaro objetivos dessa forma! Muitas vezes temos que repensar se não é hora de abandonar o sonho. Assim como o Esmaga, eu sempre tive objetivos muito altos e é fato que por muitos anos sonhei com o ouro olimpico e embora em 1992 o tenha abandonado definitivamente quando me caiu a ficha que era impossível, confesso que as conquistas quando tinha ainda essa grandiosa meta como norte foram muito mais gostosas do que as obtidas depois que a ficha veio ao chão!

    • rcordani
      10 de dezembro de 2012

      Lelo, a sua amiga ficou frustrada, mas ela não estava totalmente errada. “O vencedor” para ela não era necessariamente o campeão olímpico, pode ser por exemplo o “tio que largou o cigarro e não desistiu” ou o “sujeito que não tinha uma perna mas ia para o trabalho com uma perna só”, essas coisas.

      Eu sei que você bem sabe a diferença entre os dois tipos de “vencedor”, mas nas frases de facebook ela (a diferença) nem sempre é muito clara.

      Finalizando, esses posts do PJ merecem ser lidos e relidos várias vezes. Eu NUNCA tinha visto a descrição detalhada do que ocorreu no ano de 1980, desde Austin, com Rômulo, Djan e o 4×200. Sensacionais posts mesmo!

  6. Pedro Costa
    11 de dezembro de 2012

    Cordani, mas uma vez parabéns! Pelo texto e pela preservação da memória da natação!
    Esse post me pareceu um dos mais “abertos” , “reflexivos”, (talvez porque esteja eu reflexivo…).
    A questão dos objetivos, ou de traçar objetivos, é crucial. Creio que haja um aspecto mais técnico, de planejamento, e outro mais emocional, psicológico. E aí, os objetivos se confundem com os chamados “sonhos”, que confesso, não sei bem a diferença.
    Acho que em qualquer atividade (competitiva ou não, mas nas competitivas principalmente) todos temos algum “objetivo” ou alguma “ambição”. Porém, em muitos casos temos também informações (sobre nós mesmos e sobre os concorrentes) que acabam “pautando” o estabelecimento desses objetivos. Mas e se não tivéssemos informação nenhuma?
    Numa “pelada” na praia (ou no clube, ou volei ou taco ou ping-ping) sempre entramos com uma expectativa de ganhar. Claro, não é a única coisa que faz aquilo valer a pena, mas temos uma expectativa. Claro também que logo já a “ajustamos” quando o jogo começa, mas temos, certo?
    Num esporte organizado, temos as informações. Podemos então traçar objetivos mais “precisos”. Mas, para que servem os objetivos?
    Para termos o que perseguir, para planejar “objetivos parciais”, metas, “coisas a cumprir”. Cordani, você falou de “fazer 200 treinos de 2000 m em 2013”. Isso me parece um “algo a fazer” e que pode estar dentro de um planejamento para “baixar meu tempo em 1 segundo”, que pode significar “pegar medalha no open de Ribeirão”. Obvio que de uma coisa para outra vão se acrescentando condicionantes e quando envolvem os “adversários” , como dizia o Garrincha, “é preciso combinar”, mas creio que funcione assim e muitas vezes montamos isso “de trás para frente”.
    Creio também que no dia a dia, traçar os objetivos sirva para ajudar na perseverança, levantar naquele dia frio, completar a série naquele dia preguiçoso e para, ao final do dia, podermos nos dar aquela pequena recompensa diária de que “cumprimos”. E veja, essa pequena recompensa nem é nosso objetivo, mas é o “biscoito ao cachorro” que há em nós, senão a cabeça não aquentaria certo?
    Agora, vejo um certo “viés” nos objetivos, com estes sendo colocados “ex-post” e como sendo um componente de um indicador de “sucesso”.
    “Almejei ser 1o e fui 2o. Fiquei decepcionado. Se almejasse ser 3o estaria feliz” (ou relativamente mais feliz)
    Bom, é fato que isso acontece, mas será que é simplesmente uma questão de “ajustar os objetivos”? Dá até para complicar um pouco e pensar que “Se almejasse o 3o, talvez não tivesse me empenhado tanto e talvez chegasse em 4o”, mas me parece que ainda não seria esse “o ponto”. Seria só uma “equação mais complicada”, mas ainda sim, solúvel.
    O “ponto é outro” e eu fiquei confuso… (rsrsrs).
    Mas enfim, tentando concluir, é da natureza do ser humano ter ambições. Isso é quase tão forte e determinístico quanto a genética. Então, do ponto de vista mais emocional, mais coração, creio que não adiante simplesmente traçar objetivos mais modestos quando há algo dentro de nós querendo algo maior.
    Por outro lado, de um ponto de vista mais racional, traçar objetivos mais “alcançaveis” ou pelo menos “desenhar cenários” creio seu útil para podemos seguir, para podermos olhar o que houve de certo e de errado e buscar novos objetivos (ou continuar perseguindo os antigos…)
    Abraços!

    • rcordani
      11 de dezembro de 2012

      Excelente Pedro. Certamente se há um diferencial desse blog é a qualidade dos comentários.

      Como você disse a ambição faz parte do ser humano e vai da personalidade de cada um, e a comunicação da ambição também. Por exemplo, o Munhoz SEMPRE declara que irá pior do que realmente realiza. Tipo, ele diz que deve fazer algo em torno de 1:16 nos 100 peito e faz 1:13, mas não sabemos se internamente ele realmente acreditava que ia fazer 1:16 ou se ele esperava fazer algo melhor mas queria dimiuir as expectativas externas.

      Da mesma forma, não sabemos se o Gustavo em 1990 já admitia para si mesmo a expectativa da medalha olímpica mas não queria comunicar isso ao mundo.

  7. Pingback: Se meu avô usasse saias, ele seria a minha avó! | Epichurus

  8. Pingback: 12 Aforismos PEBichurísticos para o Fim de Ano | Epichurus

  9. Pingback: Retrospectiva de um ano de Epichurus | Epichurus

  10. Pingback: Top 3 do Pan de 1979 | Epichurus

Deixe um comentário

Informação

Publicado às 10 de dezembro de 2012 por em Natação, Olimpíadas e marcado , , .
Follow EPICHURUS on WordPress.com
dezembro 2012
S T Q Q S S D
 12
3456789
10111213141516
17181920212223
24252627282930
31