O resultado ruim na Copa Latina da França não tirou do meu corpo os efeitos acumulados no período de preparação. A semana passeando pela Europa foi muito boa para a mente e completou o polimento. Vivi nas semanas seguintes um período fantástico que culminou com uma super performance no Finkel da meningite.
A NOSSA NATAÇÃO E A PISCINA CURTA, em 1989
Até esse ano não havia competições importantes em nível nacional em piscina de 25m. Na maioria absoluta das provas, os recordes em piscina longa eram tempos mais baixo que os de piscina curta, o que é, como todos que tem o mínimo conhecimento em natação sabem, um disparate.
Observem alguns exemplos:
Piscina 25m | Piscina 50m | |||
50m livre | Marcos Goldenstein | 23s11 | Marcos Goldenstein | 22s90 |
100m livre | Cyro Delgado | 51s37 | Jorge Fernandes | 51s21 |
200m livre | Cristiano Michelena | 1m52s83 | Jorge Fernandes | 1m51s33 |
Então, às vezes rolava um recorde nacional em Torneio Regional sem que o atleta estivesse sequer polido ou raspado.
REGIONAL SUL
Lembro bem que antes de embarcar para a França para a Copa Latina, enquanto batia pernas numa série de baixa intensidade, o Léo puxou a prancheta e perguntou que provas em gostaria de nadar no Torneio Regional. Havia mais de 2,5 anos que tinha me aventurado nos 1500m pela última vez, tinha feito meu melhor tempo – 16m40s – na última ida do Clube Curitibano a Montevideú e diante das melhores séries de superaeróbico e limiar anaeróbico da carreira, senti vontade de nadar novamente. Além disso, pedi pelos tradicionais 100m e 200m livres, mirando nos ajustes para o Troféu José Finkel.
A competição foi na piscina curta do Clube do Golfinho. Caí na raia ao lado do Rogério Romero e saí nadando na frente, abrindo vantagem, buscando o parcial médio de 1m05s para um tempo final entre 16m15s e 16m20s. Passei os 800m mais de 25m à frente do Romero, com 8m44s e sofri um colapso fisiológico. Estava exausto. Fui perdendo consistência na braçada, só pensava em tentar manter a técnica. Sabia que minha meta não seria mais atingida, então queria segurar a vitória. Depois de deixar de abrir vantagem, ela se manteve por pouco tempo e gradativamente começou a diminuir. A velocidade de aproximação foi aumentando e na altura dos 1300m, sem ter como reagir, fui ultrapassado. Romero ainda abriu 9s de vantagem e fechou os 1500m com 17m02s.
Não cheguei nem perto da minha melhor marca. Foi a última vez em que nadei essa prova.
Mesma etapa da competição e a noite de sábado já havia caído quando subi lado a lado com Cristiano Michelena para a prova de 100m livre. Lamentei o desgaste com os 1500m. Ele passou um pouco na frente no parcial, distância mantida até os 75m e após a última virada, me senti com energia para o último parcial. Ataquei, me aproximei, mas bati atrás: Castor 51s50, eu 51s78. Cara, ficamos eufóricos! Pela primeira vez para 51s.
No dia seguinte, estava cansado. Nadei os 200m livre forte, com tudo, sentindo bastante dor e sem achar que estava fazendo uma grande prova. Fechei em 1m52s81 e quebrei o recorde brasileiro absoluto para piscina de 25m por 2 centésimos de segundo.
Ainda tinha o revezamento. Léo e eu optamos em pedir tentativa de quebra de recorde na abertura. Passei bem mais forte que no dia anterior, não nadei os últimos 25m com a mesma energia, mas foi o suficiente para melhorar mais de 0,5s, marcar 51s20 e quebrar o recorde brasileiro de Cyro Delgado. Que alegria! Nossa equipe de seniores formada pelo Tite Clausi, Renato Ramalho e Felipe Malburg ainda quebrou o recorde estadual da prova.
Evidentemente, esses recordes não tinham o mesmo peso de um recorde em piscina longa, mas quem não os queria tê-los? A satisfação foi imensa e além disso, renderam uma bela bonificação no pagamento mensal do Projeto Mesbla de Natação.
COPA VERMELHINHA
Na semana seguinte seguimos em ônibus leito para Santos. Não sei se hoje em dia segue o mesmo formato, mas a competição no Clube Internacional de Regatas era disputada em único dia com as provas de 100m de cada estilo, 200m medley, 400m livre e os 4x100m livre.
Vários clubes importantes do cenário nacional presentes, ótima oportunidade para exercitar a competitividade no meio da temporada.
Ficamos hospedados num ginásio da prefeitura local. Lembro que o papo ainda estava animado na noite de 6ª, mesmo depois que as luzes já haviam se apagado e lá pelas tantas eu disparei: “Agora, vaca amarela! Quero descansar que amanhã quero baixar de 4m10s nos 400m livre!” – o Castorzinho chorava de rir. Também, havia feito 3m55s na longa um ano e meio antes. Mas o pior era que meu tempo de 400m era mesmo 4m10s.
Caí na raia 7 da penúltima série e pensei em passar os primeiros 50m tranquilo, para em seguida, encaixar um ritmo que conseguisse sustentar até o final. Passei em 8º, com 29s5. Na primeira respirada depois da virada, vi o Malburguinho de pé na arquibancada, com os braços abertos, como quem diz: “não vai fazer força, porrrra…”. Os parciais de 30s baixo foram se sucedendo, passei todos e abri 4s segundos de vantagem sobre o 2º colocado: 4m03s63. Fiquei eufórico!
Na série final, Castorzinho nadou sozinho na frente o tempo todo. Ramalho brigando no segundo pelotão com Grangeiro e outros nomes fortes da prova. Começou a se destacar e comecei a ver possível o pódio. Castorzinho fechou com 3m53s15 – novo recorde brasileiro. Ramalho chegou em 2º com 4m01s e Grangeiro em 3º com 4m03s e mais alto que os meus centésimos. Tripladinha do Clube Curitibano.
Não lembro quem me deu essa foto de presente. É uma grande lembrança!
Eu ainda tinha os 100m borboleta pela manhã. Estava junto com o Tico-Mico na penúltima série, enquanto o Tite nos assistia a espera da última série.
Nadei a melhor prova de 100m borboleta da minha vida. Nadei forte, bem coordenado, do início ao fim. Aqueles últimos 25m, com aquela força nunca tinham acontecido e nunca voltaram a acontecer daquela forma. Cometi um único erro, como Matt Biondi em Seoul, calculei muito mal e não dei a última braçada. O deslize durou uma eternidade. Marquei 56s27, melhorei mais de 1s minha marca, quebrei o recorde do torneio e fiquei há 27 centésimos do recorde nacional. Apesar da estatística, o erro foi muito amador e meus amigos foram implacáveis: “Burro! Burro!”… rsrs, gente, merecido… pena que não tenho o vídeo para colocar aqui… vocês dariam razão a eles.
Na série final, o Moita – Ricardo Moita da Silva – estava como extra, pois havia se transferido para o Luso-Brasileiro de Bauru. Nadou em 56s18. Subi ao topo do pódio para receber o ouro e eu fiquei com o recorde do campeonato, que diga-se de passagem, durou alguns anos.
Festejadíssimo nas arquibancadas, sentia-me novamente com o Toque de Midas, repetindo aquela sensação do início de 1987. Entre as felicitações, meu amigo Polaco – Mauricio Buczmiejuk do Esporte Clube Pinheiros, que estava ali do nosso ladinho na arquibancada, me abraçou, parabenizou e disse: “vem cá, deixa eu te apresentar: esse aqui é o Pirulito…” – o sujeito franzino começou a levantar e não parava mais. Ele esticou aquela mão enorme, me deu os parabéns e o Polaco completou: “ele também fez 51s no regional da Água Branca na semana passada…” – e eu, “ãh!!!” – e ele, “é, 51s8”. Eu fiquei puto, mas muito puto mesmo… “como é que eu estou aqui há anos batalhando, acabo de conquistar uma marca sonhada há muito junto com o Castor, o grande nome do momento da natação brasileira, e o Pirulito, que eu nunca vi e de quem eu nunca ouvi falar, também fez 51s?????” – lógico que não falei, mas pensei, dividi com o LAM e remoí.
Depois fui saber que o nome do Pirulito era Gustavo Borges, que havia sido finalista dos 100m livre no último campeonato brasileiro juvenil, que havia acabado de se transferir para o Pinheiros e que iria nadar os 100m livre à tarde comigo, Castor e Cyro… vamos lá, mais emoção para a prova.
Apesar de eu ter quebrado o recorde brasileiro na semana anterior, via o Cyro como favorito naquela tarde. Mesmo com saída livre, ele tinha feito aquele tempo na piscina longa na Copa Latina, e isso era um handicap fabuloso.
Ficamos sem saber o que daria porque o Cyro queimou e o árbitro geral resolveu desclassificá-lo. Abri vantagem no início, passei na frente, respirava para o lado do Castor no trajeto até os 75m – dei uma dosada no ritmo, virei e consegui fechar forte, segurando a posição: ouro com 51s16, novo recorde brasileiro pré-anunciado pelo saudoso Mário Xavier. Castor chegou em 2º com 51s29 e o Pirulito em 3º com 51s8. E acreditem, não tenho foto deste pódio.
O Renato ainda fez o recorde brasileiro nos 200m medley com 2m07s49 com o Castor chegando em 2º com 2m08s.
E na terceira prova da tarde, o Castorzinho abriu o 4x100m livre quebrando o meu recorde – 50s95. Tite e Ramalho fizeram o miolo do revezamento e eu caí com a prova definida, fechando para ouro e outro recorde brasileiro – 3m27s30.
As meninas do Curitibano também estavam incríveis. Também venceram e quebraram o recorde. Nossa equipe estava tinindo, pronta para fazer um grande Troféu José Finkel.
Apesar disso, minha euforia não demorou a passar e transformar-se em tensão, quando em meio a celebração e deliciosas pizzas da Biondina, colegas resolveram pegar azeitonas da iguaria e jogar por cima dos ventiladores de teto, para que, atingidas por uma das pás, fossem disparadas como projéteis pelo salão. Graças a Deus não acertou nem machucou ninguém.
Essa Copa Vermelhinha marcou o fim da brilhante carreira do nosso amigo Felipe Malburg. Formado em Administração de Empresas pela UFPR, ele conseguira um emprego na Shell e precisava mudar-se para o interior de Santa Catarina. Vislumbrando o que o Troféu José Finkel nos reservava, tentei convencê-lo a dar um jeito de nadar conosco, ao nos acomodarmos no ônibus puxei um coro de FDP, mas não teve jeito. O leito seguiu para Curitiba e Felipe para a vida profissional.
Forte abraço aos amigos do Epichurus.
Fernando Magalhães
Muito bom Esmaga, se o Finkel de 1990 foi o ponto de inflexão da natação brasileira me parece que o início de tudo aquilo está escrito aí em cima, com a retomada da tabela de recordes brasileiros de curta, a performance sensacional do Curitibano e o “aparecimento” do Pirulito.
Eu estava lá e vi tudo isso acontecer, foi inesquecível. Pena eu ser PEBA em Copa Vermelhinha, nunca obtive bons resultados ali (não tinha as minhas provas).
E depois dessa DQ creio que o Cyro percebeu que a nova geração iria atropelar, tanto que não me lembro dele no Finkel de 1989, correto?
Grande abraço
Sem dúvida inesquecível!
Pela restrição de provas, a Vermelhinha era mesmo cruel com sujeitos como você…já para mim…
Quanto ao Cyro, creio que não seja essa a “real”… cara muito fera, devia ter outro compromisso na data do Finkel em que de fato não apareceu. Já no Troféu Brasil seguinte, do Ibirapuera, ele estava lá e ganhou de mim, fazendo um bronze empatado com o Julinho – 52s15 – na prova vencida pelo Gustavo (ouro na estreia em TBs) e com o Castor com a prata. Eu fiquei em 5o.
Boa Esmaga. Eu sempre gostei muito de nadar Copa Vermelhinha. Era um perfeito aquecimento para o Finkel! Boas lembranças eu tenho dela! Show o post!
Valeu Lelo, abração!
Copa Vermelhinha é um clássico da natação. Ótimas recordações. Mas sou tentado a dizer que mal lembro deste 1.500, pois também deve ter sido o meu ultimo (embora tenha nadado alguns de costas no treino).
Quanto ao Pirula… Nada como ver um recorde mundial ao vivo!
Abraço a todos.
1500 costas no treino é beeem old school hein? Você deve ser muito velho! 🙂
Deve mesmo… hehe
Alô Piu, pensei que pela dinâmica inusitada desses 1500m você fosse lembrar. Já que não lembra, que bom que contei e vc pode incorporar em suas extensas memórias.
Quanto o RM do Gustavo anos depois, sensacional!