Histórias do ano em que parei de melhorar que nem criança
Voltamos a 1981. Eu estava com 11 anos e vivenciei diversas experiências importantes e diferentes no primeiro ano da categoria INFANTIL B, que durava até o dia em que o atleta completava 13 anos – para uma analogia com os as classes atuais, atletas Petiz 2 e Infantis 1 competiam juntos.
Primeiramente, eu deixei o status de potencial campeão e recordista brasileiro, fato que os leitores já sabem que não foi consumado com a história contada em Vai se achando, Fernandinho!, para tornar-me um coadjuvante em competições regionais e atleta sem índice para o próximo campeonato brasileiro.
Evidente que havia uma perspectiva de reverter a questão do índice ao longo do ano e em um ano e meio reconquistar a chance de despontar no cenário nacional, mas era um período muito grande para uma criança e houve um impacto em minha motivação.
Nessa época, cheguei a simular tosse e dizer que não estava bem para tentar “fugir do treino” e se meus pais deixassem para eu decidir se realmente queria continuar treinando, possivelmente eu teria parado. Felizmente, minha mãe percebia as virtudes do esporte muito além dos resultados, em medidas que eu não tinha discernimento para avaliar, e fez todo o esforço necessário para que eu continuasse na equipe do Clube Curitibano.
Novas provas
A categoria Infantil A tinha somente provas de 100 metros, nos 4 estilos. Para infantis B, acrescentava-se ao programa 200 medley, 200 e 400m livre.
Ocorre que naquela época, aqui no Paraná, os atletas infantis B podiam participar das competições dos juvenis e assim já estavam disponíveis as provas de 50m livre, 200 metros dos outros estilos, 400m medley, 800m para meninas e 1500m para meninos.
Esporte Clube Pinheiros
Minha 1ª viagem para São Paulo foi para um amistoso contra a equipe do Pinheiros. Como nos amistosos anteriores, ficamos em casa de atletas e fui muito bem recebido pela família de Hugo Ribeiro de Almeida. Lembro que a casa era nova e ainda estava sendo mobiliada, que fomos a uma churrascaria com um grau de sofisticação que não existia em Curitiba e a uma sensacional pista da BMX de bicicross, que ficava na Marginal Pinheiros – aliás, achei esquisitíssimo o nome daquela avenida. Aguardei ansiosamente minha bateria e tive um desempenho pífio, chegando em 4º e último, muito atrás do 3º colocado. Fiquei um pouco constrangido com isso, mas foi uma experiência muito legal.
Na natação, a competição foi na piscina de fora. O ginásio com a piscina olímpica coberta só foi inaugurado 3 anos depois.
Tenho duas lembranças marcantes: a primeira é que foi a primeira vez que nadei 200m medley. Havia atletas infantis B e juvenis A e no amistoso não fizeram divisão de categorias. O vencedor da prova me passou mais de 50 metros. Chamava-se Luiz Osório.
A outra impressionou muito. A competição parou e anunciaram uma exibição: Luiz Francisco Teixeira Carvalho representante do Brasil nos Jogos Panamericanos de San Juan nadaria 100m peito. Chico aproximou-se do bloco com um roupão azul marinho com um BRASIL enorme bordado nas costas, que eu achei sensacional. O comando de partida no singular – “Ao seu lugar” – que ao mesmo tempo soou óbvio e estranho, enalteceu ainda mais o atleta em evidencia. Após o sinal de partida, ele saiu do bloco, fez a filipina e gastou 6 braçadas para cumprir os primeiros 25 metros, sem esforço aparente. Aquilo provocou um alvoroço entre a garotada que presenciava ao vivo uma natação muitíssimo diferente da que estávamos acostumados a ver. E contei junto com alguns colegas, em voz alta, as braçadas de cada piscina restante.
Jóquei Clube de Goiás
Essa foi a única vez que fui a Goiânia na vida.
Todos da equipe tiveram resultados discretos na competição em piscina de 50m, natural para uma competição amistosa e depois de uma viagem tão longa.
Fato engraçado aconteceu no início da viagem de retorno. O calor era desesperador e não tínhamos ar condicionado no ônibus. Todas as janelas abertas só ajudavam a circular o ar quente e logo percebemos que só um colega tinha uma garrafa de água, a temperatura ambiente. Diante da sede geral vislumbrou uma oportunidade e começou a vender “goles de água”. Depois de emplacar dois clientes chegou o 3º, bem mais velho, pegou a garrafa e disse – “conta aí” – depois de uns 8 goles devolveu a garrafa e diante da cobrança disparou: “tá louco rapaz! Cobrando gole d’água dos seus amigos?! Toma sua água aí”, decretando o fim do negócio do jovem e ambicioso menino.
Torneios Regionais, CC x Suzano e Campeonato Estadual
Essas competições foram muito diferentes das do ano anterior em que cada prova envolvia a questão da rivalidade com Dado Borell. Dessa vez, eu chegava em posições intermediárias mas não deixava de sair com duas medalhinhas nas provas de revezamentos.
No início do 2º semestre, por conta de uma coincidência nas opções de provas dos adversários mais fortes, tive a felicidade de vencer os 100m livre num regional em Ponta Grossa – porém, com o mesmo tempo de um ano antes, 1m06s. Naquela altura eu não tinha melhorado nenhum dos meus tempos ao longo do ano. E seguia sem índice para o Campeonato Brasileiro.
Recebemos a equipe de Suzano para um amistoso no Curitibano e foi um alento ouvir que havia feito 1m05s fechando a disputada prova de revezamento – ainda bem que eu ainda ignorava as vantagens da saída livre e considerei a performance uma “melhora no tempo”. Foi um diferencial para minha motivação na época.
Participar das competições juvenis também foi fato relevante. Embora não houvesse grande integração por conta da diferença de idades significativa nesta faixa etária, era bacana fazer parte do grupo. Nadar nas séries fracas e não ter qualquer chance de chegar ao pódio foi importante para sintonizar-me em relação aos caminhos que ainda poderiam ser percorridos. Competir mais vezes era importante para aprimorar fundamentos e exercitar estratégias de prova. Aprender ouvindo as histórias dos mais velhos. Eu levava meu cronômetro Omega de ponteiros e assistia a maior parte da competição. Adorava ver aqueles tempaços. Foi nessa época em que comecei a idolatrar Newton Kaminski – que tornou-se referência fundamental para o desenvolvimento da minha carreira.
O estadual foi disputado na piscina olímpica do Curitibano. A CBN (atual CBDA) emprestou o placar eletrônico e meu principal objetivo era alcançar o índice para nadar o Campeonato Brasileiro Infantil – Troféu Maurício Bekenn – que seria disputado em Recife. Cheguei ao último dia de competição sem o objetivo alcançado até cair para nadar 400m livre. O índice era 5m05s00 e eu fiz 5m04s98. Foi muito legal. Fiquei fora do pódio, mas a sensação era de sucesso e o fato de ser aferido pelo placar aumentou o significado do feito.
Resistencia del Chaco
Com esse tempo, tornei-me o único atleta do Clube a alcançar o índice para o Brasileiro Infantil. Para a mesma data do Maurício Bekenn, o clube havia programado a participação num amistoso internacional em Resistencia – capital da província do Chaco – na Argentina. Todos os meus colegas e meu técnico iam. Separar o técnico da equipe para levar um atleta sozinho para um campeonato, para nadar uma única prova, sem qualquer chance de chegar a final parecia não ter sentido, e não tinha mesmo. A viagem para a Argentina era paga, mas como prêmio pelo índice alcançado e compensação pela não ida ao brasileiro, o clube me ofereceu uma cortesia. Ótima solução.
O ponto a sudeste do Chaco (em verde) identifica a localização de Resistencia. Segundo o google maps são 1.278 km de viagem a partir de Curitiba.
Fomos num ônibus lotado. Havia clubes argentinos e paraguaios. O jornal local cobria as disputas e foi diferente e divertido ler em espanhol os relatos das provas, principalmente sobre o duelo de Tite Clausi – o mais experiente da nossa equipe – com o paraguaio Marcelo Torcida.
Completei 12 anos lá. Nadei 100m e 200m livre e cheguei em 4º nas duas.
Com essa viagem fechei um ano de ótimas experiências com novas perspectivas em relação ao esporte e futuro como atleta.
Convido os leitores a dividir as memórias instigadas pela leitura do texto.
Forte abraço a todos,
Fernando Magalhães
Forte coincidência também nesse quesito. Fui um bom infantil A e no primeiro ano de Infantil B sofri muito com a exacerbação do nível peba.
Agora impagável essa da água em Goiânia. Não pode dar ao menos o nome do veterano que acabou com a farra do calouro?
Então, o calouro chamava-se Marcelo e parou de nadar cedo, mas certeza que não foi por isso. O sedento era Kaminski, que nunca se deu o direito de abrir mão de sua autenticidade.
Agora diz aí, meu caro, vc chegou correr na pista BMX da Marginal ou já tomou 50m num 200m medley?
hehe, nunca andei naquela pista (era bacana de ver, tinham sempre umas bikes voando), e nunca tomei 50m nos 200M. Porém em 1993 (paulista de inverno no Saldanha) passei 50m do Faísca nos 400 medley.
Faísca sempre fechou os 400 medley com uma cara de dor intensa… imagino a angústia dele vendo você se aproximando.
Eu corri na pista BMX da Marginal, inclusive eu tinha uma BMX amarela que era meu xodó! Quanto a ser ultrapassado 50m em prova de 200m nunca ocorreu comigo, mas fui passado 100m duas vezes em provas de 1500m. Uma pelo Paulo Almeida na piscina do Golfinho. Outra pelo David Wharton na piscina da USC em Los Angeles!
Igual pra mim! Bom infantil A…Peba infantil B
Essa do Dave Wharton está totalmente perdoada.
Maga, meu grande mentor na natação, sua memória é sensacional e nos remete à tempos especiais onde obtivemos valores e amizades eternas..grande abraço Brooooo
Valeu Julianão,
foram anos muito gostosos e guardamos as lembranças com muito carinho.
Escrever sobre essa época também tem sido bacana pelo fato das minhas filhas estarem na mesma faixa etária e revisitar minhas percepções da época ajuda na minha capacidade de me colocar no lugar delas.
Como já tinha lhe falado, ler estas crônicas nos levam a um passado bastante interessante. Cada um teve seu tempo e sua época, mas as emoções e sentimentos são os mesmos.
Confesso que tenho que me segurar para os olhos não marejarem.
Abraços
Celio
Célio,
é muito gratificante sentir que você fica aguardando o próximo post.
Obrigado por dividir sua emoção e aparece pra treinar.
Abraços
Grande Maga..
A viagem para Resistência foi ótima. Tenho o recorte de jornal q vc mencionou, mas está em algum lugar na casa de minha mãe e prometo que algum dia conseguirei encontrar. Lembro de alguns momentos como se fosse ontem. E inclusive tenho fotos tiradas em uma máquina péssima, aonde vc aparece, um garoto magrinho e sorridente.
Marcelo Torcida me deu uma surra nos 200 livre (prova que todos sabem sempre foi uma tortura para mim), mas subi ao pódium junto com ele e outro nadador argentino, que não me recordo o nome, mas foi meu amigo a distância, trocando cartas, onde a sua maior preocupação era o que os brasileiros achavam da disputa pelas Ilhas Malvinas…
E por falar em sensações estranhas em relação à melhoras e tempos…. Fui um nadador que nunca conseguiu 1 índice sequer em brasileiros infantis/juvenis. Talvez pelos finais de semana de surf ou talvez por não ter mesmo o talento naquela fase da vida…Única oportunidade de nadar um brasileiro juvenil, participei do revezamento 4 x 100 livre no meu último ano de categoria, se não me engano no Fluminense e nosso objetivo era baixar de 4:00 e eu não fiz minha parte… fiz 1:00 e frações… Minha melhora veio já “adulto” onde consegui medalhas de prata e bronze individuais em Finkel e finais no TB.
Par ver que cada atleta tem o seu período de maturação e desenvolvimento diferentes….
Obrigado por mais este texto .
Grande abraço.
Tite Clausi
Queridaço,
uma grande alegria ler seu comentário aqui no Epichurus.
O post estará incompleto até o dia em que sua foto com Marcelo Torcida for incluída, mas sei da correria atual e não tem pressa. E certamente essa foto seria escolhida como a miniatura de divulgação do post no Facebook.
Outro ponto, como eu gostaria que todos os pais que se apressam em julgar a habilidade dos seus filhos para qualquer esporte lessem esse relato sobre sua evolução aquática, que deixou de mencionar que juntos fomos campeões e recordistas brasileiros nos 4x100m livre.
Pqp !!!! Eu lembrei de uma viagem de busão onde trancaram o Pasquini no banheiro por horas!!!! O cara saiu uma fera… e olha que mais calmo que o Pasquini não existia.
Eu fui neste brasileiro em Recife. Ficamos no mesmo alojamento do Flamengo. Minha memória não é a sua, mas lembro do uniforme especial que os pais do Golfinho fizeram: camiseta e bermuda branca com detalhes vermelho e azul, claro que com o bicho bordado. Além disto a marca: chimpa!!!
Fiquei doido com o café da manhã: tinha ovo pacas, uma delícia. No clube, Náutico Capibaribe, tinha umas máquinas de fliperama iradas para época.
A competição foi uma lástima, dei tempo ruim, nadei somente o 100 livre e revezamento. Eu, Felipe, Castor e acho que o Parreira. Foi o primeiro brasileiro que viajamos juntos, eu e minha irmã “pretinha” Ana Júlia.
Claro que eu lembro do tour após a competição!!! O “santo do pau oco”!!!
Muito bom Maga!!!
Dadão,
nunca vi o Pasquini alterado. Esse deve ter sido o pico de revolta dele.
Engraçado que não fui para Recife e acabou que até hoje não conheço.
Não vi o uniforme ao vivo mas lembro bem de uma foto do revezamento feminino: Ana Júlia, Claudinha, Robertinha e acho que a Alice de sainha branca após a premiação do revezamento e segurando a bandeira do Golfinho.
E legal que fizeram o tour, tão importante e várias vezes esquecido pela pressa de voltar para a casa após o término da competição.
Nossa Fernando que legal podermos compartilhar com essas experiências que são só suas, li também sobre o que seria Epicuro, e aprendi mais uma, sempre há tempo de adquirirmos novos conhecimentos !!!!! Parabéns !!!!!
Obrigado Tania.
No trabalho acabamos tratando somente de assuntos do dia a dia e perdemos a chance de conhecermos um pouco mais uns dos outros. Que bom que você leu, gostou e registrou seu comentário.
E já que conheceu o Epicuro, espero que aproveite o máximo o resto do seu dia.
Não sei dizer se era mais justo. Talvez fosse.
Como aniversariante de agosto, estaria competindo com gente que poderiam ser 8 meses mais velhos. Quando você tem 10 anos faz muita diferença.
No novo formato ganhei 4 meses, outros ganharam 8- 10 meses. não fiquei chateado, pois nosso amigo Vinícius faz aniversário dia 27/12. O coitado ganhou 4 dias.
Mais é isso aí, faz parte.
É Flávio, temos também o Cassiano que é de 31/12.
Eu sou de 7/12 e com a mudança ganhei o Edu, meu algoz em dezenas ou quiçá, centenas de provas, que era de fevereiro.
Mesmo assim achei muito melhor, antes era uma bagunça, a cada competição mudava os adversários.
Faz parte assim como a diferença de entrada na puberdade.
É preciso paciência e discernimento.
Claro que para um adulto isso é irrelevante, mas no infantil isso fazia muita diferença e creio deve ter contribuído para vários caras que aniversariavam no final do ano pararem de nadar!
Programei meus filhos para o início do ano, falando sério! A Ana é de fevereiro e o João de março. Se eles quisessem ser esportistas, era sempre melhor. Se não, não atrapalha em nada! A Ana, que foi tenista até os 14 anos, sentiu as vantagens disso.
Bem pensado Marina, bem pensado!
A primeira vez que tomei ciência da velocidade e talento do esmaga foi num brasileiro no botafogo. 50 livre lembra?
Oi Augusto.
Claro que lembro. Foi num Brasileiro Juvenil de Inverno em julho de 1987. O tempo não foi muito bom – 24s77, mas foi o suficiente para eu levar o ouro.
Abraços e obrigado pela lembrança.
Excelente, Esmaga! Interessante notar que em Curitiba vocês começaram as viagens internacionais cedo! Será talvez pela localização geográficaqu? Outro ponto sensacional foi ver mencionado o Tite Clausi, que mais de 30 anos depois continua um grande exemplo de epicurismo na natação. Abraços!
Sem dúvida que a localização geográfica favoreceu, Munhoz. Ainda contarei a história do Torneo Banco Republica, competição anualmente realizada no clube de mesmo nome em Montevideo em que o Curitibano participou vários anos.
Sobre o Tite, foi um master de grande dedicação e participou de vários mundiais, sulamericanos e até pan pacífico.
Infelizmente sofreu uma lesão no joelho, acredito que há cerca de 6 anos e parou de competir.
Ensaiou o retorno algumas vezes, inclusive numa campanha lançada por mim, a “Volta Tite!” que teve boa repercussão na époco,mas ainda não engrenou.
Mas a torcida pelo retorno dele continua.
Grande Smaga!! Os detalhes das suas histórias são impagáveis. E sua memória (aproveito para agradecer a correção do 200MD no post do JD) sofre de elefantiase. Aproveito seu texto sobre o período remoto da infância para propor uma homenagem aos pais e mâes que sempre estivaram presentes. Muitos até hoje estão na minha memória pelo estilo de torcer. Outros pela discreta presença. Outros tantos pela frequência nos treinos e tantos outros pelo esforço no acompanhamento das carreiras tão precoces. Abs.
De nada, Cristiano.
Gostei dessa da elefantiase. Lembro dos principais detalhes e quando vou escrevendo, parece que passa um filme de onde surgem novas recordações.
Sobre pais e mães, merecem todas as homenagens, sob todos esses aspectos que você mencionou. Curioso que estou finalizando o post da próxima 5a, que de certa forma abordará isso e esse acesso eu fiz para estruturar o post na área de rascunhos. Boa coincidência. Conto com sua leitura na 5a. Abração.
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