EPICHURUS

Natação e cia.

Baixinho Paraguaio Viciado em Fast Food é Campeão Olímpico!

Ray morava num bairro de classe média em Assunção no Paraguai.  Era cartógrafo a serviço do governo americano.  Sua esposa Donna estava grávida de oito meses e queria ter o bebê em solo americano, mas o médico proibiu a longa viagem e o casal teve que adiar o regresso à terra natal. 

Em 04 de Dezembro de 1968, o paraguaio Michael veio saudável ao mundo, lá mesmo na capital dos produtos falsificados, e obviamente ali na pequena maternidade em Assunção, nem seus pais, nem ninguém poderia imaginar que aquele bebezinho seria um dos maiores nadadores de peito da história, campeão olímpico e recordista mundial não uma, nem duas, mas seis vezes.  Eleito pela Revista Swimming World como o Melhor Nadador do Mundo dois anos seguidos e pela USA Swimming três vezes como Melhor Nadador Americano. 

A infância de Michael Ray Barrowman foi comum.  A família voltou aos Estados Unidos quando Mike ainda era muito novo e o garoto cresceu em Maryland.  Começou a nadar cedo, incentivado pela vó, mas até os 12 anos era bem PEBA.  Chegou a pensar em largar o esporte, em prol do Baseball, mas não quis desapontar a vovó, fã de natação. 

A virada veio aos 13 anos quando Mike mudou-se de Maryland para Rhode Island e já nos primeiros meses por lá quebrou o recorde estadual três vezes.  No entanto foi somente aos 17 anos, já de volta a Maryland que Barrowman passou a figurar entre os melhores nadadores americanos do nado peito.  Mesmo assim, pouca gente acreditava no seu futuro.  Com menos de 1,80 cm e pouco mais de 70 quilos, era considerado muito franzino para ser nadador de elite.  E tinha outro agravante.  Mike detestava fazer musculação e é fato que a partir dos 16 anos, nunca mais levantou peso.  E como acreditar que um cara viciado em fast food se tornaria campeão olímpico? Pois é, outra curiosidade de Mike Barrowman é que era louco por hambúrguer.  Louco mesmo!  Só abandonava o famoso sanduíche poucos dias antes da competição, quando forçadamente migrava para as massas.  Amigos garantem que Mike comia no McDonald’s todo santo dia e no Mundial de Perth, ao chegar no hotel, garantiu que havia um McDonald’s próximo e ali comeu diariamente.

Só que enquanto o resto dos americanos duvidava do seu talento, Michael não tinha a menor sombra de dúvida.  Em 1986 acompanhava de perto, do outro lado do mundo, aquele que julgava ser o seu grande rival, o húngaro Josef Szabo. 

Szabo foi um dos pioneiros do novo estilo de peito, mais ondulado, com recuperação dos braços fora d’água e acabou dominando as provas de 200m peito por quatro anos no cenário mundial e quando levou o ouro, com facilidade, no Mundial de 1986, com direito a Recorde Mundial, o garoto Michael assistiu atentamente pela TV, meio que pressentindo que em breve estaria ali, duelando com o húngaro. 

E como o destino às vezes é irônico, nesse mesmo 1986, Barrowman descobriu que o hungário Jozsef Nagy, o homem que inventou o estilo ondulado havia se mudado com a esposa Piroska (belíssimo nome) para os Estados Unidos, e foi atras dele.  Nagy dava treinos em Maryland, justamente a terra natal de Barrowman e ali nasceria uma das parcerias de maior sucesso da história da natação.  O encontro está registrado nas páginas da Sports Illustrated e aparentemente Mike já sabia que a inclinação do seu tornozelo era um excelente indicador de que seria um grande nadador de peito, e usou o assunto como quebra-gelo com o húngaro.

Jozsef Nagy, o homem que reinventou o nado de peito.

Jozsef Nagy, o homem que reinventou o nado de peito.

“I can walk backwards,” Barrowman said to Nagy, and stands up in a busy restaurant to demonstrate. He splays his feet farther and farther out until they are pointing 45 degrees behind him. Then he takes a couple of steps backward. Such flexibility in the ankles and knees allows him to get optimal traction in the water. “I was born to be a breaststroker,” Barrowman announces and sits down.

Exatamente o que o Maglischo me falou em 1990, em assunto já relatado aqui no Epichurus, quando tentou, artificialmente, aumentar a minha flexibilidade do tornozelo na esperança que eu virasse um nadador de nível olímpico.  Pena eu não ter levado a sério.

Sorte o Barrowman ser americano.  Se fosse brasileiro com certeza teria o apelido de Curupira!

Sorte o Barrowman ser americano. Se fosse brasileiro com certeza teria o apelido de Curupira!

Enfim, sob a tutela de Nagy, Mike tentou por dois anos redefinir o seu estilo de peito.  Os resultados não pareciam promissores e o relacionamento entre eles já mostrava sinais de desgaste. “Every day Jozsef would pick out one thing and tell me to fix it,” says Barrowman.  “I´d get that right, but something else would be wrong.  It was frustrating because I could never get it all right.  What I need from a coach is someone to stand there and beat me into the ground.  I was always the last guy out of the pool because Nagy would yell things like ‘I’ve seen girls kick faster’ and I would scream right back.  It was a love-hate relationship.”  Engraçado que mesmo os PEBAs as vezes tem esse sentimento. O Miyahara escreveu muito bem sobre esse assunto aqui, no Epichurus.

Ate que finalmente chegara a seletiva americana para as Olimpíadas de 1988.  Mike não tinha a menor esperança de integrar o time Olímpico.  Ele chegou a Austin com o 9º melhor tempo do país com 2’21’39 e a vaga olímpica parecia impossível.  Mas nas eliminatórias o estilo, pela primeira vez em dois anos, encaixou e Mike surpreendeu a todos, inclusive a si mesmo, baixando mais de sete segundos e quebrando o recorde americano já pela manhã.  À tarde repetiu o tempo de 2’13’74 e garantiu a vaga olímpica.  Mas tinha mais notícia boa.  Jozef Szabo tinha passado por uma cirurgia de joelho alguns meses antes e seu desempenho em Seul era no mínimo incerto. 

Mike Ray Barrowman, da noite pro dia, passou de simples desconhecido, para grande favorito ao ouro olímpico em Seul. 

Infelizmente, no entanto, a pressão prejudicou a jovem nadador de 19 anos.  Na final olímpica, apenas 40 dias após o recorde americano, Mike não conseguiu novamente encaixar o estilo e piorou 2 segundos o tempo da seletiva americana.  Mike amargou a 4ª posição, muito atrás de Szabo, que levou o ouro mostrando estar completamente recuperado da cirurgia. 

Mike ficou desolado.  Demorou seis meses para que criasse coragem de assistir o vídeo da prova e garantiu que não deixaria a pressão o vencer novamente.  Em 1989 Mike bateu pela primeira vez o Recorde Mundial com 2’12’90.  Ironicamente Nick Gillingham, prata nos jogos olímpicos de Seul, igualou seu recorde logo em seguida.  Mike não deixou barato, abaixou 1 centésimo o seu tempo e quebrou o Recorde Mundial pela segunda vez com 2’12’89.

Mike dominaria de maneira indiscutível a prova de 200m peito pelos próximos três anos, quebrando o Recorde Mundial da prova mais quatro vezes nesse período. A consagração final veio nas Olimpíadas de Barcelona, quando Barrowman liderou os 200m peito de ponta a ponta e com direito ao seu ultimo recorde mundial, levou o tão sonhado ouro olímpico com 2’10’16.

Recorde Mundial e Ouro Olímpico para Mike Barrowman

Recorde Mundial e Ouro Olímpico para Mike Barrowman

Mike se aposentou logo apos os jogos de Barcelona.  “I have an Olympic gold medal and the World Record.  I can’t think of a way to top that”, said Barrowman, on his retirement press conference. 

Em 1997, Mike Ray Barrowman foi integrado ao International Hall of Fame da Natação e continua sendo o último nadador americano americano a conseguir um ouro olímpico em provas de peito.  E já se foram 21 anos e 5 Olimpíadas…

Mike entra no seleto grupo dos Hall of Famers!

Mike entra no seleto grupo dos Hall of Famers!

Em 1991 fui nadar um Torneio em Berkeley, no norte da Califórnia.  Eu buscava o índice para o NCAA e estava polido e raspado.  Estava chovendo muito e fazia frio, típico clima broxante pra conseguir um índice.  Nadei as eliminatórias, em jardas, para 2’03 nos 200 Peito e fui pra final na raia 3.  Na raia 4, ele, Mike Barrowman.  Além dele tinha Steve West, 3º na seletiva americana para as Olimpiadas de Atlanta e Sergio Lopez, bronze nos 200m peito nas Olimpíadas de Seul. 

Para esses caras, muito provavelmente foi mais uma prova sem importância num dia chuvoso da Califórnia.  Pra mim foi uma das mais bacanas experiências que eu tive como nadador.  Encarei como final olímpica.  Passei os 100 ao lado do Barrowman.  Foi sensacional!  Nas próximas 50 jardas ele me abriria um corpo com uma facilidade impressionante.  Mantive o ritmo de prova, já feliz de tê-lo acompanhado por um tempo.  Ele fechou pra ouro com 1’58.  Eu nadei pra prata com 2’01.  Dei pau no Lopez, bronze olímpico. Sai feliz da vida!

Berkeley não tem piscina de soltura.  Após a prova a galera se junta numa jacuzzi enorme, e relaxa por ali.  Entrei na tal Jacuzzi e o Barrowman já tava lá batendo um papo com outros nadadores.  Os caras estavam falando só besteira e ali comecei a desmistificar o mito.  Criei coragem e perguntei pra ele sobre um filme em VHS que meu pai conseguiu alguns anos antes de um treinamento do Barrowman fora d’água.  Basicamente no filme ele subia de cócoras um ginásio poliesportivo com uma medicine ball nas costas.  Achei impressionante!  Tentei replicar o feito nas arquibancadas do Clube Paulistano por volta de 1989 e fiquei frustradíssimo em não conseguir subir alguns degraus sem o joelho começar a doer.  Ali cheguei a falsa conclusão que era por isso que ele estava entre os melhores do mundo e eu estava longe desse patamar.  Faltava acreditar e aguentar a dor que esses caras aguentavam…

Piscina de Berkeley, vista de longe.  A jacuzzi ficava a direita na foto, atrás das arvores.

Piscina de Berkeley, vista de longe. A jacuzzi ficava a direita na foto, atrás das arvores.

Pois bem, voltando a pergunta, ele sorriu e me respondeu algo do tipo “Cara, eu nunca fiz aquilo.  Na época achamos que seria uma boa fazer um filme e colocá-lo à venda.  Acabou não dando certo até porque achei que muita gente ia perder o joelho se replicasse aquilo!  Eu até subo uns degraus de vez em quando, mas nunca com medicine ball nas costas.  Meu joelho não aguentaria!” 

Aquela conversa com o Barrowman foi o inicio da desmistificação que campeões olímpicos são super-humanos, que aguentam todo tipo de dor e sacrifício.  Demorei pra entender que tudo é uma questão de talento.  Alguns tem mais, outros tem menos, mas no fundo campeões olímpicos tem os mesmos desejos, defeitos, alegrias e frustrações que nós, pobres mortais.  A diferença é que nasceram com mais talento, só isso.  Pô, dá pra competir com um cara que consegue botar os pés a 45° atrás da perna? O curupira nasceu pra ser nadador de peito…

18 comentários em “Baixinho Paraguaio Viciado em Fast Food é Campeão Olímpico!

  1. Miyahara
    17 de junho de 2013

    muito bom post Lelo!

    … hoje em dia subo e desço escadas com duas meninas no colo, trocando a fralda e sem deixar cair a chupeta no chão! será que ainda sou Peba?

    • rcordani
      17 de junho de 2013

      Haha, mas espera só um minuto.

      O Miyahara também é paraguaio, fraco, cara de nerd e adora fast food! A única diferença é ser peba…

    • Lelo Menezes
      18 de junho de 2013

      Boa Miha, mas infelizmente o senhor continua PEBA, com uma, duas ou dez meninas no colo!

  2. rcordani
    17 de junho de 2013

    Muito bom Lelo, realmente uma pena você ser tão peba.

    Achei sensacional a frase “I have an Olympic gold medal and the World Record. I can’t think of a way to top that”.

    Realmente ganhar o ouro olímpico com recorde mundial, é difícil superar. Daí o semblante do Barrowman na foto e a cara do Lundquist no filme da semana passada.

    • Lelo Menezes
      18 de junho de 2013

      Essa frase é espetacular e 100% verdadeira, embora meio plágio da frase do Jim Lovell quando se aposentou da NASA após “desastre” da Apollo XIII. Cheguei a pensar que ele podia ter continuado e sido o primeiro homem a abaixar dos 2’10, mas cá entre nós, qual a diferença de abaixar o 2’10 ou abaixar o 2’13, o 2’12 e o 2’11 (todas feitas pelo Barrowman) ?

      Quanto a ser PEBA, o senhor já deu pau em algum medalhista olimpico dos 200m peito? hein, hein, hein???

  3. pacheco
    17 de junho de 2013

    Muito boa historia!

  4. Fernando Cunha Magalhães
    17 de junho de 2013

    Lelo,

    Muito bom o título do post e as histórias.
    Várias revelações que eu desconhecia. Gostei muito.
    Certeza que essa angulação dos pés do MB ajudou demais nas conquistas do cara.
    Fazendo um paralelo, eu tenho 1,85m de altura e 1,85m de envergadura.
    O Gustavo tem 2,03m de altura e 2,25m de envergadura. São grandes diferenças.
    Mesmo assim, não dá pra atribuir a chegada ao pódio olímpico somente a diferença de talento.

    Quanto a dar pau em cara famoso, também tenho a minha lembrança.
    Detonei o Matt Biondi nos 200 livre do Sundown Swim to Seoul em Mission Bay em 88.
    Tudo bem que o cara tava treinando tão pesado que caminhava lentamente pelo parque aquático e eu na ponta dos cascos, polido e raspado. E pena que foi em séries diferentes.

    Parabéns por detonar o Lopez e encarar o Barrowman enquanto deu!

    • Lelo Menezes
      18 de junho de 2013

      Esmaga, sensacional ter dado pau no Matt Biondi. Com certeza um dos maiores nadadores da história. Engraçado que na época, o fato de eu ter dado pau no Sergio Lopez foi notado, mas muito menos festejado do que o fato de ter nadado ao lado do Barrowman e tê-lo acompanhado por um tempo, mesmo tendo perdido a prova.

  5. Rodrigo M. Munhoz
    17 de junho de 2013

    Espetacular essa história! Eu nunca soube que o cara era paraguaio! Será que alguém no Paraguay sabe disso? Ele seria herói nacional, na certa, tendo ou não um dia tido a cidadania…
    Outra boa história de peitista lendário que aguardo ver por aqui é a do Victor Davis
    Abraços!.

    • Lelo Menezes
      18 de junho de 2013

      Boa Modena! O que eu acho interessante dessa história toda é entender se o Barrowman tem algum carinho pelo Paraguai. Será?

  6. Luiz Renato (Rena)
    17 de junho de 2013

    Bacana demais o tópico. Da para inaugurar uma série “o dia que venci os tops”.

    • Lelo Menezes
      18 de junho de 2013

      Valeu Rena! Essa série do “dia que venci os tops” é legal mesmo! Eu poderia criar outra: “o dia que os tops me destruiram” e contar a história do David Wharton me passando 100m num prova de 1500m na USC! rsrsrsrs

      abraços

      • Anderson Seliprandy
        19 de junho de 2013

        tá bom po, eu já tomei uns 200 m tb em uma prova de 1500 m do Leonardo Fim em uma etapa do extinto Campeonato Paulista de Longa Distância…rs

  7. Rogerio Karfunkelstein
    4 de dezembro de 2013

    Pessoal, fui peitista tambem de uma geracao depois da de voces e tive a honra de ser treinado por Joszef Nagy em Budapest.

    Sem duvida ele sabe tudo sobre nado de peito.

    Muitas historias ao longo de 2 anos ao lado de Nagy me fazem ter certeza que ele e barrowman fizerem um trabalho incrivel vencendo muitas barreiras e dificuldades.

    Cordani, me permita te corrigir, mas na foto em que barrowman comemora de punho cerrado, ao seu lado nao e Steve Lundquist e sim Norbert Rozsa, que foi 2o nessa final de 200 peito (a mais forte da historia ate 2004).

    Lelo, me permita da mesma forma te corrigir no seu texto mas Joszef Zsabo foi campeao mundial em 1986 e olimpico em 1988 mas nao obteve o recorde mundial que persistiu no poder do falecido Victor Davis com 2’13″34 ate ser superado por barrowman em 1989 com 2’12″90 e igualado por nick gilligham

    Treinei junto de Norbert entre 1998 e 2000 e elehavia sido campeao olimpico dos 200 peito em atlanta 1996.

    Parabens pelo texto e se desejarem saber mais historias sobre MB e Jozsef NAgy estou a disposicao.

    abs

    • Lelo Menezes
      4 de dezembro de 2013

      Valeu Rogério! Você tem razão. Falha minha! Szabo nunca foi recordista mundial!

      abs

    • rcordani
      5 de dezembro de 2013

      Oi Rogerio, eu me referia à cara do Lundquist em outro momento (1984), em um outro post que escrevi. Abraços

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Publicado às 17 de junho de 2013 por em Natação, Olimpíadas e marcado , .
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