O ano era 1984 e a politica da natação brasileira estava em polvorosa. As eleições para a presidência da CBN (posteriormente CBDA) estavam para acontecer, e o candidato favorito Ruben Márcio Dinard representava o continuísmo, sendo nada mais nada menos do que o FILHO do então presidente Ruben Dinard, que por sua vez estava completando 25 anos de direção da natação brasileira. Vinte e cinco anos! Mas pelo menos havia um candidato de oposição, na pessoa do Coaracy Nunes Filho. O Jornal Aquática entrevistou profunda e democraticamente os dois candidatos, e deu um editorial francamente favorável à renovação proposta por Coaracy. Pinço um trecho do editorial escrito por Guilherme de Lamare:
“Objetivamente, estamos presenciando uma disputa entre o continuísmo e a renovação, e por mais que o primeiro (RMD) tenha espírito inovador, jamais terá tamanha fome de mudança quanto o segundo (CNF). E uma mudança profunda é o que mais nos interessa no momento, pois temos pressa na modernização, ainda que os resultados não sejam imediatos.”
O próprio Coaracy durante a entrevista pronunciou essas belas palavras: “Não é uma reação pessoal ao Dr. Dinard, cujos méritos reconheço nesses 25 anos em que dirigiu os esportes aquáticos brasileiros, mas uma reação a essa situação desoladora que esses esportes encontram-se, pois entendo que é hora de mudar para melhor, para dar mais esperanças aos nossos atletas.“
Relendo a entrevista, não pude deixar de reconhecer o valor político e a força dessas palavras. Não obstante, Coaracy perdeu essas eleições, e só foi vencê-las três anos depois para finalmente se tornar o presidente da CBDA.
De minha parte, não é hipocrisia nem exagero dizer que tenho muito carinho pela pessoa do Coaracy. Em TODOS os quatro momentos-chave da minha semi-peba carreira de nadador ele estava lá. Mandou uma carta quando venci o meu primeiro (e único) brasileiro. Estava no pódium das minhas duas medalhas de TB (aqui e aqui) e também na minha única medalha de Finkel. Coaracy mostrou para nós atletas que um dirigente não precisava ficar de cartola no camarote, ele efetivamente ficava na beira da piscina, torcia, vibrava. Manjava de natação. A natação brasileira conquistou na sua gestão nove medalhas olímpicas, contra três do período Rubem Dinard (o pai), e muito, mas muito mais finais olímpicas. Temos dois recordes mundiais de longa vigentes! O pólo aquático não evoluiu muito, mas o nado sincronizado e os saltos ornamentais apresentaram sensível melhora nesses últimos 25 anos. Acho que todos que conviveram na natação competitiva concordam comigo que “vibração” era sinônimo de Coaracy Nunes Filho.
Então eu e a natação brasileira temos muito a agradecer!
Obrigado Coaracy.
Corta para 2013. A situação da natação brasileira hoje não é boa.
Diante do exposto, gostaria de parafrasear as belas palavras do então candidato de oposição em 1984, Coaracy Nunes Filho, e repeti-las em alto e bom som, naturalmente com uma única alteração:
“Não é uma reação pessoal ao Dr. Dinard Coaracy, cujos méritos reconheço nesses 25 anos em que dirigiu os esportes aquáticos brasileiros, mas uma reação a essa situação desoladora que esses esportes encontram-se, pois entendo que é hora de mudar para melhor, para dar mais esperanças aos nossos atletas.“
Em outras palavras: obrigado por tudo, Coaracy. Muda CBDA.
Excelente Cordani! Como dizem por aqui: “Politicos e fraudas de bebes tem que ser trocados/as sempre, e pelo mesmo motivo.” Podemos adicionar Dirigentes de Confederacoes na lista.
Valeu CVA. Acho que a tendência de acomodação no cargo é muito grande mesmo. A analogia com fraldas de bebê é um pouco forte, não tenho nenhuma informação que justifique-a, embora a frase seja de impacto!
Excelente! Contra fatos não há argumentos. Sem palavras!
Obrigado Takata.
Caro Cordani,
Texto relevante, coerente, bem embasado e ricamente ilustrado.
Gostei muito do viés que passou pelo reconhecimento às virtudes do trabalho e expressão de carinho ao Coaracy e partiu a defesa da tese da renovação.
Fiquei com duas dúvidas:
1. Existe mesmo o risco do país ser suspenso de competições internacionais?
2. Será que as ações da presidência tem efetivamente influência no que você qualificou como a preguiçosa atitude dos atletas brasileiros optarem (ou se destacarem) em provas curtas não olímpicas? E acrescentando… mais em piscina curta que em longa?
1- não sei onde eu li que sim, que esse risco existe. Mas não sou especialista, talvez alguém nos ajude por aqui com um link.
2- acho que sim. Eu acho que as provas não olímpicas não deveriam levar atletas para os mundiais, por exemplo, como fazem os americanos. Eu preferia ver o Nicholas Santos finalista nos 100 borboleta em Dubai do que campeão nos 50! Será que estou exagerando?
Acho que sim. Se é um mundial e essas provas já estão lá a tantas edições, prefiro o ouro dos 50m ao invés da final dos 100m, ainda mais na fase de carreira em que o Nicholas se encontra. Agora, certamente gostaríamos de ver gente nova chegando e alcançando finais e pódios em provas de distâncias olímpicas.
Concordo Esmaga! Pro nadador é muito mais interessante ser campeão mundial de 50m borboleta do que finalista no 100m. Lembrando que as provas de 50m estilos fazem parte do Mundial de longa também! Agora, o que é inaceitável é que aparentemente temos muitos atletas que focam nessas provas! No caso do Nicolas que tem 32 anos acho que faz todo sentido. No caso do Felipe França por exemplo, acho um pecado! (Deixando claro que é só um exemplo pois não sei se isso ocorreu de fato com o Felipe no ultimo mundial de longa).
Bom, acho que aí temos assunto para mais um post! Assunto típico para o Lelo!
Lembro que há uns dois ou três ciclos olímpicos, o esporte de um país com quatro casos de doping em um ciclo olímpico seria suspenso da Olimpíada. Agora, revirei a carta olímpica e o código mundial anti-doping e não encontrei nenhuma menção a isso. Eu acredito que essa regra foi retirada. Acredito nisso por dois motivos: (1) aquela outra regra que dizia que se um atleta fosse suspenso por seis meses ou mais estaria automaticamente suspenso da próxima Olimpíada foi retirada após toda aquela polêmica com a Jessica Hardy; e (2) somente entre 2008 e 2012 a natação do Brasil teve 14 casos de doping e nenhuma punição ao país foi aplicada. A próxima revisão do código mundial anti-doping será aprovada este ano, e é bom ficarmos atentos a isso.
Interessante isso aí! Li hoje uma entrevista do Ricardo Prado pra Exame onde ele diz algo interessante sobre o doping. A linha entre as centenas de suplementos lícitos e o doping é muito tênue. Eu concordo, embora ainda não explique porque os brasileiros são pegos muito mais que os outros. O fato é que assim como no caso dos maiôs tecnológicos, ta na hora de restringir o uso desses suplementos ao mínimo possível. Só não sei se isso é possível a essa altura do campeonato!
A regra do limite de doping por país pra ser retirado da Olimpíada foi uma proposta para a Carta Olímpica em 2008 e não foi aprovada. A Wada está com a proposta de voltar a punição de 4 anos para casos graves de doping, que será decidido este ano mas entrará em vigor apenas em 2014. Com esses 4 anos, eles matam a charada do atleta ser punido por um ciclo olímpico, incluindo a Olimpíada.
Valeu Julian! No caso de anabolicos sou a favor do banimento na 1ª ofensa. Mas já que não aconteceu, que volte os 4 anos. Me lembro da Angel Myers (que depois virou Angel Martino) pega no antidoping em 88, tomou gancho de 4 anos!
Eu tenho uma opinião mais macro sobre o assunto: em 20 anos de gestão, quais os parâmetros que foram definidos pela Confederação para que se crie condições para um atleta alcançar um bom nível técnico? Índices para Campeonatos Brasileiros? Dinheiro? Clínicas de 4 em 4 anos com critérios que ninguém sabe como é?
Eu bato na tecla em dois assuntos: a pessoa que comanda uma entidade como a CBDA pode ser boa, mas na eleição é preciso que exista sempre a oposição porque isso é o “feedback” que o público tem do trabalho que é realizado pelo atual presidente. Se a maioria acha que o trabalho do atual presidente é ruim, no momento da eleição existe a opção, o que não ocorre hoje por um sistema que inibe ao máximo a participação de uma segunda opção no pleito.
O segundo assunto é que a CBDA é uma entidade que gerencia e administra o desporto em nível nacional, mas seus planejamentos não são de longo ou médio prazo, mas todos baseados no curto prazo (1 ou 2 anos – não me venham falar que a CBDA planeja até 4 anos que isso não é verdade. Vamos tomar apenas um exemplo: pegue hoje o calendário nacional e verá que neste ano e no próximo o calendário sofrerá alterações) porque o planejamento é baseado quase que exclusivamente na disponibilidade financeira da entidade – leia-se contrato dos Correios. Não tem contrato, não tem como executar o que fora planejado. É uma inversão de princípios administrativos, não concordam? Quer dizer então que se não há contrato, não há como traçar metas, não tem como executar projetos… Então a entidade morre? Peraí né. Traçar metas não exige 20 milhões de reais, mas sim pensar em estruturar a natação de modo global de forma que as federações consigam executar os seus calendários, os clubes possam planejar suas metas, enquanto os atletas e atletas devem traçar seus objetivos. A estruturação atleta federado + índice + participação em campeonato já provou deixar de ser um incentivo para o grupo citado, viciou e, pior, os números mostram que a cada ano cai de 5 a 10% a participação nesta estrutura.
Então vejam, não é questão de dinheiro, mas sim de fazer prevalecer um planejamento de cima pra baixo num organograma esportivo. Definem-se as metas e seus métodos, divulga-se e faz-se cumprir. Isso exige dinheiro ou cabeça?
Isso deveria ter sido feito há 20 anos atrás. Ou até 10 anos atrás. Mas as medalhas olímpicas, a todo custo, cegaram aquilo que prezo numa instituição, que é a sua auto-sustentação. Não é possível ainda dependermos em mais de 80% de um só patrocinador. Por que não abriu espaço até hoje para patrocinadores de menor exposição, patrocinadores pontuais? Lembro que as Copas do Mundo no Brasil sempre tiveram dedo de governos estaduais custeando boa parte da competição.
Não gosto de comparar com os Estados Unidos porque acredito que os brasileiros são muito mais criativos que os americanos, mas é preciso admitir que é o modelo que todos gostariam de seguir: é rentável, tem receitas diversificadas e é extremamente auto-sustentável. Mas por trás disso existem as diretrizes da natação americana, que não custou muita coisa em termos financeiros, mas custou em tempo. Então por que não conseguimos fazer isso? É porque o dirigente pode até ter a melhor das intenções, mas sua cabeça ainda mantém uma mentalidade da década de 90, onde é pagando mais que se obtém mais. E se não muda aquele que dita o rumo ou dirige o comando, ou ainda não exige de seus subordinados, não há o que fazer senão depender de sorte e de decisões individuais para que os resultados apareçam.
Parabéns R. Seu melhor texto até agora! Extremamente difícil de argumentar contra. Coaracy sempre foi boa gente comigo. Em todas as seleções que eu peguei, estava sempre presente. Num Sulamericano em Rosário comprou caixas de frutas pois reclamamos do café da manhã. Num outro em Montevidéu me deu dinheiro e ainda recomendou um restaurante quando reclamei pessoalmente de um jantar. Era atencioso e parecia genuinamente gostar de natação! Só que 25 anos no poder é demais! É hora de renovar sem a menor sombra de duvida! Impressionante como a frase do Coaracy de 84 cabe perfeitamente quase 30 anos depois!
Obrigado Lelo. Talvez a principal crítica seja não apenas a renovação da presidência, mas o cerceamento da possibilidade de alguém tentar ser oposição!
Sim, sem duvida! Entendo que parte da dificuldade vem de uma relação federação estadual – CBDA meio viciada! Aparentemente não há vontade na esfera da cartolagem de alterar o status quo! Coisas da política! Nesse caso caberia um maior envolvimento de técnicos e atletas!
Excelente texto, Renato. Muito oportuno também, dado o momento que vivemos no esporte, onde varias federações passam pela mesma falta de renovaçäo… E talvez problemas similares decorrentes de tal “marasmo democrático” . Lembro com nostalgia do Coaracy primeiro fazendo campanha e perdendo e depois conseguindo a presidência da CBDA. Lembro-me dele em todos os podiums importantes e nos dois Sulamericanos que peguei (maldonado e Rosario). É o dirigente de nataçäo nacional mais bem sucedido que já vimos… mas a verdade é que vimos poucos deles na historia recente do esporte. O Coaracy é definitivamente uma pessoa carismática e apoiadores dos atletas, mas isso não deveria torna-lo automaticamente a única escolha possível para liderar a Confederação. Temos muitos ex-atletas inteligentes e gabaritados, assim como profissionais do esporte que poderiam trazer renovação a natação… Onde estão ? Porque não há oposição ? Sabemos que a resposta disso está pelo menos em parte no modelo brasileiro de federações escolhendo os presidentes das confederações, mas deve haver algo mais. Será que a bucha é tão grande que ninguém quer pegar? Acho que não.
Dirão os conservadores que “em time que está ganhando não se mexe” mas tem pelo menos um problema nesse chavão quando aplicado a natação brazuca … Não estamos ganhando tanto assim. Renovação no comando garante evolução. Parabéns pelas conquistas, Coaracy, mas é hora de considerar abrir mão do que quer que seja que tenha tornado o cargo tão atraente e procurar outras formas de agregar valor ao esporte.
Na mosca Munhoz.
Gorgonza e Rodrigo
Parabens pela lucidez e foco nos comentarios .
Adorei o Blog …!!!
Abraços
Nilson
Opa obrigado e grande abraço Nilsão!
Um dos melhores textos que já li sobre política esportiva!
Obrigado Patrick!
Grande texto …..grande mensagem ..
Obrigado Otávio. A mensagem é do próprio Coaracy 1984…
É isso aí. O problema é que Brasileiros, inclusive os nadadores, são acomodados politicamente!
Nós, os brasileiros. Eu, você, nós!
Muito bem colocado Renato. Parabéns pelo texto!!!!
Como você , tambem tive meus momentos com o Coaracy, e tambem acho que ele contribuiu bastante em sua gestão, mas chegou a hora de mudar, na verdade, já passou da hora.
Grande Polaco, como disse a Marina, nós somos muito acomodados. Mas nunca é tarde para iniciar!
Excelente posicionamento!!
Obrigada por falar por mim!As vezes tenho dificuldade em colocar pra fora tudo que penso a respeito da situação dos esportes aquáticos do Brasil.
Muito me incomoda, principalmente a falta de CLAREZA, é tudo na surdina, tudo sem critério.
Oi Joanna, obrigado pelo seu comentário que muito nos honra, principalmente vindo de dentro da seleção! Como eu disse no texto, não é hipocrisia dizer que tenho muito carinho pelo presidente, mas tem uma hora que já deu, né? Parabéns pela tri-olímpica carreira!
R., excelente texto! Difícil contra-argumentar, os fatos estão aí e está na hora de mudar.
Ricardo Minguez
Valeu Minguez!
Texto ok ! Mas e o presidente da FAP, Miguel Cagnoni ? Há quantos anos no cargo ??
Se reelegeu ano passado …
E as retaliações para quem votou na oposição ?
Houve uma grande discussão sobre este assunto no Campeonato Paulista Juvenil no 2o.semestre …
Quem conhece bem a história sabe exatamente o que aconteceu…
Carlos
Carlos ,
A FAP deveria ser profissionalizada, como todas as federações e confederações, mas democracia é uma palavra que não existe para eles.
Tenho certeza que o Renato focou a CBDA, mas a ideia deve ser usada para qualquer Federação os confederação.
Oi Carlos, não sei o que se passa na FAP. Sei que houve um candidato de oposição, o Klaus, e o Miguel ganhou no voto. Mas se quiser conta aqui para a gente, ou então quando a gente se encontrar no CPM de novo!
Pingback: Jorge Fernandes solta a caneta em “A Resposta”. | Epichurus
Parabéns Renato. Melhor post!
Valeu Alemão.
Pingback: Desafio ou Raia sem Saída? | Epichurus
Pingback: .: Rogério Romero :.
Pingback: Retrospectiva de um ano de Epichurus | Epichurus
Pingback: Até 2014. « Epichurus
Grande Cordani. Direto ao ponto. Sou novo por aqui e já deu pra entender como a coisa funciona. Abração Patrick
Valeu Patrick, grande abraço!
Pingback: CBDA faz 26 anos… 26? | Best Swimming
Pingback: Sucessão na CBDA: eu tenho um sonho. | Epichurus
Pingback: 100 | Epichurus
Pingback: É criança na água, estúpido! | Epichurus
Pingback: Milhões desperdiçados, gestão pífia, declarações infelizes, poucas crianças na água, acusações de desvios: e nós, o que podemos fazer? | Epichurus
Pingback: Que venha o sol! | Epichurus